sábado, 28 de novembro de 2009

SABEDORIA

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Para a D. Lucinda, mestre na arte de viver
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Brotaste num meio
Muralhado
Na ancestral verdade
Preconceito angular
Petrificado
No deixar arrastar
A máscula vontade.
As voltas que deste
Ao ícone cinzelado!
Com riso gaiato
Cordato
Bordado com muito tacto
Apanhaste a linha solta
Avessa à reviravolta
E contrariaste
O fado traçado.
Forjaste o teu destino
Amparada na visão
Indestrutível
Do equilíbrio da vida
(Na chegada e na partida)
Só perecível
Na prática da omissão
Inadmissível
A quem pede a mão
Em busca de solução
(Solidária desmedida).
Esculpiste as crias
Acto inventor
Tela de projecção
Permanente
Do afecto partilhado
Em respeito definido
E com risos temperado
Futuro bem delineado
Do fruto amadurecido.
Olhas para o mundo
Eterna paixão de viver
Todos os dias sentida
Equilíbrio permanente
Nos eleitos residente
Vontade nunca contida
Menina para toda a vida!
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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

ESTRELA CADENTE

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Olhavas de frente
Confiante,
Pose estudada,
Imagem de néon,
Flamante,
De marca afamada.
Cavalgavas a noite
Trepidante,
Contínua aceleração,
Ar seguro,
Insinuante,
Predadora escaldante,
Sempre na contra mão.
Rias da sina
Trinada
Em dó sustenido,
(Oráculo pungente!)
Revelador,
De pranto e de dor,
Prontamente esquecido.
Passaste na vida,
Cadente,
Em decapitado pavio,
Enquanto sumias,
Desesperada,
Fogacho em simulacro,
Nas garras do vazio.
Sonhavas um lugar
Cimeiro
Nos anais da História,
Mas o teu soprar,
Efémero,
Apenas abraçou
O vazio da memória.
Mas o editor,
Guionista,
Necrófago oportunista,
Do previsto imprevisto,
Com as cinzas no chão
Desenhou
Com o que restou
O que não fora visto.
Reprimida, a alma
Soltou-se mágoa
E o brilho da estrela
Flamejou
Já sem agonia,
(Qual estrela cadente!),
Num cintilante
Sol de vitrina,
Céu de livraria.
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sábado, 21 de novembro de 2009

A COR DO SONHO

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Falavas convicta
Da cor do teu sonho
Como se a alma
Movimento profundo
Fosse tela manipulável
Adaptável
Em pano de fundo
Pegavas na paleta
Objecto comum
Circunspecto
E tentavas
Num impulso inocente
Pintar o sonho
Em rosa envolvente
Como tom predominante
Duma vida deslumbrante
Mas na intimidade
Sabia-te a pouco
E rebuscavas mais cores
Para misturar odores
No equilíbrio
Da tela desejada
Tentaste com verde
Dourado e turquesa
Mas ficava a incerteza
Da falta de leveza
Do sonho sem asa
Insististe com azul
Siena, borgonha
Branco floral
Mas não descobrias
A mágica proveta
Crucial e discreta
Para almejar
O tom essencial
Ficaste sozinha
Coração na mão
E então percebeste
Que a essência do sonho
Antes da cor
Carece de alma
Na sua dimensão.
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terça-feira, 17 de novembro de 2009

ASAS

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Quando chegava o Verão
Sentavas-te
À tardinha
Debaixo da figueira
Onde a brisa
Suave
Anunciava
O rumor das cotovias
Então pegavas
Delicada
Na minha mão
E contavas
Baixinho
Era uma vez um potrinho
Que adormecia
Feliz
A ouvir
As histórias do vento...

Sentia-te perto
E o tempo
Adormecido
No cantar do ribeiro
Parava
Enlevado
Para nos ver
Assim eram os dias
No tranquilo Paraíso
Em que desenhavas
Minuciosa
O crescer das minhas asas
E eu sentia
Maravilhado
O vigor do teu voar.
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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

VITÓRIA ANUNCIADA

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Para as minhas colegas Maria João Ramos e Fernanda Soares 
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Trazias o entusiasmo 
Dos sonhos por concretizar 
Alimentado 
Em berço protegido 
Mostravas o teu querer 
Indomável 
Na firmeza do olhar 
Com que fitavas 
Desafiadora 
A areia da engrenagem 
Cuidavas das crias 
Espaço crucial 
Com o saber dos argutos 
Condimentado Em taças de ternura 
Lidavas com os amigos 
Espaço de partilha 
Como porto de abrigo Apaziguador 
Imune à amargura 
Olhavas para a vida 
Espaço realizador 
Como terreno a conquistar
 Com ardor 
Em luta sempre dura 
Enfrentas o infortúnio 
Espaço regenerador 
De descoberta 
Duma tela descomunal 
Onde os amigos 
De mão dada 
Semeiam os acordes 
Indestrutíveis 
Duma vitória anunciada. 
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terça-feira, 10 de novembro de 2009

MUSA

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Estavas tão concentrada
No papel de Margot
Que não vias
No canto da sala
Os olhos suspensos
No teu respirar
Eram mais uns
Na plateia domada
Enquanto dançavas
Como ninguém
E as pétalas das rosas
Rendidas
Vertiam perfume
No teu rodopiar
A carruagem partiu
Na meia-noite temida
Deixando no ar
Da sala hipnotizada
O aroma envolvente
A promessa de vida
Da Cinderela alada
Desci a avenida
Nureyev a dançar
Enquanto desenhava
Com a pétala que restava
A musa encantada
Saída do sonho
Do teu esvoaçar.
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sábado, 7 de novembro de 2009

NARCISO

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A seara ondulava
Sensual
E as papoilas
Efémeras
Adornavam o bailado
Que embalava
A paixão das cigarras
Assim eras tu
Em Maio
Na frescura dos caminhos
Radiante
Com o mundo a teus pés
Gostavas do teu brilho
E embriagavas-te
Na imagem do espelho
Que enfeitavas
Com as cores
Duma Primavera duradoura
Esqueceste os aromas da terra
E não vias que os deuses
Despreocupados
Em olímpico tédio
Jogavam o teu destino
Em jogo de dados
Dedilhando-o
Em acordes chorados
O espelho fragmentou-se
E não percebeste
A sensação de frio
Nos caminhos que te levaram
À solidão
Dum palco vazio.
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terça-feira, 3 de novembro de 2009

A VALSA LENTA

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O Outono entrou de mansinho, mas a sua sinfonia colorida, em tons nostálgicos, já se faz notar.
As árvores da escola, correspondendo a um ciclo imemorial, começam a libertar as folhas que, numa dança suave, se encaminham para o novo anfitrião, a terra batida do recinto do recreio. Quando o tapete começa a ganhar forma, a Teresa, a auxiliar da escola, não está pelos ajustes: mal arranja um tempito nos seus afazeres, pega na vassoura e vai juntando as folhas invasoras em montinhos, destinando-lhes o contentor como morada. Só que às vezes chega a hora do recreio antes de ela acabar o serviço, e aqueles montinhos, ali mesmo à mão, são verdadeira cobiça para as brincadeiras, principalmente dos mais novos. E então é vê-los, radiantes, atirando as folhas ao ar, como que dizendo:
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..........Eu gosto de apanhar folhas
..........Ouvir o vento a soprar
..........Correr pela estrada fora
..........Como se fosse a voar
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Quando os pequenotes entram para a sala, um mar de folhas coloridas cobre todo o recinto, extenuadas das brincadeiras daquelas mãos afoitas e entusiastas. Então a Teresa, pacientemente, junta-as de novo, mete-as num saco e leva-as para o contentor.
Indiferentes a tudo, e seguindo uma lei do princípio do tempo, das árvores, em ritmo de valsa lenta, outras folhas vão caindo...
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