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Margarida Cepêda, As nossas teias
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Não sabia como, mas aprendera a nadar naquele lago de lama.
Passava por ilhas, muitas ilhas, todas cercadas de muros, a bradar a sua independência. Evitou-as. Continuou a nadar, contornando as jangadas carcomidas, vestígios de adormecidas ousadias, até chegar à margem pedregosa.
Sentou-se, voltado para aquele mundo em convulsão. Enquanto recobrava o fôlego, quase sem se dar conta, começou a pensar em pontes. Eram necessárias muitas, mas o seu número era concreto. Bastava os muros desaparecerem.
Subiu, a custo, a íngreme escadaria, até atingir o exterior. Após curta pausa, começou a contornar a muralha de cor indefinida, procurando uma brecha. A ânsia pouco deixava ver, as paredes pareciam inexpugnáveis.
Parou. Concentrou-se na brisa, na imperceptível ondulação dos musgos, na indecifrável linguagem das pedras, até se sentir o que realmente era: um minúsculo ser sem bússola, com uma pequena sacola de memórias a tiracolo.
Voltou, a pouco e pouco, as costas à muralha. À sua frente, contornando a erupção do fraguedo, uma floresta com toda a espécie de árvores prolongava-se até à linha do horizonte. Abriu os braços, encheu o peito de ar e sentiu o irresistível apelo.
Enquanto caminhava, lentamente, por entre os arbustos, imbuindo-se de aromas e cores, intuiu que as andrajosas vestes iam ficando, a pouco e pouco, para trás. E quando, finalmente, se sentiu nu, um enorme sorriso lhe começou a adornar o rosto.
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ResponderEliminarA poesia da Natureza sempre presente. Leio como se lesse um diário de dias sempre surpreendentes. Nada como antes, e sempre tudo tão convidativo.
Beijos,
Esta é a verdadeira liberdade, quando conseguimos despir as vestes e arranjamos coragem para andar em frente.
ResponderEliminarLindíssimo este texto.
bjs
ResponderEliminarE tudo fica para trás, AC, porque é na plenitude da nossa nudez que nos encontramos a sós com o universo.
Beijo
Laura
Um texto muito bonito. Quando perdemos as vestes que a vida nos vai impondo, sempre nos sentimos renascer.
ResponderEliminarUm abraço e bom Domingo.
Paremos! Concentre-mo-nos na brisa e façamos a conferência das memórias arroladas. É a parte mais delicada.
ResponderEliminarDepois é só seguirmos em frente, sem bússola, sem nada...
Quanto mais te leio, mais me surpreendes!Lindíssimo texto AC.
ResponderEliminarBjs
Um mundo novo livre de amarras e que se abra para novas possibilidades... seria possível?
ResponderEliminarUm abraço
Que boa deve ser essa sensação de liberdade!
ResponderEliminarGosto de chegar aqui e ser transportada para um mundo diferente, mas ainda assim, que parece não ser irreal...! Ou pelo menos assim gosto de o imaginar!
Beijo, bom domingo
Isa Lisboa
=> Instantâneos a preto e branco
=> Os dias em que olho o Mundo
=> Pense fora da caixa
Olá! Quando nos libertamos das amarras que nos tolhem os movimentos/pensamentos ....ficamos libertos para voar, voar...
ResponderEliminarUm abraço.
É preciso saber a hora de mudar de rumo para encontrar o caminho certo.Que bom que ele conseguiu...
ResponderEliminarBeijo, AC.Com todo o respeito, te adoro!
AC,
ResponderEliminarÀ medida que embrenhamos na floresta e os arbustos nos protegem, perdem-se os medos.
Beijinho. :)
É isso . . . pontes , estamos a necessitar de novas , ou recuperar a existentes , porque há caminhos que sem elas , por vezes , terminam .
ResponderEliminarQuanto "as vestes iam ficando, a pouco e pouco, para trás " . . .
um sonho meu .
Um beijo , AC ,
Maria
Belíssimo, AC!
ResponderEliminarBeijo :)
Sem amarras, livres as pontes nem são necessárias....a bússola também não.
ResponderEliminarAbraço
Eis um excelente texto que ficaria muito bem no estupendo documentário que acabei de ver sobre a ilha do Pico, que acho uma maravilha de contrastes e cuja montanha me fascina com a dança das nuvens ao seu redor.
ResponderEliminarBom resto de domingo.
Como seria bom se todos conseguíssemos essa libertação. :)
ResponderEliminarUma metáfora de sólida construção.
ResponderEliminarO retorno à origem seduz tanto mais quanto mais se fecha o labirinto em torno do homem.
Mas o retorno nunca o é, por inteiro. A viagem adulterou, maculou, truncou a "inocência".
Um beijo
"Parou. Concentrou-se na brisa, na imperceptível ondulação dos musgos, na indecifrável linguagem das pedras, até se sentir o que realmente era: um minúsculo ser sem bússola, com uma pequena sacola de memórias a tiracolo."
ResponderEliminarAC, belíssimo. é isto que somos, na verdade. minúsculos, face ao Universo. e, ainda assim, capazes de inverter o rumo das nossas vidas...
obrigada, AC, por esta e por tantas, leituras inspiradoras
abraço amigo
Mel
há que construir pontes. e derrubar os muros.
ResponderEliminarsobretudo os que mais doem - os muros interiores...
excelente, meu caro "caçador de metáforas".
abraço
Chegará o dia, AC, em que deixaremos nosso corpo físico, tal qual a borboleta ao deixar a crisálida, e voaremos livres, sem amarras...Um beijo!
ResponderEliminarGosto muito da forma como teces as tuas ideias através da palavra, AC... apenas me ocorreu, tal como à Lídia, que o retorno nunca o é tão plenamente quanto o sonhámos...
ResponderEliminarAbraço!
É assim que tem que ser... se despir de si mesmo e seguir...
ResponderEliminarBeijos...
Muito interessante este conto.
ResponderEliminarEis como sou: "um minúsculo ser sem bússola, com uma pequena sacola de memórias a tiracolo." Precisamos mesmo de nos soltar das andrajosas e rotas, porque antigas, vestes!
Beijinhos, óptima semana!
a purificação dos sentidos.
ResponderEliminarsempre muito interessante a maneira como dás a volta ao texto.
gosto.
boa semana.
beijos
Encontrou uma brecha para soltar a alma e reinventar-se...
ResponderEliminarBrilhante....
Obrigada pela visita...
Beijos e abraços
Marta
Um belo relato do encontro do eu poético e a liberdade.
ResponderEliminarBjos e tenha um ótimo início de semana..
É sempre uma maravilha ler os teus textos, caro AC. Me fascina essa contensão discursiva, a conjugação das palavras criando um universo inteiramente novo. Esse labor para que as palavras se encaixem como num jogo de armar e, ao fim, se tenha um texto mexendo com cada um dos leitores de modo diferente.
ResponderEliminarGrande abraço,
PS.: Já seguiu a encomenda prometida. Acho que já deve estar chegando além mar.
AC, seus textos são mesmo criadores e perfeitos.
ResponderEliminarObrigada pela visita e um grande abraço.
Toda a Arte é a capacidade de criar algo!
ResponderEliminarMagnífico texto...onde a criação é praticamente perfeita...:)
Abraço!!!
Um dia voaremos livres sim!
ResponderEliminarAdorei, mas comevi.
Boa semana meu querido amigo
beijinho e uma flor
Despir-se em corpo e alma...Deixar cair vestes imundas e pesadas.ÀS vezes é isso que carecemos.
ResponderEliminarUm beijo grande, AC.
Sempre a beleza das tuas palavras,descortinando o invisível para o espaço do essencial,
ResponderEliminarno sopro libertador e poético...
Sempre bela e profunda a tua escrita!!
Beijo.
Que você possa construir um caminho
ResponderEliminarde alegrias e realizações..
Ser Feliz.
E vivendo apaixonadamente e expressando
com alegria de viver a pessoa especial que você é.
Sinta a presença de Deus abençoando sua vida
cada passo de sua caminhada.
Uma abençoada e feliz semana beijos no coração,Evanir.
Deixei mimos na postagem .
Fique a vontade para pegar.
ResponderEliminarO peso dos muros e a impossibilidade das pontes impede-nos, tantas vezes, de sentir a integridade da própria pele. E basta, talvez, apontar o olhar para o cume de um outro horizonte para que o ar se torne mais respirável e uma renovada alegria cresça para temperar de esperança a própria vida.
Como sempre, a sua escrita, AC, a levar-nos para tantos horizontes possíveis...
Obrigada!
Um beijinho :)
Muito bem!
ResponderEliminarComo a cobra a libertar-se da pele.
Muito bem escrito.
Olá, AC, boa noite :)
ResponderEliminarRevisitando, para lhe agradecer as palavras que deixou lá no meu espaço de fragmentos e também para lhe dizer das inúmeras vezes que por aqui passo, para ler e reler e, em silêncio, melhor absorver a profundidade e a beleza da sua escrita.
Continuação de uma boa semana. Bj :)
Na verdade é preciso ordenar
ResponderEliminaresta desordem de cores nos jardins
Como sempre uma bela viagem partilhada
Olá, AC!
ResponderEliminar"Despir as vestes velhas, esquecer o que à volta nos desgosta e começar de novo":Pensamento que ocupará a mente de tanta gente, neste momento que atravessamos.
Belo texto!
Boa semana; um abraço
Vitor
Olá, amigo AC! Mais um belíssimo texto com que presenteia quem o visita... excelentemente bem escrito.
ResponderEliminar«Parou. Concentrou-se na brisa, na imperceptível ondulação dos musgos, na indecifrável linguagem das pedras, até se sentir o que realmente era: um minúsculo ser sem bússola, com uma pequena sacola de memórias a tiracolo.»
Leio neste pequeno excerto quase um conselho... há fases na vida em que o melhor será parar e concentrarmo-nos para...
Os meus sinceros parabéns.
Beijinho amigo.
CONVITE
ResponderEliminarPassei por aqui lendo, e, em visita ao seu blog.
Eu também tenho um, só que muito simples.
Estou lhe convidando a visitar-me, e, se possível seguirmos juntos por eles, e, com eles. Sempre gostei de escrever, expor as minhas idéias e compartilhar com as pessoas, independente da classe Social, do Credo Religioso, da Opção Sexual, ou, da Etnia.
Para mim, o que vai interessar é o nosso intercâmbio de idéias, e, de pensamentos.
Estou lá, no meu Espaço Simplório, esperando por você.
E, eu, já estou Seguindo o seu blog.
Força, Paz, Amizade e Alegria
Para você, um abraço do Brasil.
www.josemariacosta.com
Um texto simbólico, muito bem escrito!
ResponderEliminarSaudações minhas!
Querido e saudoso AC...
ResponderEliminarseu blog está lindo, cada vez mais povoado, mais poético, não direi melhor, porque não se melhora o que já nasce perfeito.Você e as letras, as palavras, e as imagens formam um todo denso e indissolúvel.
Ao contrário de você, tenho andado meio sem rumo e meu blog acaba sendo um reflexo de mim, mas...acredite, você e esse espaço são das melhores dádivas que me aconteceram desde que me aventurei por aqui.
Um grande beijo e obrigada pelo carinho no Desassossego.
Nem sempre ultrapassar os muros vai nos trazer esse belo desnudamento que descreveu. Voltar as costas a eles nos faz rever o caminho e nos encontrarmos, de fato. Bjs.
ResponderEliminarOlá
ResponderEliminarAs palavras enfeitadas
por metáforas,
são para mim
fascinantes.
A vida é feita
dos sonhos que nos habitam.
Pássaro que voa, voa, voa...
ResponderEliminarSozinho, fará verão?
beijos :)
Poeta ,
ResponderEliminarSuas metáforas são encantadoras , sempre .
Texto perfeito.
Obrigada .
Beijos
Belos, belos textos. Belo espaço!
ResponderEliminarAbraços.
Colega e amigo...as tuas palavras demoram em minha mente...dançam no meu entendimento e permanecem longo tempo: obrigada por isso.
ResponderEliminarOlha, fui obrigada a sair do Blogger pois estava a receber comentários indecentes e ofensivos. Agora estou principalmente em
Blueshell.azurara.net
E quem não é um ser sem bússola, com uma mera mochila de lembranças a tiracolo? Eu pelo menos sinto-me assim, uma pequena partícula de pó neste imenso mundo sem sentido.
ResponderEliminarUm abraço e um doce domingo
Ruthia d'O Berço do Mundo
Que todos consigamos nos livrar das cascas, para podermos verdadeiramente ser.
ResponderEliminarAbraços.
Maravilhoso!
ResponderEliminarBom fim de semana!