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Hieronymus Bosch, O Ilusionista
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As vestes, bem engomadas, eram complemento de gestos precisos, elegantes, que prendiam qualquer olhar. Na rua, num gabinete, ou em qualquer outro lugar onde palpitasse coração de gente. Aprendera que as pessoas, mesmo as supostamente mais sábias e poderosas, tinham sempre uma fenda, por mais discreta, à espera de algo que as surpreendesse, que as maravilhasse.
O homem, cata-vento, em roda viva, da sua própria ignorância, bem tenta camuflar a sua essência, mas, qual músculo involuntário, há sempre algo revelador das suas forças e fraquezas, da sua constante instabilidade. Quase sem se dar conta, é essa fragilidade que lhe mantém a chama viva para novos passos, novos olhares, novas atitudes. No fundo, depois de pisar, derrubar e reconstruir as pedras do caminho, o homem, na sua individualidade, mais não almeja que a redenção.
O homem, cata-vento, em roda viva, da sua própria ignorância, bem tenta camuflar a sua essência, mas, qual músculo involuntário, há sempre algo revelador das suas forças e fraquezas, da sua constante instabilidade. Quase sem se dar conta, é essa fragilidade que lhe mantém a chama viva para novos passos, novos olhares, novas atitudes. No fundo, depois de pisar, derrubar e reconstruir as pedras do caminho, o homem, na sua individualidade, mais não almeja que a redenção.
Alfredo pertencia a uma estirpe que se perdia na bruma dos tempos. Conhecedor das grandezas e misérias da espécie humana, mais não fazia que explorar a imperfeição de fortes e fracos, de ricos e pobres, de avarentos e filantropos, de cépticos e sonhadores. Em suma, alimentava-se da fraqueza dos outros, da capacidade em saber explorar a tal fenda, por onde, embora negados, de viva voz, até os milagres eram permitidos, quantas vezes desejados. Era por ali, no que de mais frágil e ingénuo tinha o homem, que ele costumava investir.
Também Alfredo, contudo, tinha as suas debilidades. E, à medida que o cheiro da fraqueza humana o ia inundando, de tanto a espremer, ia desenhando, cada vez com maior minúcia, cenários para a sua possível redenção. Talvez, quem sabe, conseguisse almejar a sua façanha mais gloriosa: iludir-se a si próprio.
.Também Alfredo, contudo, tinha as suas debilidades. E, à medida que o cheiro da fraqueza humana o ia inundando, de tanto a espremer, ia desenhando, cada vez com maior minúcia, cenários para a sua possível redenção. Talvez, quem sabe, conseguisse almejar a sua façanha mais gloriosa: iludir-se a si próprio.
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Desejar o impossível... e não reconhecer, nem valorizar o que é possível... a eterna ilusão com que a humanidade se confronta... que justifica a sua permanente e crescente insatisfação... desde tempos imemoriais... e todavia... sempre persistindo no mesmo erro, ao longo dos tempos...
ResponderEliminarMais um texto brilhante, que nos induz a uma profunda reflexão!...
Beijinho! Bom fim de semana!
Ana
A ilusão sobre si próprio talvez seja a mais perigosa e a mais procurada...
ResponderEliminarOnde houver um coração de gente a palpitar, haverá misérias e grandezas. Explorados e exploradores, iludidos e ilusionistas. Fracos e fortes, gente boa e sangue ruim!
ResponderEliminarAlguns, de tanto iludirem os demais, acabam por acreditar, eles próprios, nas suas patranhas...
Que beleza de texto, AC!
Beijinhos, sem coelhos na cartola! :)
A graça do ilusionismo está justamente no fato de que o público quer ser "enganado", não?
ResponderEliminarTenha uma ótima semana.
A literalidade não é muito cultivada por aqui, Marta.
EliminarUma boa semana também para si. :)
Ah, não tenho por hábito- nem gosto- de fazer este tipo de pedidos, mas...uma vez não são vezes...gostaria que fosses ao meu Cantinho ver as cerejas/fenómeno, que esta prestidigitadora, lá fez aparecer! :))
ResponderEliminarJá lá fui, Janita. Bem sugestivas, essas cerejas. :)
EliminarObrigada, AC.
EliminarAgora é que reparei que te fiz um pedido e nem te agradeci, previamente.
Agradeço à posteriori e reli o teu belo texto...:)
Um beijinho, AC. Bom Domingo!
Texto belo e profundo: a busca do encontro com um eu idealizado que atenda mais puros anseios. Seria essa a verdadeira redenção? Abraços, bom final de semana.
ResponderEliminarCom quantos Alfredos
ResponderEliminarse constrói uma Pátria
acocorada?
Esse Alfredo
não é uma "avis rara"
Não sejas assim. Podes levantar.te, Rogério, que ninguém está a ver.
Eliminarhá quanto tempo não te lia, e quanto de beleza perdi... fabuloso texto, humano, denso, frágil, enfim, uma bela tradução das contradições humanas... bjs
ResponderEliminarhttp://espiritosevangelizados.blogspot.com.br/
Nunca gostei de ilusionismo a tal arte que arrasta multidões. Também nunca gostei dos que tentam enganar os outros nas várias esquinas da vida e muito menos iludir-me a mim própria.
ResponderEliminarA sociedade está recheada de tudo o que acabei de dizer e infelizmente quem foge à regra e ou faz mudar algo é mais malabarista do que ilusionista.
Pés na terra, força na mente, sem acreditar em "vendedores da banha da cobra a troco do engano"...saco do sheltox:))) e fujam:)
A obra que apresentas ilustra bem o que descreves.
Um bom domingo
Iludir a si próprio talvez tarefa mais difícil.... Lindo! E gostei do teu canto por lá! abraços, tudo de bom,chica
ResponderEliminara redenção, pois claro! ...
ResponderEliminaralguns encontram-na na literatura, outros no álcool, outros no sexo (outros na literatura/álcool/sexo rsss), outros no culto da natureza, ou no culto desporto, ou no culto da religião, ou até mesmo no culto da hipocrisia, etc, etc...
alguns (raros) tem consciência disso.
outros consideram-se o Caminho e a Vida!
abraço
Talvez seja assim que se engana pessoas... enganando a si proprio, antes de tudo...
ResponderEliminar"iludir-se a si próprio". Talvez consiga, depois de encontrar a tal "fenda" que permite a algumas pessoas acreditarem à toa no impossível, franqueando a alma a uma sedução enganadora. Um texto de reflexão, muito bem ilustrado com um Hieronymus Bosch.
ResponderEliminarBeijos.
Excelente texto que me levou a reflectir.
ResponderEliminarQuando se ilude a eles próprios e como acreditar na própria mentira e isso é muito grave, atrevo-me a dizer, assustador.
Beijinho meu Amigo, bom restinho de domingo.
Uma façanha dificil, iludir-se a si próprio.
ResponderEliminarBrilhante texto.
Um abraço
Maria
Um texto diferente do género a que estamos habituados,
ResponderEliminarcom uma interessante análise de uma psicopatologia...
Há realmente, quem faça uso de todos os recursos para
- pensam eles - ascender na vida.
Apreciei sobremaneira este texto, arauto de outras
sendas a explorar.
~~~ Abraço, AC. ~~~
Quando o ilusionista se vê ao espelho
ResponderEliminaraté o espelho mente
Excelente texto, que nos leva a reflectir sobre a nossa essência.
ResponderEliminarUm abraço e uma boa semana
Não passamos nós a vida inteira a iludirmo-nos e depois a desiludirmo-nos? O difícil é sobreviver sem mazelas. :)
ResponderEliminarSempre com textos muito bem escritos. Parabéns.
ResponderEliminarGostei muito do texto pelo purismo do texto e pela riqueza vocabular...como sempre!
ResponderEliminarBeijinho
Essa seria a suprema ilusão.
ResponderEliminarAquele abraço, boa semana
Este teu profundo texto aborda a ilusão,
ResponderEliminarauto ilusão (auto engano) e os que usam a
ilusão para o público certo dos iludidos.
Uma das piores ilusões, são daqueles que se
acham dono da verdade absoluta de si, do
mundo e dos outros.
Sabemos que a vida é um constante aprendizado
e nós os aprendizes.
Uma semana luminosa para ti, AC!
Oi, A.C....todos nós precisamos de sonhar e descobrir as maravilhas que nos encantaram na primeira infância..e aí sim a redenção do insólito que nos faz vibrar pelo o que pode vir a ser. Gosto muito da poesia do ilusionista que mesmo iludindo pode trazer de volta a inocência de acreditar.
ResponderEliminarum abraço
A nossa imperfeição...!Felizes daqueles que a aceitam e são gratos por ela, porque sabem que é com ela que o "barro" se molda.Esta história reportou-me para um poema de Manoel de Barros que aqui deixo com um apertado abraço.
ResponderEliminar"A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai-me
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas".
Manoel de Barros
Somos espelhos uns dos outros onde se refletem qualidades e defeitos.
ResponderEliminarUm abraço, AC
Poeta , texto profundo que desvenda a condição humana . Agradeço a partilha e , também , sua generosa visita ao meu espaço . Beijos
ResponderEliminarA vida é mesmo uma grande ilusão.
ResponderEliminarEste seu excelente texto, prova isso.
Um beijinho
Excelente texto, mas permita-me...Alfredo não se ilude ele se redescobre na sua vulnerabilidade própria do humano que sabe ser dual ..ele se redime... Abraços
ResponderEliminarLer seu texto me fez penar quantas vezes iludimos a nós mesmos... e há um quê de necessidade nisso, não é mesmo? Abraços!
ResponderEliminarComplexo ser-se real por inteiro.
ResponderEliminarInteressante reflexão!
Um beijo
a ilusão em ilusão do próprio ser ...
ResponderEliminartalvez Alfredo chegue lá a iludir o seu próprio ser.
muito belo
:)
Texto que retrata de forma soberba o género humano, caro AC.
ResponderEliminarTodos os dias andamos a olhar para os espelhos que nos rodeiam, copiando deles a imagem que nos dão, pronta a consumir,e, por mais que olhemos, mesmo que o espectro projectado seja o nosso, não nos reconhecemos, tamanha é a ilusão. O mundo "real" é uma simulação.
Abraço
Alguns acreditam mesmo nas ilusões que criam! São talvez os mais perigosos. Há sempre um lado do homem a desejar iludir-se. Há momentos ou coisas tão deprimentes que, muitas vezes, são o remédio para se continuar. Mas isto dava pano para mangas. De resto, mais um excelente texto, este com um subtil respingo filosófico.
ResponderEliminarBjo, amigo :)