sábado, 14 de julho de 2018

A DANÇA

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Vsevolod Shvayba
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Carregavam memórias ancestrais, guardadas em mil subterfúgios, como se da mais preciosa carga se tratasse. Sabiam o que a maior parte dos mortais não sabia, sobrevoavam as suas vidas, observavam as suas angústias, mas pouco ou nada lhes era permitido, a não ser deixar pequenos sinais: uma flor no sítio mais inusitado, uma moeda depositada numa gaveta, um raio de sol a ultrapassar o filtro das árvores... E seguiam, seguiam sempre, qual missão sem fim à vista, eterna tarefa em prol da harmonia.
Às vezes, cansadas do seu pedestal, eram tentadas a deter-se num qualquer pormenor do que observavam. E, qual porto de abrigo feito devaneio, assumiam as vestes  dum mero humano, como se as emoções fossem a maçã da tentação. Era só por momentos, pensavam. E, normalmente, era. Mas quando, por descuido, deixavam que as emoções lhes abraçassem o corpo e a alma, nada mais era como dantes. Talvez fosse por isso que, em pleno milheiral, quando o estio já findava, a tarde ficasse incendiada com uma luz que até tu própria desconhecias.
Partiste, tinhas que partir, na altura não sabia. Mas quando, nos longos finais de verão, as cotovias se elevam, nos céus, em busca da última luz, eu sei que a tua alma nunca chegou a partir.
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 Vsevolod Shvayba, A dance
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