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Foto (por trás da vidraça) de AC
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Era domingo, dia de pausa, com "o pequeno paraíso" a servir de ponto de encontro entre pessoas que se querem bem. Desta vez, como se tal fosse necessário, o pretexto era uma sardinhada acompanhada com todos os matadores: pimentos assados, batata nova cozida com casca, salada de tomate e salada de alface. Para bebericar, em opção quase unânime, optou-se por um bom vinho do Douro.
Depois do repasto, como seria de esperar, a conversa ficou animada. De repente...
Nas telhas ouve-se um barulho assustador, colocando as conversas em suspenso. Vinda do nada, e numa cadência avassaladora, a tempestade irrompe como dona e senhora de tudo o que abrange, disparando, como dardos, mortíferas pedras de granizo que devastam tudo o que tocam.
Olho, impotente, através da vidraça. A horta, qual inocente vítima apanhada em local errado, é vergastada sem dó nem piedade. E eu, cuidador e guardião de cada uma daquelas plantas, sinto, até às entranhas, o sentido da palavra impotência. E dói...
Passada a tempestade - no dia seguinte ainda havia gelo no terreno - uma rápida surtida para comprovar o que se temia: exceptuando as cebolas, as cenouras e o alho francês, por razões óbvias, a horta praticamente desaparecera. E isto para não falar da fruta, quase toda no chão, com a sobrevivente a apresentar lacerações irreparáveis.
Os dias que se seguiram foram de comiseração, dum quase abandono da empreitada. Repararam-se alguns canteiros, tentaram-se tratar algumas feridas do pouco que restara, enquanto se lamentava o mau desígnio dos deuses. Mas a Natureza é assim. Dá e tira, reagindo a maus tratos, indiferente a especulações de seres ínfimos e substituíveis.
Mas havia que reagir. O ser humano é o que é, imperfeito na sua elaboração, com laivos de ostentação, mas há coisas que, nestas alturas, vindas não se sabe de onde, assomam à tona d'água: a abnegação, a resiliência, a eterna vontade de recomeçar.
Nos últimos dias a horta voltou a ser repovoada de tomateiros, couves, alfaces e ervas aromáticas. Apenas. De fora ficaram os melões, o feijão, os pepinos, os pimentos, as abóboras e as curgetes. Não é a mesma coisa, que cada história deixa a sua marca, mas é um recomeço. E eu, lentamente, começo outra vez a abraçar aquelas plantas, eterno elo de ligação com os humores, por vezes incompreensíveis, da Natureza.
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