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Não sabiam bem por que o faziam, apenas sentiam que tinham que o fazer. Eram herdeiros de mil lutas, de iguais persistências, em prol de algo que vinha do mais profundo de si. Às tantas, perante tantas pedras no caminho, duvidavam, mas acabavam por prosseguir, deixando, em cada sítio, esboços de coisas diferentes, mapas de inquietudes, incompreensíveis para quem se habituara à segurança de cada coisa no seu lugar. E prosseguiam, prosseguiam sempre, indiferentes aos olhares, aos gestos. Sentiam, há muito, a bússola que os guiava, que os impelia, a estrela que, nos seus sonhos, lhes soprava a palavra liberdade.
Quando chegaram àquele vale, longe da agitação e da cobiça, sentiram que podiam ficar. Não havia colunas, nem torres, nem palácios, apenas algumas ruínas. Era um local simples, tranquilo, desprezado pelos outros, fora do corrupio habitual em que todos se querem ver, em que todos se sentem vivos porque os outros também lá estão. Talvez, ali, conseguissem momentos de pausa, mesmo que curtos, em que pudessem respirar, profundamente, tudo o que os norteava.
Jonas, que liderava o grupo, sabia que não os deixariam ficar ali muito tempo, mas não partilhou, com os outros, os seus receios. Era apenas uma pausa, mais uma, apesar de procederem como se o melhor fosse possível. Talvez fosse desta, pensavam eles. Mas Jonas, lá no fundo, sabia que estavam demasiado habituados a olhar para as estrelas, a tê-las por companhia.
Repararam o essencial das paredes, taparam fendas, deram sentido aos telhados. Escolheram os melhores locais para cultivar, semearam, limparam o terreno circundante. Nos tempos de repouso, em que todos se olhavam, havia sempre alguém que trauteava canções antigas, quem perscrutasse o futuro, quem dançasse, quem contasse histórias...
Começavam a habituar-se, coisa rara, mas um dia chegou um jipe com homens de uniforme. Receberam-nos com o melhor que tinham, tentaram conversar, mas os rostos dos visitantes, fechados, nunca destoaram da farda. Fizeram perguntas, pediram documentos, escrevinharam num livro. À despedida, impassíveis, deixaram a sentença: tinham que partir.
No dia seguinte, bem cedo, despediram-se do vale e empreenderam nova marcha. Um ou outro do grupo ainda olhou para trás, mas por pouco tempo. A herança era pesada, mas teimavam em procurar, sem saber bem onde, um local onde a palavra liberdade fizesse todo o sentido. E, embora em tom de lamento, cantavam, dentro de si nunca deixavam de cantar.
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Quando chegaram àquele vale, longe da agitação e da cobiça, sentiram que podiam ficar. Não havia colunas, nem torres, nem palácios, apenas algumas ruínas. Era um local simples, tranquilo, desprezado pelos outros, fora do corrupio habitual em que todos se querem ver, em que todos se sentem vivos porque os outros também lá estão. Talvez, ali, conseguissem momentos de pausa, mesmo que curtos, em que pudessem respirar, profundamente, tudo o que os norteava.
Jonas, que liderava o grupo, sabia que não os deixariam ficar ali muito tempo, mas não partilhou, com os outros, os seus receios. Era apenas uma pausa, mais uma, apesar de procederem como se o melhor fosse possível. Talvez fosse desta, pensavam eles. Mas Jonas, lá no fundo, sabia que estavam demasiado habituados a olhar para as estrelas, a tê-las por companhia.
Repararam o essencial das paredes, taparam fendas, deram sentido aos telhados. Escolheram os melhores locais para cultivar, semearam, limparam o terreno circundante. Nos tempos de repouso, em que todos se olhavam, havia sempre alguém que trauteava canções antigas, quem perscrutasse o futuro, quem dançasse, quem contasse histórias...
Começavam a habituar-se, coisa rara, mas um dia chegou um jipe com homens de uniforme. Receberam-nos com o melhor que tinham, tentaram conversar, mas os rostos dos visitantes, fechados, nunca destoaram da farda. Fizeram perguntas, pediram documentos, escrevinharam num livro. À despedida, impassíveis, deixaram a sentença: tinham que partir.
No dia seguinte, bem cedo, despediram-se do vale e empreenderam nova marcha. Um ou outro do grupo ainda olhou para trás, mas por pouco tempo. A herança era pesada, mas teimavam em procurar, sem saber bem onde, um local onde a palavra liberdade fizesse todo o sentido. E, embora em tom de lamento, cantavam, dentro de si nunca deixavam de cantar.
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Cantar, nessa procura, é para poucos (porque somente muito poucos conseguem).
ResponderEliminarTenha uma ótima semana!
Desde que nunca percam a esperança...
ResponderEliminarA eterna história da Humanidade...sempre seguindo o rumo da esperança de um mundo livre para viver sem ter que explicar ou justificar...
ResponderEliminarUm abraço
Já aqui estive, li o texto, mas não comentei porque, na altura, me sentia demasiado perturbada e por ser quase madrugada. Isto, para te dizer que não me parece que a pintura seja a mesma nem o título do post.
ResponderEliminarComo não alteraste o texto/conto, penso o mesmo que pensei quando o li pela primeira vez: fez-me lembrar das pessoas sem terra, sem chão, sem casa; nómadas, procurando terras férteis, para cultivar e criar aí as suas raízes. Quem sabe, até mais subtilmente, uma metáfora ao que se está a passar lá para os All Garves.
O que importa é que gostei e, apesar de enxotados, quem canta seus males espanta, nem que tenha de cantar para dentro, enquanto continua na senda da procura de um lugar a que possa chamar seu.
Um beijinho amigo, A.C.
(desculpa lá a minha divagação.)
Faz-me lembrar umas histórias que aconteceram por aqui perto de mim há uns anos. Praticamente toda a terra já é de alguém, já não há lugar para nómadas à procura de oportunidades..
ResponderEliminarBoa noite AC
Passei por aqui a noite passada, mas tal como a Janita também eu estava muito perturbada, a partida da nossa amiga é uma perda muito grande.
ResponderEliminarQue o lamento não faça perder a coragem de continuarem a marcha e que consigam encontrar o local para viver a liberdade.
Beijinho AC e uma boa semana.
AC , seu texto é belíssimo , como sempre .
ResponderEliminarDeixo-lhe palavras de nossa grande poeta Cecília Meireles :
" Liberdade , essa palavra que o sonho humano alimenta , não há ninguém que explique e ninguém que não entenda ."
Beijos e boa semana .
Circunstancialmente nómadas.
ResponderEliminarHá homens sem chão
a calcorrear sob as vergônteas
da vida, sem mar sequer
onde lavar o deserto nos pés.
E, no entanto, dos grandes espaços
onde mora a liberdade
senhores.
Num mundo tão grande de pequeno!
Gostei de ler, amigo AC.
Abraço
Gostei muito de ler.
ResponderEliminarAquele abraço, boa semana
Às vezes (às vezes!) duvido dessa possibilidade de recomeçar uma e outra vez...
ResponderEliminarTem dias!
A busca da liberdade. Que bom quando não se desiste dela. Como dizia Miguel Torga: "liberdade que estás em mim, santificado seja o vosso nome". Gostei muito deste texto.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
A esperança é sempre feita de liberdade – essa confiança que transcende o aqui e o agora.
ResponderEliminarMuito inspirador este seu texto, AC.
Um beijinho e uma boa semana :)
O paraíso perdido...
ResponderEliminarE cantam porque mais nada têem
Senão a esperança no olhar
De encontrar um qualquer paraíso
Que nunca será o seu lugar.
(Já não se fabrica terra e a que há foi tomada)
Um belo texto, amigo AC, que nos leva ao início dos tempos e à História dos Povos.
Um abraço.
Temos um sentido de posse que arrepia e coarta a liberdade dos outros.
ResponderEliminarA este texto subjaz um elevado sentimento de humanidade.
Beijinho, AC
Um texto muito bom. Que eu gostaria de saber comentar como merece.
ResponderEliminarUm abraço
Nas tuas (sempre) certeiras palavras, a incerteza (e outros desmandos) a prosseguir o sonho.
ResponderEliminarBjo, AC :)
Um conto lindo, são esses construtores de lendas
ResponderEliminarque imprimem a beleza libertária, que se deposita
nos olhos de um poeta, que transfere às
palavras este caminho...
Beijo.
Acho que a nossa caminhada assenta nesse princípio:
ResponderEliminarProsseguir. Só assim encerramos novos rumos
Kis :=}
Construtores de lendas que parecem ter entendido um pouco as regras do jogo para alterá-las e criar histórias a parte do mundo, mas que não deixam de serem interativos, rs. Sempre a procura da liberdade, sempre a cortar algumas cordas desapercebidas da marionete. Um beijo AC!
ResponderEliminarComo é triste quando a liberdade não existe.
ResponderEliminarExcelente texto
Um abraço Maria
Oxalá nunca deixem de cantar e caminhar em busca desta jóia rara .
ResponderEliminarMas não são apenas os homens de farda que nos roubam esta vontade de ser livres . Há , quem com o rosto aparentemente mais sereno nos tente imobilizar .
Sermos nós está a ficar cada vez mais caro .
Temos que afinar a voz e cantar cada vez mais alto .
O texto , como sempre , belíssimo .
Um beijo AC ,
Maria
Belo e tocante texto!... Até porque evoca os fluxos migratórios, ou etnias... que buscam essa liberdade...
ResponderEliminarMas pergunto-me quantos de nós, se sentirão verdadeiramente livres?...
Há sempre alguém com um qualquer uniforme... que numa qualquer circunstância, nos limita os horizontes...
Um belíssimo trabalho, e de uma enorme abrangência!...
No lime, um dia... também esgotaremos os recursos deste mundo... e teremos de partir... ainda não sei para onde...
Beijinho! Bom domingo!
Ana
Sabes AC que me identifiquei nas tuas palavras? Só quem passa por elas é que poderá dar valor ao sentir da partida quase diria eu, obrigatória e meu amigo...pois acredites ou não nunca por nunca...deixei o que dizes nesta frase..."dentro de si nunca deixavam de cantar".
ResponderEliminarNão gostei desta pintura de Sergei Aparin que ao olhar bem para ela leva-me a um único lugar: nenhures:)))) (desculpa)
Beijocas
Muito bonito!
ResponderEliminarEsperança e fé aliadas no sonho da liberdade.
Uma metáfora também para cada um de nós, errantes nesta vida, numa escalada de ascenção à felicidade.
Beijinhos
cantar, uma boa maneira de espantar saudade, e criar esperança.
ResponderEliminarum texto que me comoveu do principio ao fim
:(