.
Hélio Cunha, Cidadela
.
.
.
Viver é coisa séria. Podemos pintalgar gestos, tentar abrilhantar os ecos do respirar, mas, mais tarde ou mais cedo, acabamos sempre por ser confrontados com as passadas que demos. Atitudes que, quase sem darmos conta, moldam, significativamente, todo o nosso percurso, decisões muitas vezes tomadas de acordo com cores, dissabores, odores, ou tão só de meras circunstâncias. É o tempo da rebeldia com ou sem causa, de horizontes limitados, de gritar bem alto, é o tempo de olhar para o umbigo. Que, ultrapassado, enfrenta várias bifurcações: seguir o caminho mais fácil, servindo as ideias feitas, ou enfrentar as agruras do espinhoso não, apenas baseado em convicções. A partir daqui não há loas, não há cantos de sereia, cada passo implica sentir o peso de cada movimento, de cada gesto. A cumplicidade pode ajudar, semeando violetas pelo caminho, mas não mais do que isso. É necessário ir fundo, bem fundo, passando pela caverna dos medos, para redescobrir a nossa nudez. Talvez, então, se descubra a simplicidade do brilho das estrelas, da configuração das nuvens, do desabrochar das plantas...
Viver é coisa mesmo séria. Os homens, contudo, teimam em rever-se em si próprios. Por mais tempestades que enfrentem, continuam a querer pôr cuspo no nariz do seu semelhante. Os homens teimam em ser tolos.
.
.