domingo, 15 de janeiro de 2017

A ETERNA TRAVESSIA

.
Fotografia de Júlia Tigeleiro
.
.
Nas noites frias, quando os elementos, em cerco ancestral, teimam em legar-nos sinais, confrontando-nos com os limites, há algo que nos habita que tende a simplificar, a abrir fissuras que conduzam ao mais profundo de nós. Mas há portais que, por maior que seja a vontade, apenas reagem ao calor dos afectos. 
Mesmo nas tardes quentes, quando a brisa parece apaziguar, em discreto afago, o esgrimir das pontas soltas, há sempre algo adormecido na sombra, em paciente espera, em conluio com o pousio. 
Por mais que se debata, por mais que se legisle, não há horas, não há dias. O tempo, velho conhecedor do desassossego, insinua-se fora das normas dos homens, escarnecendo deles, como que a recordar-lhes que, para entenderem a vida, muito terão que trilhar para lá da sua exígua zona de conforto.
A vida, para lá dos tratados convencionais, é um enorme rio em que qualquer um se poderá perder, ou encontrar, num qualquer sucedâneo de afluente.
.
.

30 comentários:

  1. Adorei a analogia... a vida é mesmo como um rio, no qual cada um fará a sua travessia...
    Como sempre, um texto notável... mais um... e por isso... não admira que eu tenha levado umas palavrinhas daqui, emprestadas, lá para o meu último post...
    Beijinho! Bom domingo!
    Ana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado, Ana.
      Ainda não fui visitá-la - ainda não consegui a fórmula para me libertar dum trabalho quase escravizante - mas prometo que, muito em breve, irei visitá-la.

      Um beijinho :)

      Eliminar
  2. Que essa travessia seja feita em águas calmas para que possamos desfrutar bem de todos os espaços sem perigo de afundar por pequenos descuidos. Boa semana!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A travessia da vida nunca é feita só de águas calmas, Anabela, embora todos as desejem.
      Obrigado pela visita!

      Eliminar
  3. Esperamos sempre que o rio nos proporcione uma travessia calma ou que nos leve na sua corrente para locais calmos e harmonisos.

    Imagem com uma cor muito invulgar. Bonita.
    Bjos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Uma coisa é o desejo, Catarina, outra é a diversificação do tempero da viagem. ;)

      Um beijinho :)

      Eliminar
  4. Mais um texto belíssimo. A vida será um rio, e quantas vezes perdemos o norte e ficamos à deriva.
    Um abraço e bom domingo.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A deriva é uma companheira de aprendizagens, Elvira. Percebendo-se as suas movimentações, e domado o pânico, muuitas correntes benéficas poderão sair dali.

      Um abraço

      Eliminar
  5. Olá, Ac, cheguei emocionado ao final do seu texto... o quanto há de se trilhar para que a travessia nos dê, afinal, a chegada esperada? Percebo hoje que a zona de conforto precisa servir como pouso em momentos pontuais, jamais como um estagnante objetivo de vida.
    Seu texto me fez pensar que é duro quando nos perdemos, mas às vezes essa é a única forma de se encontrar efetivamente.
    Abraços!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não vou adiantar mais nada, Bia. Gostei do que o seu comentário transmitiu e... ponto.

      Abraço

      Eliminar
  6. Há certas pontas soltas que poderão nunca se perder em afluente algum e outras nunca se chegam a encontrar nem que seja um enorme rio que desagua no mar. O rio da vida passa tão depressa e nem sempre estamos atentos. Boa noite AC

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois é, GM, a vida é um desafio à altura de cada um.

      Abraço

      Eliminar
  7. E as portas nunca param de serem descobertas, num constante perder-se, encontrar-se. As fotos da Júlia são demais, assim como suas prosas. Juntos maravilho-me! Beijos nos dois.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A vida é um eterno jogo de escondidas, Luiza.
      Obrigado pelas palavras amáveis.

      Beijo :)

      Eliminar
  8. Um texto de luxo conseguido num crescendo como se fosse rio, afinal a vida. Dum inicio literalmente em tom frio singelo até à foz final onde as águas correm apaziguadas. E até nem faltam as agitações dos declives pedregosos, as fissuras da erosão que afunda, aprofunda, nem o remanso das águas dormentes. Tudo se encontra e tudo é vida. "Vidas" que se sequenciam na correnteza do leito: o rio, a Vida.
    E o conduto das imagens a estimular os sentidos do leitor? "portais ... reagem ao calor dos afectos", "a brisa ...parece apaziguar, em discreto afago", "esgrimir as pontas soltas", "conluio com o poisio", "o tempo, velho conhecedor do desassossego"...
    Grande abraço.

    ResponderEliminar
  9. Um rio com águas por vezes muito agitadas.
    Aquele abraço, boa semana

    ResponderEliminar
  10. O rio da vida onde todas as emoções são possíveis. Dos afluentes vamos recebendo e distribuindo, vamos perdendo e ganhando. A vida é realmente um rio que corre dentro de nós. Obrigada por ter encontrado no meu olhar inspiração para tão belo texto.Um forte abraço.

    ResponderEliminar
  11. Para percorrer este rio, além de ser obrigatório sair da nossa zona de conforto , saber nadar é inprescindível .



    Um beijo AC ,
    Maria

    ResponderEliminar
  12. Mistérios que nos desassossegam! A vida se revela a cada instante nas entrelinhas de um suspirar!
    Tempo de brisas e poesias!
    Amei ler!
    Feliz semana!
    Beijo carinhoso!

    ResponderEliminar
  13. E descobrimos que todos os rios do mundo nascem por cima dos nossos olhos...
    Um texto maravilhoso!
    Uma boa semana.
    Beijos.

    ResponderEliminar
  14. Um belo texto ...na vida como num rio vagamos, às vezes por águas profundas, às vezes por águas mansas, entre seixos e cascatas, de madrugada ou a noitinha em solidão ou angústia, mas temos como
    única certeza que faremos parte do mar imenso onde todos os cursos
    se unirão.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  15. Textos como os teus, sobretudo este, carregado de beleza e poesia, não são para dissecar com análises feitas de floreados...são para ler com os olhos da alma, sentir-lhes o sabor e ficar degustando, lentamente, palavra a palavra...

    (Foi esta a conclusão a que cheguei, depois de muito aqui vir. :) )

    O tom, lilás, da foto, está um espanto.

    Um Beijinho, A.C. :)

    ResponderEliminar
  16. Sair a navegar, para lá da zona de conforto, não é para todos.
    Felizmente o poeta é corajoso.
    Abraço e votos de um ano inspirado
    Ruthia d'O Berço do Mundo

    ResponderEliminar
  17. Espetacular!
    Navegamos, pela escrita, em concordância :))
    Beijinho

    ResponderEliminar
  18. Gosto do teu bom gosto
    Gosto de analogias, alegorias, metáforas
    Tanto, que até as uso
    nem sempre ao nível do que aqui encontro
    mas, humildemente, te pergunto:
    Se a nascente é pouca e a chuva não abunda
    onde o rio com água
    e corrente
    que nos chegue?
    Onde?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu até te respondia, Rogério, mas quem assim questiona tem as suas próprias respostas, balizadoras de tudo quanto o rodeia. Ou não?

      Eliminar
  19. Todos vamos nessa travessia. Há uns quantos que julgam que não, mas vão e faço minhas as tuas palavras cheias de tudo:

    "como que a recordar-lhes que, para entenderem a vida, muito terão que trilhar para lá da sua exígua zona de conforto."
    Beijos

    ResponderEliminar
  20. Estamos sempre a fazer travessias..
    Gosto sempre de vir ler os teus "sinais".
    Bjo, AC

    ResponderEliminar
  21. aqui a vida é como um imenso rio onde todos precisamos de fazer a sua travessia, e muitas vezes (muitas) a zona de conforto é abandonada.
    um texto magnifico, como sempre!
    beijo
    :)

    ResponderEliminar
  22. E que possamos ter clareza em relação ao fluir das águas deste rio, representado pela vida. Que saibamos, com consciência, fazer as escolhas adequadas.

    ResponderEliminar