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O enorme vale, sulcado por duas ribeiras que se procuravam, em suave confronto, na extremidade, estava cercado de serranias. Quem quisesse horizontes, por ali, tinha que trepar as encostas, pejadas de pinheiros, com um ou outro carvalho, aqui e ali um castanheiro, a irromperem ao de leve a monotonia do verde carregado. Mas não queriam. Viviam ali por opção, tomada há muito, selada geração após geração.
No vale coabitavam algumas centenas de pessoas. Dizia-se que eram descendentes de todas as raças da terra, mas apenas o encanto da lenda o atestava. Rezava ela que, noutros tempos, representantes de todos os povos se tinham juntado para iniciar uma nova era, e aquele tinha sido o sítio escolhido. Viviam da terra, artesanavam e filosofavam, assim foram forjando o seu caminhar. O andamento do mundo, aparentemente, ultrapassara-os, mas a harmonia alcançada fortalecia-lhes a convicção. E prosseguiam.
As crianças eram instruídas na sua crença, mas ao chegar a maioridade era-lhes dada a oportunidade de a renegar. Atingidos os dezoito anos, numa espécie de rito iniciático, rapazes e raparigas saíam do vale para enfrentar o mundo dos outros. O regresso, se houvesse vontade disso, só era permitido ao fim de dois invernos, tempo mínimo considerado suficiente para se porem à prova. Mas muitos demoravam quatro, seis, dez anos, havia mesmo quem nunca regressasse. Era preciso cimentar a convicção para o fazer, e nem todos atingiam essa maturação. Deixavam-se cativar pelos aromas doutros lugares, pelos seus labirintos, mas o legado que transportavam era tão forte que, aqui e ali, iam deixando sementes, por mínimas que fossem.
Os que regressavam traziam palavras novas, diferentes olhares, a discussão era encorajada e cultivada. Com um ou outro ajuste, a harmonia acabava por se impor.
Dizia-se que eram descendentes de todas as raças da terra. E eles acreditavam.
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