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Desenho de Luiza Maciel Nogueira
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Li, algures na blogosfera, algo acerca duma folha amachucada. A partilha deu nisto.
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Tempo de escola. Os dias têm sido de intenso trabalho, pois não existe melhor forma de
cimentar aprendizagens. E nós, como qualquer profissional que se preze,
primamos nessa intenção: incentivamos, exigimos, insistimos...
A hora do recreio, para eles, é de libertação, pois existe por ali muita
energia contida a necessitar de se libertar. Só que a chuva,
persistente, não tem ajudado, e o tempo de intervalo acaba por se
desenrolar dentro da sala de aula, onde os constrangimentos, para quem
se pretende soltar, são vários. E os conflitos tornam-se mais
frequentes, às vezes quase sem se saber porquê, preocupando quem tem o
dever de educar.
Ontem à tarde, quando lhes distribuí uma folha branca, a maior parte
pensou, com agrado, que iriam desenhar. E estranharam, é claro, quando
lhes disse para amarrotarem a folha. Perante o olhar interrogativo e
expectante, repeti o convite. E mais: podiam amarrotá-la, mas com uma
condição, não a podiam rasgar.
Olhavam uns para os outros, ainda incrédulos com tal convite, mas o som
do amarrotar das folhas começou a fazer-se ouvir. Timidamente, no
início, mas lá os convenci que aquilo era mesmo a sério. E incentivei-os
ainda mais. Se quisessem, até podiam pisar a folha, mas sempre com a
condição de não a rasgar.
Alguns começaram a soltar-se, amarrotando com prazer. E riam. Às tantas,
soltas as amarras, o som do amarrotar dominou a sala, mas nem todos se
atreveram a pisar a folha, apenas três ou quatro o fizeram.
Passada a euforia, disse-lhes para tentarem colocar a folha como lhes tinha sido entregue. Sem a rasgarem, reforcei.
Desdobraram, alisaram, mas as folhas nunca ficavam direitas. Voltaram a
tentar. E, por mais que se esforçassem, a folha ficava sempre engelhada.
Foi então que lhes disse que a folha era como uma pessoa, podia muito
bem ser um deles. Silêncio na sala. E disse-lhes mais. Quando magoamos
alguém, quando ofendemos, quando gozamos, essa pessoa fica amachucada,
cheia de marcas, tal como a folha que tinham à sua frente. Podíamos
tentar remediar a situação, mas as coisas nunca mais seriam as mesmas,
as marcas ficavam para sempre.
O silêncio era agora maior. Um ou outro ainda titubeou, mas eles começavam a interiorizar. E perceberam.
No final, perante a questão do que fazer com as folhas, disse-lhes que
tínhamos que as aproveitar, pois a vida tem que continuar. E, mais que
nunca, o seu semblante foi de aprovação.
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