segunda-feira, 29 de julho de 2013

VEREDAS DE PALAVRAS PARA LÁ DA CORTINA

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Margarida Cepêda, Leva a luz e arrasta a sombra
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As palavras, como se tivessem vontade própria, por vezes recusam a realidade desenhada, insinuando-se como anunciadoras da nudez da tela.
As pinceladas insistem, tentando alimentar a chama duma pretensa dignidade, mas os vocábulos transfiguram-se em sons de origem indefinida, convite para portais de outra dimensão.
As palavras, por vezes, não são dócil instrumento, são passaporte para as lacunas que nos tingem a alma.
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domingo, 21 de julho de 2013

ACERCA DAS PORTAS ENTREABERTAS

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Margarida Cepêda, Acima do mar das nuvens
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Para a Gisela Ramos Rosa
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Os sonhos insinuam-se, mas não sabes como cuidá-los. Ficaste refém duma ideia que te foi vendida, ficaste refém da tua fraqueza.
O teu corpo, conduzido por mil e uma variáveis, das quais continuas a desconhecer a origem, reclama constantemente. Chegou a hora de abrires as portas àquilo que mais receias, de te deixares conduzir pelo fogo que te agita.
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domingo, 14 de julho de 2013

QUASE DIÁLOGO EM FIM DE TARDE

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Hélio Cunha, Vestígios de um mar inexistente
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- A nossa memória é tão curta, Pedro.
Silêncio de anuimento. Ela vira-se, olha-o nos olhos e prossegue.
- Há momentos em que o horizonte tudo promete, tudo parece alimentar, a vida quase faz lembrar um repasto de oportunidades. Mas há outros em que tudo se desvanece, tudo parece virar pó. Para quê, então, tanta ansiedade, tanto desejo de fulgor? Por onde paira o equilíbrio?
Nova pausa, desta vez mais prolongada. Há coisas que requerem o seu tempo, a sua interiorização é luta constante.
- O lado brilhante da vida depressa se esconde, por cada actor em cena há mil em lista de espera nos preâmbulos do guião.
De novo a pausa. Queria-lhe dizer que, para algumas pessoas, a questão não era viver, tudo se resumia a sobreviver. Mas nada lhe disse. As referências são sempre importantes, sem elas a dignidade pouco ou nada respira.
- Sabes, a simplicidade parece ser o caminho certo. Contudo, contrariando o seu significado, alcançá-la dá muito que penar. É tão delicada, essa marota...!
O sol, ao longe, vai-se escondendo. As inquietações, bipolares, preparam-se para o rastilho que irá incendiar a noite.
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domingo, 7 de julho de 2013

O CALOR DAS MÃOS

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Miguel Ângelo, Criação do Homem
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Desligam-se as amarras do convencional, passo irreversível para o vislumbre da arquitectura do entendimento.
O confronto com a nudez, em paisagens pouco definidas, resgata o choro umbilical. O olhar vai-se fixando em minúsculas crateras, pequenos vales, grutas dispersas, instantâneos orientados em convergência disforme. A visão começa a construir referências, integrando os ventos num campo cada vez mais nítido. A pouco e pouco insinua-se a textura do barro, o choro mistura-se com o riso. Aumenta a dimensão do olhar. A percepção do barro amaina o vento, mas não faz desaparecer a inquietude. São tantas as estrelas perante um pedaço de argila...!
É então que se sente o desabrochar da flor, rompendo a ténue fronteira da solidão. As estrelas continuam longe, mas há um calor novo que renova o sentido das coisas. O calor das tuas mãos.
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