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Fotografia de AC
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A semana foi intensa, com as exigências do trabalho a ofuscar qualquer olhar circundante, possível passaporte para amenizar a ditadura da obsessão produtiva.
A escola, meu local de realização profissional, está a tornar-se, cada vez mais, epicentro único do percurso educacional, relegando a família para segundo plano. Por melhores que sejam as intenções, a verdade é que a maioria dos alunos deste país - há excepções, todos sabemos - apenas convive com os pais ao deitar e ao levantar e, quase sempre, com uma disponibilidade deficitária: à noite estão todos cansados, de manhã é o desagradável despertador a ditar leis, dando o sinal de partida para nova correria. Nas escolas, assumindo múltiplas facetas (professor, pai, psicólogo, enfermeiro, confidente...) os professores - alguns, é certo, mas creio que parte significativa - fazem o que podem, tentando que a compreensão da estrutura da vida faça sentido; lá fora os pais esforçam-se por cumprir as exigências, cada vez mais musculadas, dos horários de trabalho, moldando-se à luta pela sobrevivência, ao mesmo tempo que aconchegam, por mais discreta, a esperança dum amanhã mais desanuviador; os políticos fazem contas às metas, analisando obscuros mapas e gélidas grelhas, procurando ir ao encontro das exigências do verdadeiro poder, que se esconde na sombra, sob um imposto denominador comum: o obscurecer da essência humana; a maioria dos meios de comunicação social, adaptados ao papel de modernos necrófagos, teimam em explorar a miséria das pessoas; discute-se, na Assembleia da República, o incómodo tema da eutanásia, mas os argumentos são mais calorosos que esclarecidos; as alegrias e tristezas da tribo refugiam-se, cada vez mais, em obscuros futebóis, verdadeiro muro das lamentações...
Curiosamente, ou talvez não, e atendendo à efervescência do Facebook, toda a gente parece contente, radiante, a vida parece um mar de rosas. É preciso, acima de tudo, parecer, enquanto, paralelamente, os radicalismos se insinuam, cada vez mais, para lá das sombras.
Lá fora, enquanto escrevo, a chuva não cessa. Já ousei desafiá-la para ver a horta, devidamente protegido, embora não consiga passar por entre os pingos. As ervilhas, os alhos e as favas estão sorridentes, os tempos correm-lhes de feição. E, na mais pura candura, começam a exibir um verde claro, vivo, próprio de quem se quer criar. Sinto a energia positiva a invadir-me, rasgando o meu sorriso. Estava em défice, confesso.
Procuro uma fotografia para ilustrar o texto, mas a semana, amordaçante, não foi propícia à captura de novos olhares. Recorro ao ficheiro e detenho-me numa recente: a entrada da toca dum rastejante. Bem vistas as coisas, talvez os tempos estejam propícios a isso.
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