sábado, 23 de abril de 2016

A CEREJEIRA QUE MUDOU DE RUMO

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AC, Enxertos
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Em tempo de efemérides, cada vez mais formatadas, deixei para trás, no aconchego da sala, a voz dum cavaleiro da utopia, o eterno Zeca Afonso.  O terreno, circundante à casa, esperava por mim, em rotina tecida, aparentemente, em silêncios. Nada mais enganador. Cada planta tinha a sua história, assim houvesse alma para a ouvir. A toda a hora. 
Passei pele recanto dos rosmaninhos, que cresce por ali em livre curso, para desconsolo dos meus vizinhos. Para eles todo o terreno deve ser aproveitado. Ver giestas, rosmaninhos e outras plantas silvestres, em espontânea auto-gestão, é completo desperdício. O meu sorriso apenas lhes trava as palavras, não o pensar. Para quê dizer-lhes algo? Habituados que estão a tirar o melhor proveito da terra, jamais conseguirão compreender a minha satisfação na fruição de cores e odores. E, encolhendo os ombros, acabam também por sorrir.
Perto da horta tinha crescido uma cerejeira brava. Este ano, atiçado pela ousadia, atrevi-me a fazer-lhe uns enxertos. Talvez conseguisse, naquele viço quase indomável, encontrar a harmonia adequada para ela se redescobrir com outros enfeites. Ela lá estava, à minha espera. Os enxertos parecem ter conseguido penetrar-lhe no âmago, de tal forma que, já este ano, alguns frutos se anunciam. Olho, respiro, absorvo. Tento ouvir, tento perceber. A cerejeira, outrora brava, parece-me feliz com o seu novo destino.
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41 comentários:

  1. Que beleza de experiência! Também me parece que de brava agora não tem mais nada.Sorri com flores! Linda foto! abração,chica

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  2. Linda e viçosa, como tudo o que é cuidado com carinho ainda que numa nova dimensão.
    Abraço AC

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  3. Os teus textos têm Alma, têm odores e emoções, AC!
    Li, e reli o que escreveste e sorri com enlevo. O teu amor a tudo o que vem da Natureza emociona-me e cativa-me.
    Tive um tio, irmão da minha Mãe, que era experiente nessa arte dos enxertos. De uma amendoeira enxertada, comi doces ameixas. É a lembrança que tenho, mas não sei como foi aquilo feito! Tu deves saber!!
    Seria possível enxertares essa cerejeira brava de outra árvore de fruto qualquer? Aqui no Norte chamam-lhe 'alporgue'. Nem sei se se escreve assim.

    Um beijinho, AC! :)

    ( e sorrindo enlevada, me vou. )

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  4. Uma mudança feliz.
    Adoro flores silvestres e adoro também ver as cerejeiras em flor.
    Bom fim de semana
    Um abraço
    Maria

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  5. Mas haverá melhor voz que a da terra?
    Feliz de quem sabe cantá-la depois de amá-la!O AC sabe fazê-lo como ninguém!
    Eu adoro flores silvestres e árvores também, pois claro!
    beijinho

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  6. Pelas cores e flores com que se veste, diria que está radiante na sua nova fatiota de festa. Cerejas, uma delícia comidas ali mesmo de baixo da árvore.
    Como diz a Janita o seu escrever tem cheiro e sabor, tem cor e beleza.

    Bom domingo
    :)

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  7. Fiquei enlevada pelo texto e pelo comentário da Janita!
    : )

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  8. É tão bela a cerejeira em flor! Neste texto percebe-se toda a emoção de quem sabe olhar e ver...
    Também tenho saudades do Zeca.
    Um beijo.

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  9. Linda a imagem e o texto. Meu pai também sabia fazer excertos, e lá na seca não raras vezes lhe pediam para podar e enxertar árvores.
    Um abraço e bom Domingo.

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  10. Há olhos, e são tantos!, que não sabem ver.
    Meu pai adorava se aventurar por esse mundo dos enxertos - fazia enxertos em roseiras, que eram sua paixão.
    Meu avô materno era apaixonado pelas macieiras e se perdia a fazer criações de macieiras saídas do mundo encantado da botânica ;)
    Talvez este ano a sua cerejeira se fique apenas pelas flores, mas, com certeza há-de dar fruto, para além da felicidade que lhe decoram as palavras.
    abç amg

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  11. Que lindo, Ac! Assim como a cerejeira somos nós... recebendo um "enxerto" de atenção, carinho, quem não amacia e floresce? :)
    Tenho um bonsai cerejeira que adquiri no início do ano e há duas semanas mostrou sua primeira flor... fiquei toda feliz, rsrsrs!
    Abraços!

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  12. A maioria dos seres humanos sem se perceberem foram formatados como eles bem entenderam e nada como gritar a liberdade do Zeca e deixar crescer e apreciar o que a natureza nos oferece SEM COBRANÇAS DE IMPOSTOS, desculpa sem cobrança do quer que seja e fugindo dessa tal "forma" acho que posso dizer que sou feliz!

    As árvores agradecem os enxertos sobretudo as mais velhas, assim como laranjeiras e outras "eiras"...e até eu deixo-me embalar por tal postura e renovo-me todos os dias.

    Não gostei nada AC...A-D-O-R-E-I

    Um abraço

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  13. A felicidade está nas experiências de amor às pessoas ou a uma árvore que retribuem com graça de frutos mesmo sendo bravas.
    um abraço

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  14. Pode parecer-te que a domaste mas, o que ela fez foi aproveitar as tuas mãos para crescer sozinha!
    Viva o 25 de Abril! Viva a Liberdade!

    Beijinhos, AC :)

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  15. ~~~
    Também aprecio sentir os aromas da flora típica da região.

    Admiro carinhosamente, esse fascínio pelos teus campos,
    pelas tuas plantas, pela natureza; grandes inspiradores
    de muitos dos belos textos poéticos com que nos mimas.

    Já percebi que vais celebrar a efeméride em pensamento,
    passeando pelos teus terrenos.
    ~ Tem um dia muito agradável.

    ~~~ Beijinho, AC. ~~~

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  16. Quando as mudanças são para melhor vale sempre a pena.
    Como eu sei isso!
    Aquele abraço, boa semana

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  17. Coisa poética esta, de amansar uma cerejeira brava.

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  18. A flor de cerejeira é a flor mais bela e mais perfeita que conheço. A tua fotografia é muito bonita, assim como as palavras com que a casaste.
    Fica um beijo e votos de um bom dia.

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  19. Gosto dessa natureza que fala em prosa e habita quem escreve.

    Um beijo

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  20. ... e, entretanto, a cerejeira dará belíssimos frutos - já não brava, mas sem deixar de ser bravia! ...

    abraço, poeta

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  21. Renovação! :) Sempre nos faz tão bem!

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  22. Como compreendo estas almas que se comunicam
    com as plantas. Sei o caminho deste diálogo,
    Poeta Zen!...rss

    A foto belíssima da cerejeira com "personalidade"...

    Adoro sempre ler-te.
    Beijo.

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  23. ...e a ler acho que até consigo ver o sorriso e o odor..

    tão belo o texto

    beijo

    :)

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  24. E hoje venho apenas convidá-lo a juntar-se à festa no Sexta.
    Abraço

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  25. «Passei pele recanto dos rosmaninhos, que cresce por ali em livre curso, para desconsolo dos meus vizinhos. Para eles todo o terreno deve ser aproveitado. Ver giestas, rosmaninhos e outras plantas silvestres, em espontânea auto-gestão, é completo desperdício»

    Fiz apenas um copy/paste desta parte porque me parece que este crescer em livre curso é muito bem-vindo, não tem nada a ver com o facto de muita gente deixar o seu quadrado de terreno sem ser limpo, por ali crescem ervas, por ali apenas existe lixo, este crescer selvagem que o AC fala, este faz-nos falta. Embeleza as nossas estradas, os nossos campos. Aliás, existem flores que se querem selvagens, genuínas.

    Tenha uma boa noite, AC. Aceite um beijinho :)

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  26. Temos que olhar , com olhos de ver , as árvores .
    Elas dão - nos tantas lições . . . além de outras coisas inerentes à sua condição .

    Um beijo AC ,
    Maria

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  27. E esta cerejeira poderia ser uma metáfora para a vida, que vale por si. Um texto muito bonito, como é habitual.

    Um beijinho,AC :)

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  28. Que linda está a sua cerejeira!!! O meu pai também fazia enxertos com sucesso em várias árvores de fruto :)
    Beijinhos e boa Primavera!

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  29. Quem sabe o teu anónimo não precisa que lhe façam um enxerto? A mágoa, o desprezo, a raiva que se sente por alguém vai minando o nosso interior e, quando damos por isso, estamos bravos como a tua cerejeira. Que só queria um pouco de atenção e cuidados para que pudesse ser como ascoutras, com lindas flores e frutinhos vermelhos que fazem a delicia de todos Agora está feliz, não se sente inferior e vai dar os frutos que todos esperam.
    Sabes, só tive duas vezes um anónimo que me ofendeu no Começar de Novo ; não tenho moderação de comentários e continuo sem a ter; deixei o comentário insultuoso publicado e no dia seguinte eliminei-o. Algum tempo depois apareceu um outro e fiz o mesmo e há muito, tv um ano que não aparece. Ignorar é o melhor já que eles querem ser anónimos,
    Na terra gostamos que as plantas nasçam e cresçam em liberdade, respeitando todas elas e deixando que cada uma ocupe o espaço que quiser, mas entendo que haja pessoas que queiram aproveitar cada pedacinho para cultivar aquilo que lhe faz falta na mesa. E aqui lembrei-me do quintal da minha mãe lá na aldeia onde nasci e onde vivi ate aos 24 anos; cada pedacinho era ocupado com legumes e verduras necessárias para a nossa mesa; nas beiradas do terreno, havia a erva necessaria para alimentar os coelhos, as ovelhas, etc; flores também as havia e muito cuidadas, mas nos canteiros junto da casa ou em vasos. Não fosse isso e a fome teria batido à nossa porta. Pena que hojeje eu veja nessa mesma aldeia, pessoas que perderam os empregos, estão com problemas e continuam com os belos jardins em frente das casas. Uma hortinha resolveria parte do problema. Amigo, desculpa a minha " dissertações" , mas com o teu belissimo texto, fizeste-me viajar até à minha aldeia e , com saudades rever o nosso belo quintal onde a variedade de verdes era um encanto para quem passava ; tinha muito orgulho nesse quintal, a minha mãe. Beijinhos e um bom fim de semana
    Emilia


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  30. Uma cerejeira que se deixou domar... adorei o texto!... e admirável a opção da arvorezinha... logo este ano... em que grande parte da produção de cerejas, ficou comprometida... devido às fortes chuvadas do mês de abril...
    A imagem está incrível!!!! Eu talvez só tivesse eliminado aquele pequenino tronco, em baixo à direita, que é um pouquinho distractivo... não deixando focar totalmente, a nossa atenção, nos troncos floridos!... De resto... lindíssima!
    Beijinho! Bom fim de semana!
    Ana

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  31. Passei para desejar um bom fim de semana e deixar um abraço
    Maria

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  32. Um texto de grande beleza. Isto acontece diariamente aqui em casa.
    Enxertos já fiz dois ou três, mas confesso-me inábil nessa arte que outros dominam com mestria.
    Uma laranjeira, foi o primeiro. Uma pereira foi a segunda. Está florida. Espero que nos deixe maravilhados com a pêra rosa.
    Este ano estou tentado a fazer mais enxertos de borbulha em
    pessegueiros.

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  33. E deste lado sente-se o aroma a rosmaninho e a orvalho destas manhãs primaveris, com a passarada a aplaudir...! Adoro passear por aqui e sentir toda esta harmonia que só uma alma fresca nos consegue dar. Obrigada e abraços AC.

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  34. Mas de enxertos não precisa a tua escrita, AC!
    Livra-te de o tentares!
    (Gosto tanto destes teus solilóquios!)
    Bjo :)

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  35. Até a natureza mais bravia se submete às mãos sábias do criador. E do acto cruzado hão-de surgir os mais belos frutos, porque sim. Porque é esse o milagre da (tua) natureza.
    Abraco.

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