quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

PARA O NOVO ANO A ESPERANÇA, SEMPRE!

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Precisamos, para lá de palavras, de gestos que contem, que acrescentem, que toquem verdadeiramente na alma. Se isso acontecer, qual utopia em eterno superlativo, o mundo vai mesmo melhorar. Talvez, quem sabe, com a vontade em verdadeiro equilíbrio, para lá de ambições desenfreadas, as crianças que vão nascendo tenham um verdadeiro futuro à sua frente. Oxalá!
Para todos os que por aqui passam, e não só, que 2021 seja consignador da tatuagem da esperança. Em versão profunda.
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sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

EU NATALICIO, SEM PINGA DE PAPEL DE EMBRULHO. E TU, APARENTEMENTE DE BEM COM O MUNDO, FAZES O QUÊ?

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Imagem retirada do google
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Rebusco, em jeito de retrospectiva, em 2009 e, sem surpresa, qual eterno pesquisador, resgato palavras como se fossem pedras em eterna combustão. Afinal, sem qualquer admiração, e apesar da presença do bicho, nada mudou.
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Aproximou-se e, com ar de quem sabe o que está a fazer, levantou a frágil tampa. Lá dentro, no meio dos detritos da abundância, uma ideia desprezada debatia-se, inconformada com a inevitabilidade dos tempos. Pegou numa velha vassoura e varreu a zona contígua ao contentor, tornando-o a estrela do beco. Então, com a solenidade de algo que contivesse a maior premência, pegou numa placa, virou-a e escreveu algo no verso. Depois de a colocar de modo a nela incidir a luz do candeeiro, afastou-se do local.
Quando os almeidas saltaram do camião para recolher o lixo, depararam com uma placa onde, em letras gravadas a fogo, se podia ler: "AQUI AGONIZA O ESPÍRITO DE NATAL".
Naquela noite, no desconcertante beco, o lixo ficou por recolher.
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O tempo passou, de melhorias do beco nada constou. E assim penamos, colados na TV, no Twitter ou no Face qualquer coisa, como se dali algo de bom pudesse advir, para lá de nós.
Continuamos tolos, como sempre, assim registou o cronista. Para que conste.
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

O ETERNO CONJUGAR DO VERBO

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Presépio, em telha mourisca, do meu ex-aluno Francisco Paulo
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O homem carregou no acelerador do velho Fiat Uno, lata amolgada carcomida pela ferrugem, mas os gemidos da mulher, no banco de trás, diziam-lhe que não iriam chegar a tempo à maternidade. A hora aproximava-se, assim lho diziam os constantes apelos da mulher, e o desespero incapacitante levou-o a virar no primeiro desvio, recurso último de quem não sabe o que fazer. O velho carro, a dar o que não podia, entrou numa rua escura, esburacada, pejada de armazéns abandonados. A cadência dos gemidos acentuou-se, accionando o chiar dos travões. Era agora.
Enquanto o homem, desesperado, tentava acudir à mulher, das imediações começa a irromper vida. Rostos barbudos, de cabelo em desalinho, caminham para o epicentro. Enquanto ajudam o casal, sente-se o ranger dum enorme portão a rodar. Um movimento inusitado começa a insinuar-se na zona. 
Estendem dois cobertores no chão, entre duas enormes pilhas de paletes, e acomodam a mulher. Ao lado, movido a urgência, alguém acende um fogão de campismo e põe água a aquecer. Vindos do exterior, dois bidões, prenhes de madeira seca a alimentar as chamas, começam a aconchegar o improvisado abrigo. 
Quando se ouve o primeiro choro, nascem lágrimas para temperar o júbilo. De repente, qual quadro há muito esquecido, o enorme armazém torna-se pequeno para tanto rosto barbudo, de olhar intenso, como se algo novo, quase indefinível, despertasse dentro deles.
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Dezembro de 2013
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terça-feira, 8 de dezembro de 2020

CRÓNICA A PRETO E BRANCO, COM FORTE ASSOMO DE CORES

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AC, Gardunha vista do pequeno paraíso
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A manhã acordou escura e fria, reivindicando grossas roupas de lã, enquanto convidava, sem qualquer favor, ao recolhimento. Como a Natureza, sabemos nós, é avessa a salamaleques, é melhor dizer que, onde se estampa convite, se deve ler obrigação.
A reserva de lenha, no abrigo, assoma ao espírito, mas sem necessidade. Ainda por ali há combustível, com a lareira a laborar diariamente, para cerca de um mês. Há, no entanto, que providenciar para uma nova leva de lenha grossa, de sobro ou de azinho, que de lenha miúda, para iniciar a combustão, há muita por aqui.
O Whisky, um canídeo que é hóspede habitual, parece não sentir o frio. Clama por companhia, de pau na boca, para exibir a sua perícia escapatória, numa espécie de toca e foge, em que o desafiado tem que fazer o papel de cobaia, a fazer de conta que se esforça para o apanhar. É claro que, para seu deleite, o cão leva sempre a melhor, enquanto o oponente arfa, rendido, mas sorridente.
No terreno circundante, para além da área ajardinada, da horta de verão já só sobram couves e alho francês. Há, pois, que preparar a terra para a horta de inverno, que já não é cedo para iniciar o cultivo dos alhos, das favas e das ervilhas. Tal como os dias, diz o ditado que, no dia de Natal, os alhos já têm um bico de pardal.
A neve na Gardunha, mais escassa, contrasta com a abundância de branco na Estrela, mais a norte, mas com a certeza de que os cerejais agradecem a dádiva, tamanha, para eliminar as diversas pragas. Deleito-me, num epicentro de delícias várias, grato por usufruir dum horizonte tão gratificante.
Vou ao abrigo para abastecer a lareira de lenha e, por ente os paus, deparo-me com uma vespa em estado, parece-me, de hibernação. E, a propósito de tudo, ou de nada, assoma-me ao pensamento o tal bichinho omnipresente, que a todos condiciona. Oxalá a neve o aniquilasse, ou, no mínimo, adormecesse, mas parece que o frio tem efeito contrário. É por estas e por outras que ninguém quer o termómetro na mó de baixo nos contornos da sua vida. Por inerência, penso no Natal que se aproxima, em que um "bicho" maior deveria ser foco canalizador dum amor mais elevado. Mas, rendendo-me à evidência, condicionados pelas grilhetas, já quase todos se renderam às luzes ofuscantes dum amor menor, vendido em episódios, redimensionado, a todo o instante, pelos números duma qualquer caixa registadora. Adiante.
Chegam-me, entretanto, notícias do Miguel, num vídeo em que o meu neto evidencia, a cada dia que passa, uma vontade genuína de abraçar o mundo que, paulatinamente, se vai desenhando nos seus sentidos, ancorado, sempre, numa imensa ternura. Sorrio, de peito aberto, pois há coisas que não têm preço.
E a vida prossegue, bem apoiada em convicções tecidas em esperança, enquanto inicio o despertar da lareira com recurso a duas pinhas, apanhadas no final do verão num dos muitos pinhais das redondezas.
A paisagem pode arrefecer, mas a alma, em momento algum, pode deixar de se tentar aquecer. É do nosso desígnio.
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