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O dia está sorridente, com o sol, maroto, piscando o olho à minha pré-reforma, como que a dizer-me que está tudo bem, tudo irá continuar bem. É um mentiroso, mas sorrio para o presságio, tal como se uma cigana de feira me lesse a sina. E aconchego-me aos seus raios, com chapéu a prevenir, não vá o diabo tecê-las.
Lá fora já não se dá pela presença de muita passarada, entretanto emigrada. Os pardais, contudo, inquilinos de tudo o que é habitável, continuam a palrar, a debicar, a chapinhar numa ou outra poça de água de ocasião.
As moscas tendem a esvair-se, hurrah!, as formigas começam a aninhar-se, mas as borboletas, persistentes, continuam num contínuo esvoaçar, obedecendo à melodia da luz do dia, num eterno bailado em busca do melhor local para depositarem os seus ovos. O mundo, no que lhes diz respeito, jamais findará.
Os gatos, na ausência do cão, voltaram a instalar-se no terreno, quais donos e senhores dum território que lhes é prazenteiro. E, para dar crédito às minhas palavras, uma gata prenhe, que pelo volume do ventre deve estar prestes a fazer jus à harmonia da criação, pavoneia-se, lentamente, na calçada que circunda a casa, como se tudo estivesse no seu lugar.
Renuncio, por momentos, à minha postura de observador, tento reconciliar-me com a prática do afã do bípede supostamente inteligente. Munido duma enxada que, segundo Jorge Luís Borges, é um instrumento que prolonga o braço do ser humano, acabo de tirar da terra o último quinhão de batata-doce. Lavo-a, ponho-a ao sol para secar, mais tarde irá para a despensa. A maioria, está mais que decidido, para assar no forno.
Olho para o céu. Ainda é cedo para as aves de rapina, mas uma ou outra já cavalga o céu, à espreita da sua oportunidade. Devem estar inquietas com o preguiçar duma ou outra cria, que tarda na emancipação. E eu, perante a grandiosidade daquilo que me rodeia, renegando a condição de mais sofisticado predador, retiro-me, humildemente, para o meu abrigo.
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