sábado, 26 de novembro de 2016

OUSAR

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AC, Medronho
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A chuva, persistente, não se cansa de encharcar os caminhos, como que a semear a passagem para os mais persistentes. 
Para lá do abrigo, em permanente desafio, insinuam-se preciosidades, adequadas ao tempo, acenando, em discretos sinais, com o muito que existe para lá do convencional. E eu, humilde viajante da vida, sinto-me grato pelo que ouso, pela recompensa do que sinto.
Encharcam-se os caminhos, mas a vida, para quem ousa, continua a aquecer a alma.
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AC, Medronhos
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sábado, 19 de novembro de 2016

A PENA, APENAS...

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Há uma pena, para lá das penas, que recusa viver num mundo de pena.
Há uma pena, para lá das penas, que se agita, febril, enquanto, num grito surdo, dá vida a uma folha de papel.
Há uma pena que, apesar das penas, esbraceja, luta, grita, enquanto se desnuda.
Há uma pena, para lá das penas, que sente que vale a pena.
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Ontem, quarta-feira, a Luiza presenteou-me, a propósito deste texto, com o desenho que o encima. Gratíssimo, amiga! (24/11/2016)
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sábado, 12 de novembro de 2016

A LENTA VALSA DAS MEMÓRIAS

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Fotografia de AC
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Ontem, quando te reencontrei, após efusivo cumprimento, não resististe em apelar às memórias. Pensavas, essencialmente, nas tuas, como se o mundo girasse em torno da tua época de esplendor. Ouvi-te, atenciosamente, acompanhei-te na reconstrução de tempos áureos, mergulhei nos cenários em que tu, menina e moça, eras motivo de romaria. Encantavas, filtravas olhares, imaginavas tapeçarias forjadas pelos poemas que te sussurravam.
Ontem, quando me despedi de ti, houve algo que viajou para lá da tapeçaria desbotada. Sim, eu sei que tu dizes que sabes, mas às vezes esqueces-te: a vida, na sua essência, vai muito para lá do esplendor. A vida, no seu âmago, requer, acima de tudo, harmonia.
Amanhã, quando te reencontrar, gostava que esquecesses, por momentos, o receituário da tua subsistência, encalhado entre a terra e o céu, e me falasses, por entre sorrisos, das músicas de roda da tua meninice, em eterno canto de embalar. Se te enganares na melodia, recomeça. Vais ver que tudo acaba bem.
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sábado, 5 de novembro de 2016

ÀS VEZES

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Fotografia de AC
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Às vezes, quando ouso sair dos caminhos, sem roupagem catalogada, novos mapas parecem desenhar-se, como se houvesse outro mundo para lá da cortina.
A constância, porém, apesar de muito cortejada, não é menina casadoira. Há horas em que, por mais que se porfie, não se consegue despir o fato-macaco da existência. Mas quando a alma, insatisfeita nave-mãe, ilude as manchas de óleo, irisando-as, nada há que detenha novos olhares, novas arquitecturas, novas reconstruções.
Às vezes, quando ouso sair dos caminhos, a poesia parece tatuada na minha pele.
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