sábado, 8 de março de 2014

PISCAR DE OLHO

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Pintura de David Galchutt
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Os sábados, por aqui, são sempre dias especiais, envolvidos em naturais condimentos.
Para hoje estava programada a plantação de duas laranjeiras e um damasqueiro, e assim se fez. O tempo, quando em plena comunhão com a vida, ganha outra dimensão. Se tivesse que dar explicações, como justificar as quatro horas que demorei a plantar as três árvores? Como explicar, a quem quer que fosse, que cada momento - cavar, separar as ervas daninhas, estrumar, tapar, regar, atar... - requer atenção, carinho, sensibilidade?
O almoço, sem tempo, é sempre experiência gastronómica à mercê dos ingredientes disponíveis. Acautelados, é claro.
A seguir, como em quase todos os sábados, é tempo de escrita. Normalmente a coisa flui, espontânea, qual jorro em permanente ebulição. Mas hoje, quase sem me dar conta, o olhar começa a prender-se nos livros que me envolvem. São muitos, sem dúvida - cada um veio aqui parar num contexto muito próprio - mas há muito que não lhes pego. Não é por falta de carinho, garanto, continuo a sentir o seu envolvimento, mas, após um passado de múltiplas leituras, o apelo da natureza, lá fora, continua a ser mais forte.
O tempo, em comunhão com as coisas, é alheio a gráficos e balancetes. Frui-se, naturalmente, e, no final do dia, quando os pássaros regressam aos ninhos, sente-se, de forma muito peculiar, a poesia a piscar o olho à filosofia. É nessa altura, mais que em qualquer outra, que as linhas do horizonte encontram o seu exacto lugar.
Percebem, agora, porque é que os meus livros sentem a minha ausência? Contudo, qual almofada em permanente aconchego, eu continuo a sorrir-lhes.
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37 comentários:

  1. Por aqui os versos cantam lindamente, que bom!

    E essa sua leitura, do lado de fora, tão importante e enriquecedora quanto a outra.

    Abraços, AC

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  2. Tantos são os livros
    fora das bibliotecas
    Abraço

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  3. Participar do processo da criação...amar a terra como ela merece,cuidar do broto ou da semente, viver em plenitude sem se fechar em conceitos, fluir junto com as horas que correm na felicidade do existir...muito bom sentir o sangue correr nas veias , não é tudo que se quer para um sábado de paz?
    um abraço

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  4. Vemos que teus sábados assim são bem aproveitados! beijos,chica

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  5. Num piscar de olho do poeta,o sábado tem a força solar com aromas,

    cores,poesia em natureza fértil e luminosa ao encontro do olhar (sentir)

    de nós leitores atentos ao precioso "agora"...

    Sempre encantador este "agora" lendo o teu texto.

    Maravilhosos sábados,AC...

    Beijo.

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  6. Olá, AC!

    Plantar laranjeiras e damasqueiros, e´uma outra forma de cultura - que a seu tempo dará frutos. E depois, com este tempinho tão convidativo, os livros bem podem esperar para mais tarde, que nem por isso irão ficar zangados com o dono...

    Um abraço e bom Domingo.
    Vitor

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  7. Por vezes temos que fazer escolhas. Esventrar a terra, e plantar nela uma árvore, e olhar à volta e ver uma flor que desabrocha, um pássaro que transporta uma palha para um ninho, ou escutar o ladrar de um cão, é também uma forma de leitura, no livro da natureza.
    Um abraço e um bom Domingo.
    À margem
    Saúde quase recuperada estou voltando.

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  8. ~ Foi muito agradável comungar os sentimentos e a intimidade do teu Sábado, AC.

    ~ Depois de tanta clausura, provocada pelo mau tempo, é muito saudável sentir a Natureza e participar nela. Há tempo para tudo, tempo para plantar e tempo para cultivar o espírito.

    ~ Uma coisa é certa, ss tuas árvores vão recompensar-te pelo carinho que lhes dedicaste.

    ~ Agradece a Deus ter abençoado-te com o benefício de um lugar tão aprazível para viver. ~

    ~ ~ ~ ~ ~ Beijinhos. ~ ~ ~ ~ ~

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  9. Ac: lindo de viver todo esse caminhar através das poéticas palavras...amei!!!
    abraçossss

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  10. Poeta , sábados abençoados estes seus . Aos seguidores , sempre encantamento vir sorver destas belezas a nós oferecidas . Beijos

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  11. Entendo perfeitamente as saudades que os livros têm do poeta. Mas o resto do sábado também é necessário, não é verdade?
    E hoje que já é domingo, que também seja bom!
    Abraço

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  12. Histórias que partilham, segredos, usufruir do tempo e sentir como fala connosco...
    Lindo....
    Obrigada pela visita
    Beijos e abraços
    Marta

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  13. Num piscar de olhos as letras fluíram na leitura! Um primor de texto e conteúdo! A imagem... magnífica!!!

    Beijo de domingo.

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  14. Como se não bastasse o excelente sábado no campo, ainda escreve um texto delicioso sobre a arte de plantar laranjeiras e um damasqueiro.
    Confesso que senti um pouco de inveja boa, e os livros são entidades muito pacientes...:-)
    Bom domingo!
    xx

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  15. Num dia ensolarado como o de ontem, era difícil resistir ao apelo da natureza! Há algo que reclama a urgência de um sacho ou de uma tesoura, num dia ensolarado de Março. Acredito que o poema começou a nascer no aconchego da terra e cresceu a sorrir para os livros. Belíssimo! Sente-se!

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  16. Tudo em sintonia. Até o piscar de olho. O que o sol Faz! :)

    Beijinho

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  17. Excelente reflexão.O homem, a terra e a poesia.
    Os seus textos estão grávidos de poesia.Que as árvores de fruto lhe tragam o retorno com abundância.
    Abraço,

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  18. És um rio percorrendo as tuas águas, nutrindo tuas raízes. É o teu vento, o teu movimento, parte da tua vida, parte do teu ritmo, da tua seiva. Um belo texto, AC.
    Abraço forte,

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  19. Lindo texto, encantador mesmo. Gostei demais.

    Um grande abraço, caro amigo.

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  20. Uma pessoa chega a este seu espaço com a intenção, boa, muito boa mesmo, de tentar dizer coisas acertadas, entretanto começa a ler e só consegue resumir-se à minha insignificância. Acabei de me resumir à minha insignificância e gostei da sensação.

    Gostei muito, AC. Tenha uma óptima semana :)

    PS: Também estive lá fora no sábado a plantar ervas aromáticas, plantas e a arrancar ervas que acabaram por crescer demasiado com tanta chuva. Falta cortar a relva e pintar umas coisas. Nada mais saudável...

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    1. Rectificação: resumir-se à sua insignificância e não 'minha'.

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    2. Peço desculpa, foi pior a emenda que o soneto. Quem lê a rectificação é capaz de pensar outras coisas. Isto hoje não está fácil :)

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    3. :))
      Maria, não se preocupe, eu percebi perfeitamente o que quis dizer.

      Uma boa semana!

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  21. Também na semana que passou semeei violetas (do campo) e alfazema para conseguir uma Primavera cheia de fragrâncias.
    Não são úteis mas são o bálsamo da alma.
    Beijinho.:))

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  22. Olá AC!
    Os livros contentam-se com a contemplação. Sabem que mais cedo ou mais tarde serão acarinhados como merecem, e aí regozijar-se-ão das mãos que os acarinham, dos olhos que os lêem , do coração que os sentem.
    Esse privilégio que dá à natureza, tem tempo próprio, e de lá trás a inspiração, que o faz escrever textos que nos deliciam e fazem despoletar as mais belas emoções...
    Rendo-me a este espaço de onde saio sempre mais preenchida.

    Deixo abraços!

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  23. É-me cada vez mais difícil resistir ao apelo da natureza...Então, nestes últimos dias, depois de tantos dias nublados como não homenagear o sol?
    Ler-te foi como saborear vagarosamente os frutos das árvores que plantaste...
    Bjo, AC :)
    (Ah, os livros, esses esperam, em silêncio, a sua vez...)

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  24. Invejo-te, sabias?

    Beijinhos Marianos, AC! :)

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  25. O melhor adubo para uma planta...são as nossas vibrações de amor.
    AC, beijos e boa tarde!

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  26. Plantar árvores, ler livros... que bela maneira de ser sábado...
    Gostei muito do texto.
    Abraço.

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  27. Quem me dera, Agostinho, quem me dera! Sinto tanta falta, tanta saudade da época em que podia fazer isso;;;!

    Beijo : )

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  28. Belissimo meu amigo AC.
    As árvores, os livros tal como nós necessitam de carinho e amor.

    beijinho e uma flor

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  29. Desde que me conheço que vivo rodeada dos amigos livros .
    Mas há dias , que trocaria alguns deles , por um quiintal . . .

    Um beijo , AC ,
    Maria



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  30. Como o entendo!...
    Felizmente que eu em "estado de aposentação" consigo repartir o meu tempo de forma equilibrada. Do viver é que nasce a escrita, mas os livros são (também) uma forma, outra, de viver.

    Um beijo

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  31. Que seria de mim sem a natureza? E dos livros? Como o compreendo!!

    bjs

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  32. Ah, como os livros devem estar invejosos das árvores. Este tempo primaveril tem um apelo muito forte. Mas que não nos prive das suas palavras. Aliás, acho que em breve volta a chover.... sem querer ser mazinha, amigo AC.
    Um abraço, um doce domingo
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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