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Fora educada no esforço, na abnegação, a recompensa acabaria por dar à costa. Lutou, desesperou das cunhas dos outros, mas insistiu, insistiu sempre. Nunca se dava por vencida. Pouco a pouco, contra ventos e marés, fora marcando pontos, o sucesso, qual tela em permanente ebulição, começara a ganhar contornos.
O transpor das metas, no início, era pura adrenalina, mas, às tantas, deu-se conta do labirinto. Uma meta nunca era um final, era sempre um início. De outra corrida, de outra meta. E assim se consumiam os dias.
Num dia de chuva, em luta contra o destino, deixou para trás a aura de sucesso, que lhe ofuscava a noção do tempo, e lançou-se à estrada. Na bagagem, para além de "Memórias de Adriano", que nunca acabara de ler, transportava a memória do verdejante vale onde passava, em pequena, as férias com os avós. Não se sentia completamente segura da sua opção, mas agir estava-lhe no sangue. E, no mais fundo de si, acreditava.
A certa altura deixou a auto-estrada e embrenhou-se na velha estrada nacional, agora quase sem trânsito, memória serpenteante da sua meninice. Abrandou a marcha, abriu o vidro e, enquanto conduzia, deixou-se absorver pela afável presença de pinheiros, carvalhos e castanheiros. Quando chegou ao alto da Portela, porta fronteiriça do mágico vale, parou o carro. Saiu, devagar, dando lastro a um acto cerimonial que a transcendia, e deixou que olhos e alma se irmanassem, em perfeita sintonia, perdendo-se no deleite da redescoberta. Ao fundo, eterno gigante adormecido talhado em granito, a Estrela enquadrava uma enorme tela sarapintada de árvores, casario e terrenos de cultivo. Começou a procurar a velha casa de granito, que mandara recuperar, não muito longe do rio que recolhia as águas das duas serras. Lá estava ela, minúsculo ponto que iria ser o epicentro da sua vida. À esquerda, aproveitando um ligeiro declive apontado ao sol, iria plantar vinha. À direita, perto do ribeiro que ia desembocar, um pouco mais à frente, no grande rio, parecia ser o local certo para as estufas de framboesas e mirtilos. E ainda havia planos para um olival, para além duma pequena horta...
Regressou ao carro e começou a descer em direcção ao vale. Os castinçais davam agora lugar a milhares e milhares de cerejeiras, prenhes dum delicado branco que em breve iria pintar a encosta. Uma ou outra mimosa, já em flor, dava-lhe as boas-vindas.
Era impossível não sorrir. Em território de gratas memórias, a apelar à renovação, as de Adriano, pelos vistos, teriam que continuar a aguardar.
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Mais um belo ciclo de marés
ResponderEliminarAbraço
O reencontro... Com a vida dentro de nós....E construir novas memórias....As nossas...
ResponderEliminarBrilhante...
Beijos e abraços
Marta
Nunca existiram memórias melhores que as nossas. São feitas de muitas emoções, de muitos choro e muito riso que é só nosso.
ResponderEliminarE reencontrá-las é sempre um presente.
Um abraço e bom Domingo
ه°·✿
ResponderEliminarUm texto cheio de poesia, para ser feliz basta ter olhos para ver as belezas que estão ao nosso redor ou até mesmo dentro dos nossos corações.
Bom domingo!
Ótima semana!
Beijinhos do Brasil.
♪♬♫° ·.
Essa outra estrada, que viagem fascinante conduzia. O reencontro e o refazer das memórias. Lindo!
ResponderEliminarAbraços, meu querido. Bom domingo.
Fico encantada sempre que o leio. O seus textos são telas maravilhosas ricas de vida :)
ResponderEliminarMuito obrigado, AC
Fica um beijo com estima e amizade.
Oi, A.C. a maravilhosa volta às origens, agora depois de sonhar todos os sonhos e reencontrar a felicidade. Lindo! que sempre uma realidade.
ResponderEliminarUm abraço
Que coisa mais linda te ler! Emoção e encantamento! bjs, chica e lindo março!
ResponderEliminarAbrir mão dos planos de vida, para viver a plenitude da vida!
ResponderEliminarPalavras vivas despertando emoção!
Lindo demais!
Felicidades para você!
Um lindo texto!
ResponderEliminarÉ preciso coragem para perceber que esse labirinto tem saída e começar do zero!
Admiro quem muda assim radicalmente de vida.
Gosto da pintura da Margarida Cepêda, uma pintora que conheci aqui no seu blogue.
Uma boa semana para si, AC:)
Na maioria das vezes , quando se perde , ganha-se .
ResponderEliminarUm beijo , AC ,
Maria
Que belo texto, sobre as necessárias reviravoltas que às vezes temos de dar à nossa vida. Com tanto para fazer, "As Memórias de Adriano" terão de esperar um pouco mais, decerto num canto especial na recuperada casa de granito.
ResponderEliminarxx
É um gosto ler seus textos. Um dia, quem sabe, talvez consiga escrever algo assim tão bom.
ResponderEliminarFiquei presa numa parte em especial. Esta: "Começou a procurar a velha casa de granito, que mandara recuperar". É uma velha paixão minha, um dia recuperar uma casa velha... Um dia...
Tenha uma excelente semana, AC :)
A vida (e as suas Memórias) são vibrante ficção - para quê então Adriano, se jaz inerte. (ainda que vivo) em suas Memórias?
ResponderEliminarabraço, amigo
Memórias e muitas emoções que elas carregam! Deixar-se absorver pela beleza da natureza, simplesmente porque é olhada com olhos de ver.
ResponderEliminarGostei muito, muito mesmo.
Beijinho AC e uma boa semana.
um belíssimo e sentido texto.
ResponderEliminarum regresso às origens e às memórias.
gostei muito
beijo
:)
A emoção dos lugares da memória, supera outras memórias mesmo que sejam as belíssimas memórias de Adriano da Yourcenar...
ResponderEliminarExcelente texto!
Beijo.
Olá AC
ResponderEliminarO regresso aos lugares de nosso encantamento são pura emoção.
bj
Feliz daquele/a que tem a coragem de mudar de caminho.
ResponderEliminarUm texto que me absorveu e me emudeceu. Parabéns!
beijinho
Fê
Uma tela que só a pinta quem lhe sente os cheiros e caminhos.
ResponderEliminarDepois, foi a minha vez de fazer a viagem!
Puro encanto AC
Beijo!
É muito forte o sentimento que surge com o redescobrir do que estava latente. Tão forte que muitos jamais permitem esse desabrochar.. Mas os que se entregam terão sempre um sorriso inevitável no rosto e na alma. Belo texto. Abraços.
ResponderEliminarJá me passou pela cabeça fazer o mesmo, mas tenho um pormenor a considerar: uma boa escola para o Pedro. Mas talvez seja possível um meio termo.
ResponderEliminarLi o seu post ao som de Rodrigo Leão e as palavras casaram admiravelmente com a melodia.
Abraço, hoje estamos a festejar o aniversário do pequeno explorador cá em casa
Ruthia d'O Berço do Mundo
Impossível não sorrir, lindo.
ResponderEliminarBeijo Lisette
Olá, AC!
ResponderEliminarBom quando assim é; reconfortante e doce o voltar às memórias de infância.Forma de compensar tantas vezes desgostos e desencantos, tornar a pisar solo que nos sabe a verdade e autêntico.
Bonito texto
Um abraço
Vitor
Ah, mas que lindo, Ac! Atitude corajosa largar tudo para ir de encontro ao simples e ao lugar que trazia o aconchego das memórias do passado. Tão poeticamente bem descrito que senti-me no lugar! Terminei o texto sorrindo! Um abraço!
ResponderEliminarPoeta , sou mais uma a lhe agradecer pela partilha do belo texto . Beijos
ResponderEliminarNão sei se ficará, mas pelo menos ousou largar um vida sem tempo para ter um outra com tempo, Além das memórias, procura-se reencontrar a pessoa que foi...
ResponderEliminarAdmiro as pessoas que largam carreiras de sucesso para se "intimizarem" com uma vida mais simples, feita com gestos mais vagarosos.
Excelente texto, AC
BJO :)
Há um momento em que percebemos que há que recomeçar... E nunca é tarde para isso!
ResponderEliminarBeijos, boa semana! :)