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Xana Morais, Acrílico sobre tela
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O enorme vale, sulcado por duas ribeiras que se procuravam, em suave confronto, na extremidade, estava cercado de serranias. Quem quisesse horizontes, por ali, tinha que trepar as encostas, pejadas de pinheiros, com um ou outro carvalho, aqui e ali um castanheiro, a irromperem ao de leve a monotonia do verde carregado. Mas não queriam. Viviam ali por opção, tomada há muito, selada geração após geração.
No vale coabitavam algumas centenas de pessoas. Dizia-se que eram descendentes de todas as raças da terra, mas apenas o encanto da lenda o atestava. Rezava ela que, noutros tempos, representantes de todos os povos se tinham juntado para iniciar uma nova era, e aquele tinha sido o sítio escolhido. Viviam da terra, artesanavam e filosofavam, assim foram forjando o seu caminhar. O andamento do mundo, aparentemente, ultrapassara-os, mas a harmonia alcançada fortalecia-lhes a convicção. E prosseguiam.
As crianças eram instruídas na sua crença, mas ao chegar a maioridade era-lhes dada a oportunidade de a renegar. Atingidos os dezoito anos, numa espécie de rito iniciático, rapazes e raparigas saíam do vale para enfrentar o mundo dos outros. O regresso, se houvesse vontade disso, só era permitido ao fim de dois invernos, tempo mínimo considerado suficiente para se porem à prova. Mas muitos demoravam quatro, seis, dez anos, havia mesmo quem nunca regressasse. Era preciso cimentar a convicção para o fazer, e nem todos atingiam essa maturação. Deixavam-se cativar pelos aromas doutros lugares, pelos seus labirintos, mas o legado que transportavam era tão forte que, aqui e ali, iam deixando sementes, por mínimas que fossem.
Os que regressavam traziam palavras novas, diferentes olhares, a discussão era encorajada e cultivada. Com um ou outro ajuste, a harmonia acabava por se impor.
Dizia-se que eram descendentes de todas as raças da terra. E eles acreditavam.
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Um verdadeiro paraíso muito bem descrito!
ResponderEliminarAcho que eu seria das que plantariam sementes em outros lugares e não regressaria, apesar da forte vontade...
ResponderEliminarUm bj querido amigo
Todos nós deveríamos poder regressar um dia a um vale encantado e descansar da linearidade dos horizontes.
ResponderEliminarO vale, a preciosidade da sabedoria, o exercicio do livre arbítrio
ResponderEliminarcom responsabilidade e a beleza da vida em harmonia...
Muito belo!!
Beijo.
Ps: belo também este acrílico sobre tela...
Gosto da simbolologia aí contida, o que nos faz pensar sobre a vida, sobre os paraísos, sobre as sementes, sobre a linearidades dos horizontes, sobre todas as coisas que nos rodeiam. Mas gosto sobretudo do jeito de criar essa simbologia, do modo de concepçaõ da escritura, essa obsessiva busca da palavra para alcançar o sentido das coisas. Não há como abandonar a leitura uma vez iniciada.
ResponderEliminarAbraço,
Utopia de um mundo preservado... sonhar um sonho impossível ou um modelo idealizado de liberdade.Quando ou onde seria possível?
ResponderEliminarDescendentes de todas as raças da terra... Tudo uma coisa só. Que maravilha!
ResponderEliminarGostei desse teu mundo... Como faço pra chegar la´?
Beijo,AC.
Não há como não querer pertencer a eles!
ResponderEliminarAC, meu querido, um texto reflexivo, utópico, mas capaz de levantar a pele.
bj, meu amigo-poeta
Será que muitos não voltam pelo simples facto da lonjura das planícies lhes causar vertigens, depois de uma vida "emparedado" entre as serras?
ResponderEliminarBeijinho e obrigada pela reflexão.
Ruthia d'O Berço do Mundo
Um lugar fora do tempo e do espaço, alimentando uma ideia de perfeição que alguns ainda perseguem. Aqueles que acreditam noutra organização social que não esta, onde para que uns poucos sejam senhores, muitos outros têm de ser escravos.
ResponderEliminarUm beijo
Por vezes sós
ResponderEliminarmas nunca isolados
AC meu amigo li e reli, fiquei com um nó na garganta, lágrimas nos olhos,meu corpo arrepiou, vi e senti um mundo bom, onde existem valores morais, respeito, convicçõs, tudo o que se está a perder.
ResponderEliminarbeijinho e uma flor
AC,
ResponderEliminarÉ com uma dose imensa de cansaço que venho agradecer as suas palavras. Apesar da persistência das pestanas em se fecharem, não consegui deixar para amanhã a leitura deste belo texto.
É dura a caminhada e partida do vale. Todavia, a subida é imperativa e o regresso talvez seja efémero.
Talvez seja definitiva a ausência, mas a transposição da montanha é necessária.
O rio corre no vale e conta com a nossa subida.
Beijinho grato.
O regresso cada vez mais frequente face à situação económica do país. Mas como é bom viver entre os verdes...
ResponderEliminarAbraço
Muito bonito este seu texto e repleto de significados; o abraçar de vivências simples, as partidas e chegadas e a inevitável aculturação dos que sempre ficaram, as raízes que nos formam e deformam ao longo da vida estejamos em que lugar estejamos... enfim... vejo-me tentada a acrescentar/complementar este meu comentário com uma citação conhecida:
ResponderEliminar"Homem porque sobes tu à montanha? Para ver melhor a planície"
abraço amigo
Só não os invejo, porque acho que vivi e ainda vivo parte do tempo num vale assim. Muito bom mesmo este conto!
ResponderEliminarBeijinhos, bom serão!
Madalena
(...)
ResponderEliminar" Dizia-se que eram descendentes de todas as raças da terra . E eles acreditavam."
Poeta ,
Uns e outros me fascinam , mas arrebatamento poucos escritores conseguem de mim , você sabe que é um deles .
Obrigada pela partilha .
Beijos
Essa descrição não é bem uma "lenda", assemelha-se ao que muitas vezes ocorre na imensa terra "brasílis", formada de vários povos...É raro, mas acontece..! Alguns jovens saem de seus rincões para uma metrópole, e retornam com mais saberes como o "filho pródigo", espontaneamente, e se dedicam ao seu povo...(sou testemunha!)
ResponderEliminarLinda narrativa!
Beijo,AC,
da Lúcia
Sim, a Natureza te rodeia, e isso dá uma vida tão pulsante à tua poesia. Origens: como tenho pensado nisso, como isso está tão forte aqui. Obrigada...
ResponderEliminarBeijos,
Um recanto poeticamente descrito e valorizado...
ResponderEliminarBeijos e um ótimo fim de semana para você também. ;)
Somos descendentes....
ResponderEliminarAbraço Lisette.
Também acredito que sejam descendentes de todas as raças da terra...!
ResponderEliminarBeijo, boa semana
Vim te visitar e gostei muito dos teus textos! Parabéns pelo talento que tens. Que Deus a conserve sempre assim! Obrigada pela visita!
ResponderEliminarBeijos!
✿✿彡
ResponderEliminarEsse lugar seria o paraíso?
Bom domingo!
Boa semana!
Beijinhos do Brasil
¸.•°✿✿彡
Olá, AC!
ResponderEliminarUm bocadinho de paraíso na terra, sem vontade abandonado, à descoberta - trocado por um mundo desconhecido: destino forçado de tanta gente...
Lindamente escrito.
Abraço amigo; bom restinho de Domingo.
Vitor
é preciso acreditar...
ResponderEliminarsempre...
uma boa semana.
um beijo
O reencontro com aquilo que ainda faz sentido...
ResponderEliminarGostei muito...
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta
Vários aspectos você abordou e todos de grande significado. Um paraíso familiar, a preparação para o mundo, o eventual retorno. A cada um compete a análise e a conveniência de se estar em um ou outro. Mas não há dúvida de que as sementes germinam. Bjs.
ResponderEliminarse acreditavam, pois, a natureza os ungia
ResponderEliminarabraço
Esse vale decerto será, um paraíso perdido nos confins do tempo e da terra.
ResponderEliminarUm abraço e uma boa semana
Duma beleza enorme. As sementes boas florescem sempre. No mesmo lugar ou levadas pelos ventos poderão germinar em outros sitios. Que bom é poder ser propoagada a sabedoria da alma.
ResponderEliminarSenti-me cativada pelas gentes do vale.
Abraço AC
cecilia
E porque não acreditar ?!
ResponderEliminarUm beijo , AC ,
Maria
e nãoserá mesmo assim? essa sabedoria de todos os tempos continua a viver no fundo da alma, mas muitos "levam muitos anos a voltar ou não voltam mais " para essa verdade interior que vive no vale da alma.
ResponderEliminarbeijinhos
ResponderEliminarPodia ser assim, mas o mundo estendeu-se para além do vale e entre sementes boas, germinaram muitas ervas daninhas. Acreditar que a monda é possível é um imperativo de consciência.
Aqui, as palavras são caminho para viagens urgentes. Obrigada!
Um beijinho
Meu amigo a descrição perfeita do paraíso.
ResponderEliminarPosso alcançar esse vale?
beijinho
Fê
Uma prosa cheia de nostalgia.Delícia de ler, AC.
ResponderEliminarBeijos.
Muito gostei de conhecer esse vale onde as duas ribeiras "se procuram em suave confronto"!
ResponderEliminarÉ assim mesmo, é...
Abraço grande!
AC, tenho encontrado dificuldades para deixar comentários por aqui.
ResponderEliminarNão sei se conseguirei dessa vez...:
Utopia à parte, ainda acredito que exitem vales verdejantes com vida própria, e isolados da "civilização" em alguns desses rincões do
nosso mundéu! Não sei se desfrutas de um deles, (nem que seja eventualmente), mas o fato é que falas com tanta familiaridade, que
me vem-me a dúvida: - será o poeta?
- será o blogueiro?
beijos :)