quarta-feira, 15 de maio de 2024

ACERCA DAS SEMENTES

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AC
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Resplandecem luzes naturais que emanam duma química superior, mas abrangente, pejadas de mistérios, à mercê de mil e uma histórias de encantar, qual desafio à descoberta do segredo. 
Durante o dia, com o afluxo das plantas, eternamente desejosas de irromper, o verde novo tende a amadurecer, deixando resquícios de aromas de efémeras flores, ébrias de satisfação pelo contributo para mais uma passagem de testemunho. É quanto lhes basta. A vida perpetua-se, isso é certo, por entre tantas dúvidas, com a participação de uma infinidade de actores, todos eles ligados à corrente, em equilíbrio permanente, apesar da desfaçatez dos aprendizes de feiticeiro. Até ver.
Ontem, ao princípio da noite, tocaram à campainha. Eram uns amigos de longa data, sorridentes, que traziam consigo, como prenda, várias espécies de sementes, talvez não se dando conta de que, eles próprios, eram semente preciosa. Como só os amigos podem ser.
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terça-feira, 7 de maio de 2024

PLANTAR A ESPERANÇA

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AC, Estrelícia encabeçando manifestação de rosas de Santa Teresinha
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Apesar do frio dos últimos dias, a confirmar o instável humor do clima, as papoilas teimam em chegar-se à frente, renitentes em dar espaço a imprevisíveis formas de estar. E florescem, engalanando os campos, fazendo jus em acompanhar a sinfonia da passarada. Mas é leve a resistência, pois há algo de mais persistente. E não há resiliência que perdure a tanta adversidade, com as pétalas a render-se, uma a uma, aparentemente conformadas com o seu efémero destino.
Indiferente a tanta inclemência, já maturada pelo tempo, a estrelícia do canteiro fronteiro à casa tende em manter-se viva, quase jocosa da vulgaridade, irrompendo perante um batalhão de rosas de Santa Teresinha como se da mais natural circunstância se tratasse. E há que fazer reverência a tanta persistência, mais a mais acompanhada de uma beleza ímpar. Rendo-me à evidência, dou graças por tamanho privilégio.
Entretanto, num recanto já anteriormente preparado, insiro na terra mais três dúzias de tomateiros. A tarefa é libertadora para a alma, apesar das costas começam a desenhar uma espécie de queixume. Nada que arrefeça o ânimo para o baptismo de uma dúzia de curgetes, sedentas de mergulhar na vida, com a terra a acariciar o pouso duma nova espécie. Com o devido carinho, com a água a ter um papel primordial, vão dar-se bem, com toda a certeza.
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O conceito de tempo, por aqui, não se baseia em conceitos clássicos. Fruem-se as tarefas, mergulha-se a atenção no desfolhar duma nova flor, aprecia-se o chilrear dos pintassilgos, as surtidas esquivas dos melros... Relógio só o da luz e da sombra ou, quiçá, o do corpo a pedir repouso. A este, correspondendo ao mais elementar bom senso, faço sempre a vontade.
Para amanhã prevê-se sol, finalmente. Talvez as andorinhas apareçam para adornar este Maio de mil cores, qual Primavera de eterna esperança.
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domingo, 21 de abril de 2024

OBSOLETA CRONIQUETA

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Foto de AC
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A enxada, extremidade natural dos braços, com razão e com tempo, começou a rasgar a terra com a atenção que ela merecia. 
As ervas eram um obstáculo, mas apenas pela sua delicadeza, pois cada pormenor evidenciado - a forma das folhas, a flor que se desenhava... - era constante empecilho para um cavador demasiado sensível àquilo que o rodeava. Mas, por entre tratados inaudíveis para o exterior, que apenas diziam respeito ao portador da enxada e às espécies invadidas, lá se foi criando um compromisso apaziguador de consciências. E a terra foi-se preparando, com algum trauteio, de modo a receber algumas novas espécies.
O desafio, desta vez, era aconchegar as alfaces ao calor confraternizante dum canteiro semi-selvagem, onde algumas espécies cultivadas convivessem com rosmaninhos, muito senhores dos seus domínios, em perfeita harmonia. E, sempre com outras ervas de permeio, tentou-se que as alfaces se integrassem na irmandade, qual retrato duma talvez efémera tentativa de remediar os males do mundo. Utopia na sua mais pura essência, é bom de ver, com a vantagem de se poder usufruir de cores e odores. Até porque a música de fundo estava mais que garantida, pois a passarada, por aqui, é dona por inteiro do lugar.
O Miguel, a três meses de fazer quatro anos, às vezes irrompe por aqui, sedento de conhecimentos e brincadeiras, sempre com um olhar atento por perto. Já dá atenção aos pássaros, começa a tratar as flores e as borboletas por tu, numa forma muito própria, mas com as abelhas ainda existe uma distância prudente. Tem tempo.
Perante tal cenário, e longe de Instagrams, Facebooks e outros que tais, por opção, digam-me lá uma coisa, que ninguém nos ouve: estarei fora de moda? Perdoem-me, desde já, o meu irónico sorriso. :)
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domingo, 31 de março de 2024

VERDADE

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Nasceste em humilde palha
Extraordinária lição
Acto sublime
Revolucionário
De total contestação
Em que tudo pode mudar
Com um simples dar a mão.
Desfizeste teorias
Emaranhados
Teias de eruditos
Entendidos
Fazedores de opinião
Incapazes de abafar
Em confronto directo
O perfume
Da tua ilação.
Em grupos circunscritos
Anteciparam Maquiavel
E em tenebroso papel
Pegaram na Palavra
Podaram o essencial
Colaram o acessório
E cavalgaram a onda
Em apoteose total.
E eis como a verdade
Manipulada sem piedade
Ficou do interesse geral.
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Escrito em 2009. Reedição
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