domingo, 29 de setembro de 2013

EQUAÇÕES HARMÓNICAS ENTRE O IR E O VOLTAR

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Hélio Cunha, Memórias do absoluto
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Regressas, por momentos, a paisagens há muito adormecidas dentro de ti. 
Deslumbras-te na harmonia da água com as pedras, dos pinheiros com os carvalhos, da urze com o medronheiro. O velho, eterno resguardar de memórias, parece-te novo no rigor suave das linhas simples, que te convidam ao devaneio. E efabulas, arquitectas, parece-te viável o reformular da filosofia dos homens. Reconcilias-te com a vida.
Quando partes, não te falo da validade do brilho renovado dos teus olhos. Digo-te apenas para vires mais vezes.
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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

COM UM BRILHOZINHO NO BOLSO

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Júlio Resende, Pássaro
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Ainda te lembras, eu sei, das tardes junto ao pinhal, perto da ribeira, onde, até ao lusco-fusco, desenhavas os teus primeiros versos. Era primavera e o mundo chamava por ti, e nem o brilho daqueles olhos negros, que te arrebatavam as noites, conseguiam adormecer esse anseio.
Um passo apressado, dois, três... Nas primeiras caminhadas festejavas cada pedra transposta, cada chegar para lá da linha do horizonte. Quando, por fim, começaste a subir os montes mais altos, as linhas deixaram de ser claras, descobriste que as fronteiras apenas existiam dentro de ti. 
À noite, em volta da fogueira, ainda recordas, de quando em vez, o aconchego do mundo circunscrito ao pequeno vale. Sabes que não há recuo, a poeira do caminho há muito bebeu a tua pele. E continuas. Mas, por mais que caminhes, continuas a transportar, bem guardado no bolso, o brilho daquelas intermináveis tardes.
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sábado, 14 de setembro de 2013

ARREMEDO DE REBATE EM CONTRACICLO

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Margarida Cepêda, Painel A Lua Nova 
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Os ciclos repetem-se, mas a memória teima em não os acompanhar. Queres tudo, não queres recuar, pareces ter esquecido a química da harmonia. E pões a mão no peito.
Quando, por fim, começas a vislumbrar para lá das cinzas, sentes uma espécie de calor, a redescoberta da esperança. E isso alimenta. 
Recomeças o tactear, recomeças a construção. Desta vez com mais lastro, mas, não por acaso, com menos certezas. Estás a aprender a cozinhar, lentamente, na tua caixa negra, nacos de convicção com essência de humildade. E aguardas.
Se um brilho surgir, não te deslumbres, os fogachos são da nossa condição. A honra está em prosseguir, para lá do efémero, mesmo que os muros pareçam ofuscar toda a luz.
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