sábado, 24 de setembro de 2011

JANELAS DO TEU RESPIRAR

.Margarida Cepêda, A criação de Eva
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Há linguagens que vão para lá da agitação do vale, que requerem o recato das plantas raras. É assim, como se folheasse pela primeira vez o livro dos segredos, que ouso descodificar o teu respirar, que tento perceber a mais leve alteração na sua cadência.
Dizes-me que todo o equilíbrio é tecido em ténue fio, que é ínfima a distância entre o riso e o choro. E, de olhos nos olhos, ofereces-me uma flor.
O meu desassossego aquieta-se, anulam-se as mil formas de subir e descer montanhas. Talvez seja por isso que, por momentos, a tua respiração se cale, abrindo janelas à ternura partilhada.
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sábado, 17 de setembro de 2011

ESBOÇO

.Hélio Cunha, Hécate
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Das aves aprendi serem sabedoras do seu percurso, lúcidas viajantes avessas ao brilho do néon. Delas também sei das pausas, dos raros momentos em que deixam rasto das ilhas que sobrevoam. Foi assim, num fim de tarde, que me chegaram novas da almoeda das tuas lágrimas, cansadas que estavam de corcéis sem rumo e alheios à linguagem do vento e das marés.
Partiram as aves, ficou o esboço da tua escultura. Mas ainda sem vida, sem o sal das tuas lágrimas.
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sábado, 10 de setembro de 2011

CLAREIRAS

.Hélio Cunha, Em direcção à claridade
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Ontem falaste-me de luzes, de pequenas manifestações avessas ao comum dos dias. Os teus olhos acentuavam o brilho à medida que falavas em clareiras naturais, portais de entrada em realidades que se acentuam à medida da rejeição do olhar descrito nos manuais.
Tentei seguir-te, pois sei que há muito enveredaste por trilhos já empoeirados na memória dos outros, mas que em ti têm cada vez mais a alvura do linho e a limpidez das águas. Optaste pela solidão em detrimento da cegueira, mas uma solidão selectiva, tecida em cumplicidades raras.
Ontem falaste-me de luzes e eu acreditei. Sem te dares conta, há um discreto brilho que emana da simplicidade dos teus gestos.
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sábado, 3 de setembro de 2011

TRÉGUA

.Imagem tirada da net
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Durante a noite a chuva tocou acordes sem rédeas, impelindo a manhã a abrigar sinfonias urdidas na química da terra.
Sentes o apelo e não resistes. Imbuída em tão único momento, abres as janelas e deixas que a inquietude se evapore, a pouco e pouco, na barrela de cheiros e aromas. É uma simples trégua, tu sabes, talvez por isso a sintas com tanta intensidade.
Deliciada com o manjar inesperado, desta vez a cotovia não cantou...

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