domingo, 26 de abril de 2015

ADEUS

.
.
Não, alguém se enganou, ainda não era a hora. Mas um súbito vento, daqueles cobardes, que se acoitam nas trevas, não resistiu ao seu âmago. Quis levar-te, de perfídia, manifestação sarcástica dum poder que nos ultrapassa, que teima em lembrar-nos a nossa frágil condição. 
Não, ainda não era a tua hora. A tua risada cristalina tinha ainda muito gelo para derreter, a tua natural bondade ainda muito que unir. E nós, que víamos luz no teu gargalhar, no teu saber aproximar, ficamos para aqui, órfãos, com tudo para reconstruir, com muito para chorar.
Não, por mais que me confortem, me abracem, sinto que alguém se enganou, ainda não era a tua hora.
.
.

sábado, 18 de abril de 2015

CRESCER

.
Fotografia de AC
.
.
Para o Eugénio
.
.
- Mãe, vi um caminho verde, com árvores a despontar. Desponto-o, ou não?
- Tens tempo, filho. O caminho verde tem muito que amadurecer.
- Mãe, vi um caminho de terra, com muito por pisar. Piso-o, ou não?
- Tens tempo, filho. O caminho de terra tem muito que envelhecer.
- Mãe, vi um caminho lindo, com mil sonhos por trilhar. Trilho-o, ou não?
- Vem cá, meu filho, ainda tenho muito que te abraçar.
.
.

sábado, 11 de abril de 2015

ETERNO PISCAR DE OLHO

.
Gardunha, Fotografia de AC
.
.
Andes por andares, a caixa negra começa, a pouco e pouco, a ser mais selectiva. E, subtilmente, ela começa a dar de si, a emanar sinais, traduzíveis em inquietude. É então que és posto à prova, mais uma, na encruzilhada dos caminhos. 
No bornal trazes as memórias do que perdeste, mas também muito do que ainda queres ganhar: o cheiro das coisas simples, a verdade, o piscar de olho do tempo, a percepção da grande casa...
Lá no alto, em sintonia com a linguagem da montanha, as feridas, diluídas em eternos sonhos, não carecem de ser lambidas. Os anseios, filtrados na respiração do tempo, colam-se, cada vez mais, à ondulação da tua alma.
.
.