sábado, 30 de setembro de 2017

O MURO

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AC, Filtro outonal
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Há um sol, ao de leve, que me aquece de mansinho, como se tentasse perpetuar aquilo que é breve, alquimia de poeta que tudo quer abraçar.
Rompe a névoa, aqui e ali, pintalgando conceitos efémeros, como se tudo fosse nada. Vão-se as andorinhas, rendidas ao capricho solar, e eu para aqui fico, tentando amarrar, na tela, o intangível, como se a simplicidade do ciclo da vida fosse quadro para emoldurar.
Sento-me na pedra de granito, altaneira, filtrando a luz que se insinua nas folhas, dando-lhes uma vida única, própria de cada instante. Sinto que, para lá da sinfonia de cores, estamos mal preparados para o que se segue, queríamos a vida sempre à mercê. É por isso que olhamos com desconfiança a velhice, quase não reparando na sabedoria acumulada. É por isso que continuamos a não saber enfrentar a morte, olhos nos olhos, quando é a única certeza que transportamos a tiracolo.
Há um sol, ao de leve, que me tenta iludir na certeza, desafiando-me para a descoberta de outras certezas. E eu, eterno crente na dignidade, como se não houvesse outro rumo, continuo a investir contra o muro, partindo pedra após pedra. Talvez, quem sabe, um dia consigamos saber aquilo que andamos cá a fazer.
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domingo, 24 de setembro de 2017

RECEITA PARA LÁ DAS RECEITAS

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AC, Sebe em busca de livro de reclamações
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Não é todos os dias, mas quase, que isto de ser aprendiz tem que se lhe diga. Quando me levanto, tal o apego à vida, há sempre algo que me condiciona a mente: uma vontade de conjugar bem, a cada dia que passa, os gestos que marcam a minha presença no mundo. Não é nada de dramático, como se tudo dependesse de mim, mas algo devidamente filtrado no tempo, com o toque da simplicidade, do dever feito, como se tivesse bem presente que, dos pequenos gestos, podem germinar pequenos grandes botões de rosa.
Às vezes, reconheço, deparo-me com pessoas que só parecem reagir ao fogo e ao aço. Com o tempo, contudo, aprendi formas de as enfrentar. Sempre olhos nos olhos, nunca em tom desafiante, mas em modo invocador de afectos: dos que se exibem, na luz, mesmo que considerados insuficientes, dos que existem, na penumbra, por trás das muitas cortinas que nos talham o destino. Em modo soft, pois é claro, a não ser que a besta tresande de tal forma que, logo à partida - louvo a honestidade de carácter - fiquemos logo avisados de que, por aquelas bandas, não há terreno por arar. Por demais inculto. 
Vivo no campo, por opção, onde cada tarefa, para ser executada de forma descontraída, sem o peso dum qualquer encargo, implica comunhão com tudo o que nos rodeia. Só assim se compreende que, para aparar parte das sebes que rodeiam a casa, tenha demorado duas manhãs, sem estar a pensar no que ainda falta. E, podem crer, o gozo que isto me dá, sempre acompanhado pelo chilreio da passarada!
O sentido da vida? Cada um tem a sua receita, mas para ela ter validade tem que ser testada no caminho percorrido, sempre numa perspectiva de futuro. Fora dos roteiros oficiais, é claro.
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sexta-feira, 15 de setembro de 2017

O MEU POETA

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Imagem retirada do Google
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Conheço um poeta que é igual a todas as outras pessoas, afinal um poeta é uma pessoa como todas as outras. Contudo, para lá dos gestos triviais, como que refugiando-se na normalidade, há um não sei quê que o trai, talvez o olhar, como se estivesse, continuamente, à espera do seu momento de libertação. E, quando descortina algo que o cativa, que o agarra, é vê-lo partir, sem sair do mesmo lugar, como se, de repente, a realidade ganhasse novos contornos, novas geometrias, como se vislumbrasse um portal para um novo patamar. Subitamente, como se despertasse, dá-se conta de que está perante olhares que o questionam, procurando entender aquela aparente fuga. Nessas alturas apenas sorri, enquanto se despede como se levasse, a tiracolo, algo de precioso.
Conheço um poeta que parece igual a todas as outras pessoas, mas não é. Enquanto os outros tudo fazem para adoçar a realidade, adquirindo, ele tudo faz para lhe dar novos contornos, voando.
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domingo, 10 de setembro de 2017

A PEDRA

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Havia uma pedra, há sempre. Mas aquela, de tão diminuta, prendia a atenção, como se a sua pequenez tivesse algo para transmitir.
Olhei-a. Era cinzenta, baça, sem brilho, aparentemente sem nada de especial. Mas, por mais que a tentasse deixar para trás, ela parecia olhar-me, desafiando a minha percepção das coisas.
Prossegui o caminho. Quando ultrapassei a primeira curva, a pequena pedra, acomodada na mochila, parecia cantarolar. Eu apenas sorria.
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