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Todos os anos, pelo estio, o pequeno burgo é tomado de assalto. Centenas de pessoas, aproveitando a pausa do chicote, apontam a bússola naquela direcção, em busca de algo que as renove, que as faça sentir que a vida não é mera ilusão, que vale mesmo a pena. Os residentes, resignados à invasão, acabam por tentar tirar partido do fenómeno: uns alugam casas; os poucos pescadores, amarrados a uma prática ancestral, vendem peixe na praia; outros povoam as artérias para aliciar os veraneantes a comprar conquilha, acabadinha de apanhar; da serra algarvia, a dois passos, chegam vendedores de figos, de tomates, de melão e de outras novidades do campo...
O Toninho, já entradote na idade, também gosta de povoar as ruas com a sua "loja". Vendedor de circunstância, o que o move não é o lucro. Gosta de conviver, de olhar para as pessoas, de sentir o calor humano. Baixo, magro, de boné na cabeça, ostenta um bigode farfalhudo que parece complemento do enorme nariz, que se esbate perante o calor humano que emana dos olhos. Não, o Toninho não está ali unicamente na mira de mais uns euritos para beber um copo, até porque aquilo que tenta vender pouco apela a quem passa, ele quer, essencialmente, que reparem nele, que lhe acenem, que lhe falem.
O Toninho tem uma bicicleta, com que se desloca, regularmente, para umas surtidas ao campo, o seu mercado abastecedor. Umas vezes, se tiver sorte e o dono das figueiras não rondar por ali, consegue uns figos, que depois ostenta numa cesta de verga, com dois passarinhos de plástico pendurados no cimo, virados em sentido oposto.
- Esses passarinhos cantam bem, Toninho!
- É verdade, e cada um canta para seu lado!
E o Toninho, satisfeito, solta uma gargalhada. A "loja" é o seu passaporte para entrar no mundo das pessoas, carta de alforria das limitações que o amordaçam no resto do ano.
Quando o dono da loja não consegue figos da figueira, vira-se para as alfarrobeiras ou para os cactos. E, na sua montra, apregoa, com voz forte e colocada, os figos-da-índia:
- Olha a loja do Toninho, pode provar que não paga nada!
Quando os frutos são total impossibilidade, o nosso vendedor não desanima. Pega num monte de conchas, de diversos tamanhos, e coloca-as por cima de uma caixa de fruta virada ao contrário. No meio, para harmonizar a banca, uma pequena jarra com duas flores de plástico. É quanto lhe basta para atrair a atenção das crianças, maravilhadas, que trazem sempre os adultos pela mão.
O Toninho, enfeitado, eternamente, num genuíno sorriso, apenas quer que reparem nele, que lhe retribuam o gesto. É quanto lhe basta.
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Tão linda e doce tua crônica! Adorei! bjs, chica
ResponderEliminarFotografia em palavras. Acho que cada lugar tem o seu "Toninho", com suas especificidades, é claro. Conheço alguns...
ResponderEliminarExistem cada dia mais Toninhos. Mais carentes de atenção e afectos. Um dia destes as ruas vão estar apinhadas de Toninhos com suas lojas de coisa pouca, na mira de uma ternura de um sorriso.
ResponderEliminarLindo o postal que nos trouxe. Lindo mesmo
Engraçado que enquanto lia sua cronica eu me lembrei de quando estou em Buzios, uma cidade que tem temporadas de grande movimentação e outras não, o comércio vibra com os visitantes. Os visitantes admiram a paisagem, aproveitam a manha, a tarde e a noite. Ha uma praça que pode acontecer de tudo para entreter.
ResponderEliminarTambém alguns Toninhos em pontos da cidade.
Bjs
Gostei do 'teu' Toninho, A.C.
ResponderEliminarMuito! Não imaginas quanto...
Ficção total ou baseado em algum facto real, a verdade é que enquanto lia esta maravilhosa crónica, só me ocorria que a «loja» do Toninho se poderia comparar a...um blogue.
Nesta vasta blogosfera onde passeiam e se espraiam: gente simples ou erudita, pessoas com muitos conhecimentos para transmitir, outros para exporem o seu talento literário, poético, fotográfico, dotes jornalísticos, conhecimentos musicais e um sem número de actividades interessantes, há um ou outro que, tal como o Toninho, apenas tem a sua 'loja' para se relacionar com outras pessoas. Ainda que virtualmente...
E tudo o que mais deseja e precisa, não é prestigio (lucro) nem louros, nem fama nem glória, mas somente que lhe retribuam os sorrisos genuínos que vai distribuindo em cada postagem.
Peço-te que desculpes esta divagação mimha, Amigo, mas juro que foi nisto que pensei, enquanto ia lendo esta tua magnífica crónica.
Mais, senti que a roupagem do 'teu' Toninho me servia perfeitamente!
Um beijinho, A.C. :)
Um belíssimo texto.
ResponderEliminarQuem dera que de verdade existissem muitos Toninhos neste mundo de Cristo.
Um abraço e bom fim de semana
Toninho é um encanto! Acho que já cruzei por alguns nesse mundão afora!
ResponderEliminarLinda crônica!
Beijos,
Ana Christ
Hajam AC que vão notando os Toninhos...
ResponderEliminar:)
Sabes?
Gosto tanto do Algarve da época baixa!!!
Oi,A.C. Eu sou Toninho!
ResponderEliminarum abraço
Esta parte: "Gosta de conviver, de olhar para as pessoas, de sentir o calor humano"
ResponderEliminarE esta: "apenas quer que reparem nele"
E também esta: "crianças, maravilhadas, que trazem sempre os adultos pela mão"
Este é, provavelmente, um dos seus melhores textos, AC. Pelo menos desde que frequento o seu espaço e leio atentamente o que escreve. Este texto bebe-se de um só trago. Talvez seja sede de algo que agora não me lembra. Ou se calhar lembro...
Aceite um beijinho de uma Maria qualquer.
Os Toninhos se multiplicaram mundo a fora a medida que os seres humanos se tornaram menos humanos... carentes do calor humano e atençao...
ResponderEliminarBelissimo texto...
Poeta , maravilha de crônica . Suas ternas palavras nos apontam a pureza do " Toninho " que cada um guarda no peito . Obrigada , sempre . Beijos
ResponderEliminarencantador Toninho e os seus "cinco minutos de glória"!
ResponderEliminarporque não o levas a um "reality show" da TVI?
fariam um figuraço!
abraço
Gostei dessa banca do Toninho, cheia de conchas e flores de plástico. :)
ResponderEliminarAinda há quem retrate os Toninhos desta vida
ResponderEliminarAbraço
Belo retrato este do Toninho. Faz-me lembrar os e as que povoam um lugar aqui bem perto de mim, a Nazaré. A maioria tem um olhar um pouco triste e o rosto cheio de marcas da vida, outros mantêm ainda alguma alegria, mas são tão poucos. Abraço AC
ResponderEliminarSe deixarmos, a Felicidade pode ser simples! :)
ResponderEliminarHá pelo menos um Toninho em todas as cidades.
ResponderEliminarE são personagens que marcam essas cidades para sempre.
Aquele abraço, boa semana
O Toninho oferece , esperando retribuição , aquilo que não tem preço , e é , para mim , o mais importante na vida , afecto .
ResponderEliminarÓptimo texto .
Um beijo , AC , e boa semana ,
Maria
Distribuir e receber sorrisos, é o que que o Toninho... Uma narrativa muito boa.
ResponderEliminarUma boa semana.
Beijos.
Tão pleno de humanidade que chega a doer!
ResponderEliminarUm beijo
Que bela crônica a nos apresentar o Toninho com a sua
ResponderEliminarsingeleza, humanidade e alegria de sentir e viver a vida,
as pessoas, o momento no toque do que é essencial aos
olhos: o gesto da partilha!...
Caro AC, neste seu espaço o gesto da partilha é visível,
poético e tão belo a todos os que lhe acompanham na
viagem das palavras abundantes em pura afetividade humana.
Beijo.
Crónica que lembra tempos idos! Este Toninho faz-me lembrar a obra Esteiros de Soeiro Pereira Gomes que rememora o tempo em que os meninos andavam descalços por não haver dinheiro para sapatos
ResponderEliminarMuito bom texto!
beijinho
Garanto-lhe, Graça, que o Toninho continua de boa saúde, algures numa praia algarvia, já bem perto de Espanha.
EliminarQue a vida se alimenta de vida, da reciprocidade. Maravilha AC! Beijo
ResponderEliminarGostava de conhecer este Toninho; apertar-lhe a mão e cavaquear com ele...estes homens dão muito sentido à vida, principalmente pelo que simbolizam...e sabem muita coisa, por que se dão às pessoas sem reservas!Espantoso!
ResponderEliminarBeijinho, AC :-)
Há muitos Toninhos espalhados por aí... e tantas pessoas carecendo de boas retribuições. De um sorriso, muitas vezes é só do que precisamos. Abraços!
ResponderEliminarAmei. Como deve ser bom conviver com Toninho que bom seria no mundo se existissem muitos Toninhos a gostarem de sentir o calor humano.
ResponderEliminarBeijinho meu amigo.
Olá, AC.
ResponderEliminarCuriosamente, assim como à nossa amiga Janita ocorreu que na Blogosfera navegam muitos "Toninhos", a mim me ocorre que há muitos Toninhos a morar em muitos de entre nós, seja na Blogosfera, nas pequenas lojas, ou até ao virar da esquina. E acredito que são tantos...
Maravilhosa crónica.
*Maravilhoso escrever ;)
abç amg
Há falta de pão em muitas mesas, há injustiças, há guerras, mas há também muita solidão e mesmo no meio de multidões há quem sinta falta de um simples sorriso, de um Olá. Somos impotentes perante as grandes desgraças do nosso mundo, mas onde está aquele nosso sorriso, aquele olhar simpático, aquele cumprimento àquele que, absorto olha o vazio? Será dificil parar junto do "Toninho" e conversar um pouco? Por quantos "toninhos" passamos todos os dias e nem para eles olhamos? Dar afecto e atenção está ao alcance de todos nós; só é preciso desacelarar o passo. SIMPLES! Um tem pertinente, Ac! Muito obrigada por esta " chamada de atenção" Como se costuma dizer: " Um raspanete bem dado", pelo menos a mim Um bom fim de semana. Beijinhos
ResponderEliminarEmilia
Conchas também se vendem, pois claro, que as faltam noutros lugares ermos. E são tão bonitas...
ResponderEliminarBateu-me uma saudade do Algarve, dos figos e das tortas de alfarroba, dos docinhos em forma de fruta e dos areais, e dos pores-do-sol! Este ano, o verão escapou-se-me por entre os dedos.
Aproveito os últimos raios de sol.
Abraço
Ruthia d'O Berço do Mundo
Agostinhamigo (I)
ResponderEliminarFigura emblemática o Toninho. Toda a gente do burgo o conhece. A estória está bem bolada como dizem os brasucas. Mal parecia se não o fosse; vindo de quem vem é trigo limpo, farinha Amparo...
Penso que já sabes a desgraça por que tenho passado neste ano bissexto de 2016. SÃO UMAS ATRÁS DAS OUTRAS! Porra! Na NOSSA TRAVESSA podes ler a maldita estória.
Estou muito descoroçoado. O meu irmão Braz que vive e o seu escritório no emirado Ras Al Khaymah tem um cancro na próstata e está a sofrer muito e só. Penso até pedir um empréstimo ao banco com quem trabalho para pagar as nossas viagens aos Emirados. Veremos.
Entretanto venho infelizmente, dar-te as últimas notícias dos EAU
(Agora (23:17 de 27 deste mês de Agosto chega-me a informação de que o meu irmão Braz já está hospitalizado e já tem metástases no fígado e nos rins. Imagino-o na cama do hospital a pensar como a vida é filha da puta. Já terá dito que nunca mais nos vê, a nós e aos sobrinhos e aos sobrinhos-netos...)
Não sei bem o que farei, mas talvez peça um empréstimo ao Banco para ir lá...
A estória completa do que tem sido o nosso ano bissexto de 2016 está publicada na NOSSA TRAVESSA. Desculpa-me a chatice
Abç do Leãozão
Um texto maravilhoso... e por incrível que pareça... com alguma semelhança, com uma ou outra pessoa, que encontro por aqui na Ericeira... com uma lojinha do género... assim muito sua... cativando os turistas que passam... com algo especial... no caso, pequenos trabalhos em artesanato, na sua maioria...
ResponderEliminarComo muito bem diz a Carmem, mais acima... maravilhoso escrever!!!
Beijinho! Boa semana!
Ana
Tantos são os Toninhos deste mundo, meu amigo.
ResponderEliminarUm texto aprimorado e muito belo! Parabéns.
Um beijo
Hoje levei comigo algumas palavrinhas daqui... emprestadas... lá para o meu canto, AC... :-))
ResponderEliminarBeijinho!
Continuação de uma boa semana!
Ana
Gosto de conhecer pessoas assim como o Toninho, simples, sinceras e de sorriso nos lábios. Um sorriso ilumina quem dá e quem recebe.
ResponderEliminarUm abraço
Maria
A.C. fez retrato perfeito e sensível de um homem simples que só quer calor humano.
ResponderEliminarGostei bastante.
Um beijinho grato
OI AC!
ResponderEliminarAINDA BEM QUE EXISTEM ALGUNS TONINHOS QUE EVENTUALMENTE ENCONTRAMOS POR AI.
ABRÇS
http://zilanicelia.blogspot.com.br/
Bonita história de pessoas reais.
ResponderEliminarToninhos, Tóinos que expõem toda a sua jovialidade e ingenuidade em estado virgem, intocadas, a troco de nada ou de quase nada.Tantas vezes a "reivindicar" a sua condição de humanos.
Abraço.
Temos todos tanto de Toninho, uns dias mais mais que outros. Adorei AC. Um abraço.
ResponderEliminarhá muitos Toninhos por aí...
ResponderEliminargostei de ler.
um beijo
:)
Pois então, AC, por aqui conheci alguns Toninhos, mesmo que só de olho. Alguns eu até conversei. E para os que eu cheguei, olhei e até falei, ganhei um sorriso, que mesmo com o grande bigode, deu para perceber, como era largo e vibrante!
ResponderEliminarQue linhas deliciosas de ler e sentir.
Olha, meu amigo, gostei muito do teu Toninho.
ResponderEliminarSe o conhecesse, quão rica ficaria com as suas histórias de vida e ele, felicíssimo, havia de mas contar com os olhos a brilhar!
Excelente partilha!
Bjo :)
O que o Toninho faz por um pouco de carinho! Tiveste carradas de engenho para o encontrar, AC. Beijinho.
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