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AC
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Não gostava da ventania. Fazia-lhe lembrar tempos de intolerância em que nada estava seguro no seu lugar, como se cada confidência fosse presságio dos piores desígnios. Mas quando o vento amainava, entoando, em modo suave, uma discreta sinfonia nas copas das árvores, sentia vontade de ter asas. Era então que se deixava transportar, planando, escolhendo as melhores correntes, viajando quase sem bússola, até sentir a alma cheia.
Um dia sentiu vontade real de sair do seu nicho, acicatado na vontade de percorrer novas latitudes, sobrevoar oceanos, conhecer novas gentes, degustar novos sabores. E, por entre a necessidade de registos, testes e vacinas, sentiu que, para continuar com âncora, tinha que se deixar envolver numa vasta teia. Foi então que, vencidos medos e preconceitos, se tornou fácil depurar a falácia do sorriso artificial, começando a abraçar a vida de forma espontânea, fomentando teias de cumplicidade, fosse onde fosse. No fundo, se pretendia abraçar a harmonia das coisas, estava cada vez mais convicto de que, para se ser, passava por aí o verdadeiro poder.
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