sábado, 6 de março de 2010

O MEDO

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O mundo está feio. Feio e triste. Feio, triste e desesperado.
Olhamos em volta e, por mais que nos queiramos fixar em coisas positivas, o alastrar da nossa decrepitude já não se insinua, afirma-se. Deixámos de ter confiança no vizinho, no merceeiro, no político. Ninguém acredita em ninguém.
As instituições, destituídas de credibilidade, parecem seguras por arames; os valores de vida, meta elevada a preservar, diluem-se em interesses egoístas e corporativistas; a natureza, eterna mãe condescendente, esvai-se em queixumes estrebuchantes...
Os líderes passam a mensagem de dificuldades inultrapassáveis, do caos iminente. E o medo insinua-se, levando à irracionalidade, ao animalesco. E a luz da ideia, titubeante, enfrenta tempestades medonhas.
O caminho não passa por colocar um cartaz "Herói, precisa-se!", porque heróis seremos todos nós. Se conseguirmos. Caso contrário, basta um simples epitáfio. Colectivo.
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14 comentários:

  1. Acabei há pouco de ler o livro de Mia Couto.
    Fala das verdades do homem, o sentimento e o sonho, mas também a miséria, a dor e a perda.
    Será que estamos mortos por dentro?

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  2. A situação que se vive e se intui projecta, efectivamente, um clima de medo, com as consequências que lhe são inerentes.
    Mas é no medo e na incerteza que se costumam revelar os melhores e maiores feitos.
    Não estou a falar de heróis míticos, porque não acredito na sua existência. Mas falo em tirar das fraquezas forças para que com os Heróis anónimos sejamos capazes de ultrapassar todos os medos e todas as crises. Até tenho, para mim, que é nestas alturas que se revelam as maiores potencialidades e as mais complexas qualidades de improviso de um Povo que nunca volta as costas às adversidades.
    Ter medo não é vergonha nenhuma. Sucumbir a ele já é próprio da cobardia.
    Eu tenho Fé que tal não acontecerá a este Povo com quase nove séculos de história, onde pontifica a aventura e o destemor.
    Oxalá assim seja.
    Caldeira

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  3. E.A.,
    Não estamos mortos por dentro, mas estamos com uma enorme ressaca colectiva, fruto da ilusão do "Ter" (estou a falar da civilização dos valores ocidentais). Mas ainda acredito.

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  4. Caldeira,
    A questão de fundo ultrapassa, e de que maneira, "este Povo com quase nove séculos de história...". É uma questão planetária. Mas gostei de ler que "é nestas alturas que se revelam as maiores potencialidades e as mais complexas qualidades de improviso de um Povo que nunca volta as costas às adversidades." Na verdade, todos estamos a necessitar do nosso melhor, de nos descobrirmos num patamar mais elevado. De darmos pleno sentido a palavras como permuta, solidariedade, amizade...

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  5. É verdade… As relações sociais estão comprometidas, não se sabendo ao certo para que lado olha a multidão desnorteada. Que sentimento este que, vivido na ansiedade e na sociedade, teme a reacção de quem desespera face à ameaça que se afirma de forma cada vez mais nutrida.
    É verdade… A própria natureza está comprometida, não se sabendo se sente esse medo que povoou o mundo ou se reage em estado de alerta à humanidade, para que lute, enfrentando-se a si própria.
    É verdade… A razão, como característica da condição humana, está comprometida, temo-la ou perdemo-la?!
    É verdade... Mas no medo vê-se o receio de se fazer alguma coisa... a falta de atitude é que é condição irracional!

    É verdade… Texto curto mas com uma mensagem tão clara e do tamanho do mundo! Conteúdo “medonho” que, nas palavras (e que pena não ser só nas palavras!), ultrapassa a fronteira do Interioridades!
    É verdade… Demasiada verdade na bela forma como escreveste, Agostinho!

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  6. JB,
    Escrevi este texto de forma emotiva. Cinco minutos de desabafo, perante evidências tão nítidas. Só não vê quem não quer.

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  7. Não sei que diga. Que as coisas não estão bem, nota-se. E reconheço que às vezes apetece fazer como a avestruz.
    Obrigado pelo teu esforço.
    Abraço

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  8. Olha, Jorge, tal como diz o Caldeira num comentário anterior, eu também acredito que o melhor de nós se pode revelar nestas alturas. Mas é necessário cultivar a ideia...

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  9. Onde foi parar o meu enorme comentário que já tinha postado? Ainda não foi submetido?
    São sete e treze da manhã.Voltei a ler o texto e, com o frio que está,sinto ainda mais que"O mundo está feio. Feio e triste. Feio, triste e desesperado."
    Acordei sem ânimo.Vou ter que espevitar.

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  10. Ibel,
    A sua curiosidade é a minha curiosidade, porque ao Interioridades não chegou qualquer comentário. Aguçada a dita cuja, espero que insista e comente novamente, pois as suas impressões são sempre aguardadas com expectativa.
    Ânimo!

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  11. Você consegue dizer tanto num texto tão pequeno, que recomendei aos meus alunos o Interioridades para verem como se faz uma síntese bem feita. Nada foi esquecido.É tudo tão triste e verdadeiro, que o nem o sol de hoje deu para esquentar o ânimo.

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  12. Ibel,
    As coisas estão feias, sem dúvida. Mas há muita coisa positiva por aí. Pessoas que se esforçam, que acreditam e que, com o seu exemplo, conseguem espalhar energia positiva à sua volta. Um dia destes escrevo sobre isso.

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  13. Sabe Prof Agostinho, eu sinto-me como a expressão da sua imagem e identifico-me com o seu texto.. melhores dias virão, concerteza.

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  14. Ana Paula,
    Este texto pretende apenas ser um alerta. Até aqui, por mais erros que cometêssemos, havia sempre uma nova oportunidade. Essa fase, contudo, está a esgotar-se, e estamos a ficar sem margem de manobra. Mas ainda estamos a tempo. E, se olharmos bem, o mundo continua a ser génese de muita coisa maravilhosa.

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