.
.
.
Hélio Pereira, Piódão
..
As coisas não são, nem nunca serão, o que eram. Cada momento, para fazer sentido, carece de constante alimento, eterna reformulação do sentir e, por necessária cumplicidade, de se fazer sentir. Uma conquista no caminho trilhado, passada a euforia, não é mais do que isso, mera referência duma ideia que, mal a vaidade assoma, se esvai por entre os dedos. E tudo parece ficar, novamente, sem sentido.
Ontem, enquanto subia os degraus de xisto, temperados com o doce aroma das flores, lembrei-me de ti, avó, de quando falavas, sorridente, dos amenos fins de tarde de verão. Descias as escadas, confiante, de cântaro na mão, em direcção ao fontanário, onde sabias que te esperavam os olhos do teu amado. Fazias de conta que não o vias, mas os teus gestos, por mais que os tentasses domar, denunciavam-te. E, sem te dares conta, era apenas isso que ele queria, um pequeno sinal para dar corda aos seus sonhos.
Gosto da escadaria, sempre gostei. Mas, avó, sem a tua memória, adornada de doces e delicados sorrisos, ela jamais seria o que é.
..