.
Hélio Cunha, O anjo e a musa diante das ruínas da Europa
.
.
.
- Gosto do teu jeito de sorrir, gosto do teu jeito de
amainar tempestades. Mas, haja o que houver, o horizonte é sempre horizonte, o
seu apelo será sempre irresistível. E ainda bem. É dessa massa que somos
feitos, é essa capacidade de olhar que nos fará, sempre, ultrapassar qualquer
tormenta.
- E o crescer das plantas? E o aroma das flores? Não gostas
dessa harmonia?
- Claro, mas, se fosse apenas isso, ela esgotava-se em si
mesma. A lição da harmonia surge a cada canto, mas o que a determina tem longos
braços. Tão longos, tão susceptíveis, que a sua amplitude continua por
determinar.
- Mas há muitos exemplos de gente que conseguiu alcançar a
harmonia…
- As tuas palavras estão certas. Há muitos exemplos de
harmonia, é verdade, mas todos eles são individuais. Eu falo de uma outra
ideia, a harmonia colectiva.
- Espera lá! Mas não é o somatório das atitudes individuais
que faz o colectivo?
- Essa é uma velha questão, para a qual não tenho resposta. Sinto apenas que as flores têm que ter o aroma das flores,
as águias precisam de voar alto, as marés não se fazem por decreto. Mas só
consegue ser sensível a isso quem não sentir a falta duma tigela de arroz.
- Creio que te entendo. Gostarias que, em tempo de trevas,
houvesse a perspectiva duma qualquer luz. Mas para todos.
- Esse teu navegar alegra-me, pois estamos todos no mesmo
barco. Difícil é que, apesar das naturais diferenças, todos o façam na mesma direcção.
- Difícil tarefa, essa!
- Tremenda, pois ninguém quer prescindir da sua forma de respirar, ainda por cima quando todos os ventos parecem
soprar em direcção contrária. Mas o teu sorriso faz milagres, sabias? Anda cá. Hoje é hoje, amanhã será um novo dia.
.
.
.