sábado, 23 de julho de 2022

JOGO DAS ESCONDIDAS - 1

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Margarida Cepêda, Procurando o princípio
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Ela foi ali e não disse, mas quis. A sua mãe, depois de dissertar acerca dos mil e um perigos da vida, deu-lhe um beijo e aconchegou-lhe o lençol.
Ela foi mais além e não disse, mas quis. A sua mãe, em silêncio, nada lhe disse, mas aconchegou-lhe o lençol de forma diferente.
Ela foi para muito longe e, olhando para trás, quase que não queria, mas foi. A sua mãe, qual ocaso da vida, limitou-se a acenar. 
A sua mãe partiu, mas não queria. E ela, sem certezas na vida, passou a mão pelo lençol que ela lhe tinha colocado na mochila. E, talvez tarde de mais, deixou que as barreiras do dique se soltassem e chorou, abundantemente, irrigando o caminho que ela, qual mortal errante, continuava a não descortinar. Mas, rompendo as margens, qual herança de pedra sem musgo, ousou continuar.
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domingo, 17 de julho de 2022

RENASCER

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Elvira Carvalho é uma blogueira muito conhecida, que espalha gentileza, boas maneiras e, contrariando as várias maleitas que a têm afectado, uma vontade enorme de viver. 
Há dias fez-me chegar às mãos o seu terceiro livro, Renascer de seu nome, em edição bilingue, pois nuestros hermanos estão mesmo aqui ao lado, e fazia-me um pedido: que lhe transmitisse a minha opinião. Pois bem, ela aqui fica.
A Elvira tem um forma muito peculiar de escrever. As vírgulas, por vezes, gostam de jogar às escondidas, trocando de lugar com um sorriso, mas quem a lê entra no jogo facilmente, tal a torrente de situações que lhe brotam da pele. E é ver, e sentir, a cruzada dos seus protagonistas, enfrentando o mau humor do destino com muita resiliência, sempre na boa fé de que a verdade é como o azeite.
Neste romance a autora descreve as emoções de Carlos, refém dum conceito de honra que ele cultiva como poucos, após um ferimento na guerra colonial que lhe subtraiu a memória. O enredo desenrola-se como se de um filme se tratasse, com vários locais de "filmagem" - Angola, Lisboa e Peso da Régua - a dar cor e substância à obra, recheada de incertezas, com a emoção e as incertezas do amor sempre presentes.
Renascer, tal como todas as obras da Elvira, lê-se num ápice e de forma muito agradável. No final, no meio de um suspiro, fica a sensação, que transpira das palavras, de que a autora, já tendo passado por muito, tem uma vontade enorme de participar no equilíbrio colectivo, devidamente alicerçada num mundo mais justo, com valores não hipotecáveis.
Parabéns, Elvira!
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