sábado, 28 de abril de 2012

VOO EM BUSCA DE POISO

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Ontem falaste-me de desconcertos, da impossibilidade de abraçar o que se adivinha, mas não se entende. E que isso pode dar origem aos medos.
Disse-te que os medos fazem parte do nosso percurso, que sem ousar afrontar o seu desafio nunca passaremos de seres acossados, privados de liberdade, mas nem me ouvias, estavas demasiado ocupada em forjar um cenário que desse cor aos teus receios.
Não insisti, as convicções carecem de tempo para fermentar. Mas continuaste a falar de tal forma que tudo parecia resumir-se às tuas palavras.
Tens muita energia, admiti, e admirei a força que emanava da tua caixa negra, uma espécie de convicção a debater-se em busca da casa certa.
Não te digo mais palavras, pois tu não aceitas dessa forma, mas sinto que essa determinação vai levar-te ao encontro da verdadeira dimensão do teu voo. Só espero que, quando passares por mim, entendas a linguagem dos meus olhos. Nessa altura a cumplicidade poderá acontecer.
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sábado, 21 de abril de 2012

O LAVRAR DO POETA

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No lavrar do poeta a noite é infinita, o sono é caldo de infusões metafóricas.
No lavrar do poeta a palavra - canto, choro, partilha - alimenta-se dos devaneios do sol.
No lavrar do poeta não há nome, não há forma, não há tamanho. As palavras adquirem a tonalidade dos elementos, pulsam quando captam um veio com memórias do tempo inicial. E tudo se reinventa.
No lavrar do poeta as nuvens podem ter todas as formas, mas há sempre uma a sugerir o sussurro dos teus lábios.
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domingo, 15 de abril de 2012

DÈJÁ VU

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Hélio Cunha, Estranha Melodia
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a terra é mãe a terra é linda a terra é abundante a terra tem gente a terra tem muita gente toda a gente quer o melhor a terra não tem comida para todos uns tudo podem outros tudo sabem do nada a terra estrebucha a terra grita toda a gente grita uns riem outros choram isto vai rebentar onde estás sai da frente estou aqui espera por mim não vás adeus espeeeeeraaaaaaaa
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(Porque será que, apesar de tudo, um novo despertar implica sempre o vislumbre duma flor?)
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segunda-feira, 9 de abril de 2012

INTERROGAÇÕES EM NOITE DE LUA CHEIA

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Tela de Margarida Cepêda
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Dúvidas, inquietações, receios. Para quê tentar construir pontes? Para quê escrever? A resposta é dúbia, pouco clara, mas há sempre algo a impelir a gravidade da ampulheta. Talvez seja a desejável incapacidade de abraçar uma verdade feita, talvez seja a necessidade de dizer que tudo estará sempre por dizer. Será um gesto? Um despoletar de palavras? Por mais que diga nunca será o suficiente, o ritmo das coisas exige  que não haja paragens. Então, será o quê? O canto dos pássaros?  A sinfonia do ciclo lunar? A força das marés? Desses nós temos algumas certezas, só não sabemos da inconstância dos homens. E eles, mais que ninguém, obrigam-nos a exercícios do tudo ou nada.
Quando tudo parece à deriva, eis a dependência dum gesto arrebatador, a procura dum sinal de esperança. Quem resiste a este eterno faz de conta?
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