quarta-feira, 14 de junho de 2023

PINGOS DE CHUVA EM CONTRAMÃO

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Fotos de AC
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A chuva, por estes dias, não parou de cair, iludindo a caminhada, mais que provável, para a seca, confirmando, mais uma vez, que a excepção é parte integrante da reg(r)a.
A horta, mais pragmática do que eu, agradece a bênção pluviosa para se desenvolver de forma natural, mas deixando para mim a preocupação com as ervas que, à boleia de tal escorrega, crescem desmesuradamente, nada se importando com um mero aprendiz de hortelão que, por todos os meios, tenta salvaguardar o bem-estar das suas plantas de estimação. Se as ervas agora já se insinuam, a carta de alforria irá chegar, dentro de poucos dias, quando os raios solares retomarem o seu domínio. É então que se começará a conjugar o verbo mondar.
Entretanto, aproveitando a folga da chuva, tento manter-me a par do que se passa pelo mundo, vasculhando jornais e revistas. E confirma-se uma ideia muito arreigada: tanto governantes, como oposição, apenas se preocupam com a detenção do poder, deixando para as calendas a solução dos problemas. E digladiam-se, sem fim, em busca da simpatia de potenciais eleitores. Invocando um famoso título literário, a oeste nada de novo. Felizmente, para aconchego do melhor que há em nós, existe o trabalho incansável de muitas ONG´s, mas o sentido cívico dos governados deixa muito a desejar.
Regresso à horta, aproveitando uma pausa da chuva, e reparo que a sinfonia dos pássaros também está de volta. Lá em cima, em voo planado, algumas aves de rapina povoam os ares, em voo silencioso, sempre atentas às oportunidades. Contrariando a postura das suas vizinhas mais altaneiras, as cegonhas passam num voo mais rectilíneo, com as patas bem distendidas, de modo ergonómico, em consonância com  a cabeça, no outro extremo, com destino bem delineado, sabendo bem ao que vão. As pegas rabilongas, habituais frequentadoras do espaço, afastam-se perante a minha presença. Só os pardais, muito senhores de si, teimam em se manter por perto.
Em pleno distender de sentidos, e em modo tranquilo, acabo por colher o que resta dos alperces, talvez para compota, que este foi um ano de fartura. Mas as cerejeiras, coitadas, de tão tristes, apenas se queixam de tão inesperadas pingas, que as ferem, retirando-lhes o tão esperado tempo de rainhas. São muito sensíveis, estas senhoras.
E assim vamos vivendo, por entre os pingos da chuva, quando os há, com demasiadas pessoas afectadas pelo vírus do consumo. Um dia destes, se chegarem a despertar, é muito provável que já seja tarde de mais. Nesse caso, e por mais que me resguarde, mesmo fazendo a minha parte, o meu pequeno paraíso pouco sentido fará.
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P.S. - Quando me afastava da horta, reparei que uma borboleta fazia duma couve lombarda um porto de abrigo. Voltei atrás, tentei afastá-la, não fosse ela depositar ovos que dariam lugar a lagartas, que mais tarde se alimentariam das couves, mas ela não gostou nada da interrupção, esvoaçando à minha volta com uma velocidade inusitada. Que é isto?, pensei. E lá deixei a criatura em paz, sujeita aos desígnios do seu livre arbítrio. Mas que vou passar a vigiar as couves, lá isso vou! 
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19 comentários:

  1. Adorei este seu texto, deste seu paraíso. Uma boa terapia. A passarada até prejudicam a horta. Comem as flores do feijão verde e os feijões quando estão a começar a nascer. Também tenho uma hortinha jeitosa, embora seja o marido que a faz. Eu só colho :)
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    Nada acontece por acaso...
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    Beijos e um excelente tarde.

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    1. Uma horta é um estendal de oportunidades para melhor conhecer o mundo. Com sabores genuínos a acompanhar, pois é claro. :)

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  2. Esse vírus afecta tanta gente por aqui.
    Que gasta o que não tem naquilo de que não necessita.
    Uma doença incurável.
    Um abraço

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    1. Pedro, eis um vírus onde se não investe na vacina, muito pelo contrário.
      Abraço

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  3. O vírus governativo a juntar aos da oposição caduca/arrogante/ sem soluções é a maior tragédia anunciada e acompanhar as comissões de inquérito mais os comentadores especialistas de tudo leva-me ao extremo dos meus nervos e desligo.
    A juntar a isto continua a haver muita gente que gasta o que tem e não têm (endividando-se) a juntar ao desperdício.
    Adorei este teu esplanar de ideias tão certeiras e pelo menos consegues ter uma bela horta o que não tenho, e aí refrescares as ideias.
    Sabes AC tudo tem um fim e melhores dias virão pois não abro mão do meu otimismo.
    Um enorme abraço e um bom dia

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    1. Sempre lúcida e combativa, com alternativas ao virar da mão.
      Que a vida te seja benigna, Fatyly!

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  4. São tomateiros, na segunda foto? Estão lindos.
    Estou totalmente de acordo quanto à análise em relação ao comportamento político, com cargos ou sem eles. Deve ser assim no mundo todo, ao menos onde há eleições regulares. Mesmo sem grandes expectativas, há certo consolo em se fazer a parte possível, mesmo quando se nota que a maioria não fará a sua. Sempre haverá um Dom Quixote, aqui e ali...

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    1. São tomateiros, como a Marta muito bem descortinou, e estão a crescer de uma forma desmesurada. De tal forma que, neste fim-de-semana, investi numa "jaula" feita de canas para os domar. :)
      Sabe uma coisa, Marta? Quando perdermos a capacidade de acarinhar D. Quixotes é sinal de que tudo está a descambar.

      Abraço

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  5. A sua horta está linda. É mesmo uma maravilha de horta.
    Bom fim de semana

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    1. A minha horta, cara bea, é um refrigério mental como poucos. Além disso, o que não é coisa pouca, o sabor dos produtos, aquando da colheita, proporciona momentos inolvidáveis na cozinha e, como consequência, prazerosos convívios com os amigos.

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  6. O que interessa mesmo é a horta...com borboletas e tudo:)
    ~CC~

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  7. Gosto de água, de chuva e desta horta de legumes e de palavras.
    Boas colheitas!
    Beijinhos

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  8. Oi AC
    Que bom voltar aqui para ler e aprender nomes inusitados _fui a procura de alperces, das rabilongas e por incrível que pareças do verbo mondar... rs
    Nossa semelhança na língua portuguesa é sempre prazeirosa mas nem sempre entendível ... e sua prosa poética é das mais felizes quando se trata de 'sinfonia de pardais e da fragilidade das senhoras cerejeiras e das borboletas borboleteando as couves,
    Adoro sua escrita AC.Beijinhos e bom domingo

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  9. Que bom senti-la por aqui, Lis.
    Em relação ao tom geral do seu comentário, tenho para mim que a língua só tem a ganhar com a aproximação dos de lá com os de cá, e vice-versa. Se pensarmos bem, e como diz uma certa canção, "é muito mais o que nos una do que aquilo que nos separa".

    Um beijo :)

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  10. Muito melhor do que ouvir os políticos é estar na horta apesar de o trabalho do campo ser cansativo. Mas a sua horta está um mimo. E de certeza que a chuva lhe fez bem mesmo que as ervas daninhas cresçam e o trabalho da monda seja maior. O seu paraíso é lindo.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. Adoro o meu pequeno paraíso, filtro de muitos desassossegos, mas, apesar da tentação, ele não pode funcionar como ilha alheia ao que o rodeia. Procura-se o equilíbrio, constantemente, sem nunca ficamos imunes a um ou outro sobressalto. Mas compensa. :)
      Um beijinho, Graça :)

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  11. Neste momento está a chover, e eu estou a escutar a chuva que bate num caixote que tenho no terraço. Gosto muito.
    Muita convidativa a sua horta.
    E o carinho que floresce das suas palavras.
    Vai ser uma boa colheita,
    Abraço e brisas doces **

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