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No vale, ainda antes de alguém acordar, espalhara-se um nevoeiro que tudo envolvia, que tudo devorava.
Quando despertaram as primeiras almas, e muitas havia que acordavam cedo, já não era possível escapar às garras do intruso. E, quase sem se darem conta, o pequeno-almoço já não sabia ao mesmo: havia algo, quase indefinível, que tolhia o movimento das pupilas gustativas.
Adriana, imponente nos seus oitenta e muitos anos, rijos e de boa saúde, esgueirou-se por entre veredas, contrariando ideias feitas e maus olhados, e encaminhou os passos, ainda certeiros, para as courelas do Vale da Ponte, propriedade ancestral da família, onde as maçãs bravo esmofo e os figos pingo de mel já deveriam estar no ponto.
Colheu, avaliando a fruta, embalada pelo protesto de alguma passarada que via, de repente, ser-lhe interrompido o banquete, principalmente dos figos. Já a cesta estava cheia, com alguma humidade a escorrer dos frutos, quando se lhe deparou o inusitado: um raio de luz, irrompendo a névoa, parecia fixar-se, por entre as ervas secas, resquício dum verão inclemente, sobre um objecto metálico. Estacou, aproximou-se, olhou com atenção e... era a chave da loja onde costumava guardar o resultado das colheitas.
Não se benzeu, não agradeceu aos céus, não invocou qualquer crença sobrenatural. Limitou-se a sorrir, tranquila, enquanto pensava, de si para si, que a velhice tem as suas manhas, o que era preciso era saber aceitá-las. E continuava a sorrir, olhando de soslaio para a cesta, enquanto irrompia num passo suave, mas cadenciado, pelo pó do caminho, em direcção à sua casa de sempre.
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Oxalá nunca sejam extinguidos porque ainda é o que no faz recordar muita coisa antiga, Eu gosto de ver um bom rancho. Gostei do texto!
ResponderEliminarObrigada
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Queria viver simplesmente na ilusão...
Beijos
Uma excelente semana!
Muito interessante este post.
ResponderEliminarArthur Claro
http://www.arthur-claro.blogspot.com
Como sempre, e daí darmos pela sua falta, cada escrito é uma tela.
ResponderEliminarBoa noite, sô AC
Muito satisfeita em ler um post seu novamente. E, como por aqui a primavera já vem trazendo frutas (cerejas, amoras, acerolas, jabuticabas...), diria que, mesmo sem os oitenta e tantos, identifiquei-me um tanto com sua personagem.
ResponderEliminarA velhice é um privilégio negado a muitos.
ResponderEliminarAbraço
Adorei o texto e realmente a "velhice tem as suas manhas" e felizes nas suas casas e ou terras contornam todos os obstáculos da vida, o que muitos não conseguem por vários factores como os incêndios que lhes roubam tudo até a alma! A minha neta mais nova anda num rancho de onde moram e eu só vejo quando os pais fazem um vídeo.
ResponderEliminarBeijos e um bom dia
Que lindo e desde o início, com o nevoeiro, deu pra bem imaginar o lindo cenário, colheita e satisfação! Adorei!
ResponderEliminarabraços, chica e é bom te ler sempre!
Tenho um gosto enorme em ler o que escreve. Já sentia a sua falta. Este texto é maravilhoso.
ResponderEliminarUma boa semana com muita saúde.
Um beijo.
Um texto maravilhoso, amigo. Como sempre pleno de beleza e poesia. Adorei.
ResponderEliminarAbraço e saúde
Mais um texto delicioso, que nos deixa respirar os ares da serras, onde o tempo... não foge ao tempo... e se deixa degustar, aos ritmos de outrora...
ResponderEliminarUm beijinho, estimando que tudo esteja bem, aí desse lado!
Ana
Mais um Tero magnifico que me fez recordar o rancho da aldeia onde nasci.
ResponderEliminarPor enquanto não penso em voltar, mas não esqueci os amigos.
Um beijinho António
Adélia
Muito bonito.
ResponderEliminarGosto de o ler, mas por onde anda?
Deixo abraço e brisas doces**