.
Margarida Cepêda, Procurando o princípio
.
.
O ser humano, dito de forma básica, sempre foi assim: quanto menos sabe mais pensa que sabe, abrindo a porta à arrogância e às maiores atrocidades; quando, após a resolução de alguns problemas, mais pensa que sabe, sentindo-se preparado para qualquer empreitada, basta o dobrar de algumas curvas para vislumbrar que, afinal, pouco ou nada sabe, sentindo necessidade - demos graças - de bater à porta da humildade, caminho essencial para almejar alguns resquícios de sabedoria.
Dito desta forma, quase parece simples. Mas o caminho é longo, muito longo, com os escolhos populistas, os clássicos escolhos, a tentar inundar as marés. Sempre foi assim (antiga Grécia dixit), sempre assim será.
Lúcia andava desencontrada dos movimentos naturais: as marés não se coadunavam com o seu sono, a chuva caía na pior altura, os ventos desafiavam sempre qualquer oráculo para se manifestar. Apesar do avanço da ciência. Para ela, na impaciência da sua juventude, tudo era uma chatice. Nem, por um momento, lhe ocorria que era ela que tinha que se desligar dos quintais e suas proximidades, e subir ao monte mais alto para tentar apreender, para tentar conjugar a vontade dos ventos e das pessoas. Sim, porque, interiorizando bem a questão, as coisas não estavam desligadas. Muito pelo contrário.
Lúcia, após alguns conselhos de gente sabedora, verdadeira biblioteca viva da terra, subiu ao monte. Viu mais longe, isso é certo, mas nem por isso se sentiu mais apaziguada. É que, fazendo bem as contas, as batatas, as uvas, as couves, os tomates, as cerejas e outros que tais, tinham a sua razão de ser. Mas não acreditava que o João da Laurinda deixasse de andar na sua Peugeot a gasóleo, até porque isso lhe custava os olhos da cara, quanto mais um carro eléctrico, nem a empresa de autocarros, que servia a aldeia duas vezes por semana, tinha condições para aparecer de cara lavada. Custos da interioridade, diziam os políticos. Um raio que os parta, diziam os poucos sobreviventes da terra.
Lúcia desceu o monte e, ao contrário do herói bíblico, não vinha nada apaziguada. E, se revelações houvesse, apenas uma se lhe afigurava: ao contrário da Elsa, que por aqui dormia para jornadear, diariamente, até à sede do concelho, apaziguando as saudades da infância com um sentido de dever cumprido, com um ordenado confrangedor, ela iria fazer as malas para ousar enfrentar o mundo para lá do amparo dos montes maternos. Não sabia o que iria acontecer, mas luta, isso era garantido, ela iria dar. A força da interioridade assim a obrigava.
.
.