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AC, Nêspera
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Já todos sabem, é um facto, de tanto o apregoar. Adoro viver aqui, entre serras, sentindo, a cada dia que nasce, o aconchego da graciosa Gardunha e da imponente Estrela. Mas nem tudo são rosas. Numa zona onde a amplitude térmica é considerável, com estios a ostentar, como se fossem chaleiras em constante laboração, temperaturas de 40º, e invernias a pedir agasalho que combatam, da melhor forma, leituras do termómetro que rondam, frequentemente, os 0º, as árvores vindas doutras latitudes têm a vida difícil nas estações extremas. Mais sorte têm as pessoas com a mesma procedência, que beneficiam dum enorme calor, sim, mas humano, mas aí a música já é outra.
Há por aqui, neste espaço que me enfeita os dias, duas nespereiras que, todos os anos, dependem dum inverno suave para glorificarem a vida com os seus frutos. Mas a geada, senhoras e senhores, a geada...! E as flores da nobre árvore, que nascem em contramão, quando o sol mais se esquiva, todos os anos são confrontadas com a inclemência dum inimigo aparentemente hostil, quase cruel, que tudo faz para que os seus delicados frutos se vergam à sua lei e não vejam a luz do dia.
Com honrosas excepções, devidamente apreciadas - há dois anos, com um Inverno suave, as nespereiras estavam repletas, e foi "um fartar, vilanagem" - este ano foi mais do mesmo, com uma única nêspera a conseguir vencer a adversidade. E ela para ali está, quase amadurecida, contemplada e admirada quanto baste, pela sua resiliência e, porque não, pela sua delicada beleza, mas, para ser deglutida, meta final do seu percurso, há que esquecer a pompa e circunstância de tão notável desiderato, não vá ela, como admiravelmente disse Mário Viegas, servindo-se das palavras de Mário-Henrique Leiria, despertar a cobiça da Velha. :)
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Por mim, fica desde já a promessa de que, em acto solene, lhe farei as devidas honras, como convém a tão digna sobrevivente, deglutindo-a va-ga-ro-sa-men-te, com música a condizer, tentando rebuscar o tempo que nem o tempo sabe que tem. Ela merece.
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