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Não era assombração, mas quase parecia. O Chico Cambão, para além de cambar, parecia esculpido para impressionar: olhos alucinados, repentes temerosos, gestos de pregador. E, no jogo de temores e superstições, assim se bastava. De tanto o colocarem à distância, e desde que acomodado - os temores sempre foram fonte de rendimento - pouco ou nada se sentia incomodado.
Num fim de tarde de verão, quando a canícula tendia a descansar, o Chico Cambão, numa das raras surtidas pela aldeia, trilhou caminho frente à tasca do Pinto. Muita gente por ali, era tempo de pausa. Os mais velhos, adivinhando animação, mantiveram-se na sua, que isto de muito viver também traz muito saber. Mas a mocetada, sem rédea nas hormonas, encetou baile de diabretes:
- Chico, no além há sempre a mesma roupa? Nunca te mudas?
O Chico estacou, devagar, como se quisesse contrariar os seus repentes. Aos primeiros sorrisos dissera não, mas agora não se calou.
- E tu? Por que te mudas, se as almas cada vez estão mais mudas? Por que falas em mudar, se estás sempre no mesmo lugar? Tu nem sabes falar, só sabes é ladrar!
O Chico, por entre imprecações da malta, lá seguiu o seu caminho, juntando mais uma acha à sua lenda. Desdenhando dos mais novos, os velhos, mansamente, como só eles sabem, deleitavam-se a desenhar sorrisos.
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