sábado, 23 de maio de 2015

BANHO DE LAMA COM ERUPÇÕES DE VERDE

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Pintura de Carlos dos Reis
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Esbracejara, chafurdara, mas aprendera a nadar naquele lago de lama.
Passava por ilhas, muitas ilhas, todas cercadas de muros, a bradar a sua independência. Evitou-as. Continuou a nadar, contornando as jangadas carcomidas, vestígios de adormecidas ousadias, até chegar à margem pedregosa.
Sentou-se, voltado para aquele mundo em convulsão. Enquanto recobrava o fôlego, ofegante, começou a pensar em pontes. Mas não, não era por aí, os muros apenas cairiam de podres.
Subiu, a custo, a íngreme escadaria, até atingir o exterior. Após curta pausa, começou a contornar a muralha de cor indefinida, procurando uma brecha. A ânsia pouco deixava ver, as paredes pareciam inexpugnáveis.
Parou. Concentrou-se na brisa, na imperceptível ondulação dos musgos, na indecifrável linguagem das pedras, até sentir o que realmente era: um minúsculo ser sem bússola, com uma pequena sacola de memórias a tiracolo.
Voltou, pouco a pouco, as costas à muralha. À sua frente, contornando a erupção do fraguedo, uma floresta com toda a espécie de árvores prolongava-se até à linha do horizonte. Abriu os braços, encheu o peito de ar e sentiu o irresistível apelo. 
Enquanto caminhava, lentamente, por entre o arvoredo, imbuindo-se de aromas e cores, intuiu que as andrajosas vestes iam ficando, uma a uma, para trás, até se sentir completamente nu.

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23 comentários:

  1. A liberdade que o ar puro, colorido, nos dá.

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  2. Profundo e imensamente tocante com mensagens fabulosas.

    Bom fim de semana

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  3. Que brisa maravilhosa se entrelaçou nos meus cabelos:)
    Fechei os olhos, abri os braços ao ventre da mãe natureza e voei :)))
    Que lindo, AC.
    Fica um beijinho:)

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  4. Lindo demais!
    Sentir-se junto, dentro, ser parte!
    Beijo carinhoso!

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  5. Oi .A.C. após tantas lutas possamos alcançar a plenitude da libertação e recuperar as cores e os sons bem como os sentimentos deixados para trás em busca de uma ilusão.
    Um abraço

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  6. Caminhando e contornando todas as muralhas que poderão surgir, assim seja!

    Beijinho AC bom domingo.

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  7. A nudez a tão almejada e saborosa nudez .
    E só assim , se pode abrir plenamente as asas .

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  8. "Como se rastejasse a paisagem dos sonhos pelo lado mais escarpado da alma".
    Belo texto...
    Um beijo,

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  9. Carregamos serras às costas
    como se fosse possível regressar às origens

    ao primeiro grito

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  10. Sentiu o que realmente somos, mesmo aqueles que pensam que o não são.
    Beijinhos, bom domingo!

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  11. Embrenha-se no caminho... procura-se, o despojamento é como a cebola que se descasca.
    Beijinho grato.:))

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  12. Finalmente encontrou-se!
    Uma prosa poética soberba AC.

    Um beijinho e boa semana

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  13. Poeta , adorei a confissão de fé . Beijos e boa semana

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  14. Despir a pele, derrubar muros, quebrar pontes, nadar contra a corrente de lama e voltar a olhar. Tudo fica diferente :)

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  15. Uma mensagem espetacular! A imagem está fantástica complementando...

    Beijo.

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  16. Caminhar e ouvir em cada passo o eco do nosso coração... ´:)

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  17. É isso... despir-se de memorias... e com a mente livre e leve... voar para o novo...

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  18. Interioridades metafóricas onde a Natureza tem o seu desfecho final.
    Gostei muito de ler.
    Um abraço

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  19. é necessário remover a pele para chegar ao coração...

    gostei muito.

    forte abraço

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  20. a suavidade da tela, está em comunhão com o texto.
    gostei muito deste despir o que não faz falta e ficar assim como quando se nasce.
    essa nudez que todos precisamos e não ousamos.
    gostei deveras.
    beijo amigo
    :)

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  21. É quase impossível ser completamente livre. E caminhar à margem pode trazer acima de tudo muita solidão. Mas até certo ponto, até ao aceitável, para quem tem que viver em sociedade, a liberdade vale alguma solidão, algum isolamento. Até porque muitas vezes só nos rodeiam pequenas fogueiras de vaidade.

    Beijinhos :)

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  22. Deixo apenas o meu sorriso, perante a imagem que tão belamente pintou.
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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  23. Há os muros naturais - inofensivos; os erguidos pelo Homem - asfixiantes e quase inexpugnáveis; e há os invisíveis - perturbadores e carentes de ação. Nestes devemos assentar o nosso desígnio. E talvez cheguemos aos do Homem...
    Muito bom, Ac! Parabéns!
    Bjo :)

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