sábado, 24 de outubro de 2015

TELA OUTONAL

.
René Magritte, Princes of Autumn
.
.
Os últimos fenos, temerosos da chuva, já estavam recolhidos, cortara-se a lenha para o Inverno, na despensa predominava o aroma a maçãs maduras. Tu, no entanto, parecias já não olhar. 
Doem-me os olhos de tanto já ver, argumentas, a consciência da mortalidade retira encanto à tonalidade das folhas. E, depois, perante o inevitável, para quê inventar novas formas de comunicar?
Eu sei que não é bem assim. Talvez, no fundo, queiras um pouco mais de atenção, mas noto que, com o passar dos dias, há um translúcido fio de desassossego que vai roendo, lentamente, o brilho dos teus olhos. Já nem o cheiro a pão, acabadinho de fazer, te faz exaltar os poemas vivos.
Enquanto lês, junto à vidraça, um tímido raio de sol vem aconchegar-te o regaço. Pareces não ligar, mas gostas. Então, de forma subtil, enquadras melhor o livro na suave luz. O gato, aproveitando a brecha, vai, tranquilamente, aninhar-se no teu colo.
.
.

34 comentários:

  1. Ele, sensibilidade à flor da pele, sente o aroma das maçãs, o cheiro do pão, a tonalidade das folhas... Ela, apática, alheia a tudo, ignora a beleza e a dádiva da vida...
    Abraços, AC!!!

    ResponderEliminar
  2. Que cena amena descrevestes... a vidraça, o sol, o gato, uma leitura... parece bom...

    ResponderEliminar
  3. Um belíssimo texto, evocando a melancolia, em que o Outono, por vezes, nos mergulha, em alguns dos seus dias... belíssimamente combinado, com um excelente suporte em imagem...
    Beijinho! Bom fim de semana!
    Ana

    ResponderEliminar
  4. Há tanta coisa boa na vida, apesar de tudo!
    É preciso não perder a alegria:)

    Boa semana, AC:)

    ResponderEliminar
  5. Nada há que se compare à magia do Outono, quer para poetas, pintores ou, simplesmente, para aqueles a quem o belo não é indiferente.

    Bom Domingo.

    ResponderEliminar
  6. Existe o desassossego que ocupa o interior da forma
    dessensibilizadora em relação ao belo (simples da vida),
    este afasta o contato com o tempo presente ("aqui e agora").
    O gato é um ser (animal) antenado com o tempo presente,
    com a luz (calor do sol) e com o prazer...
    Muito belo o texto e a imagem de Magritte!
    Aprecio sempre os teus textos, AC...
    Beijo.

    ResponderEliminar
  7. Um pouco triste...tal como o Outono me é apresentado, mas gostei imenso!

    Um bom domingo

    ResponderEliminar
  8. A indiferença cega as dádivas da vida . Belíssimo texto , poeta . Obrigada . Beijos e boa semana .

    ResponderEliminar
  9. Gosto do casal. Complementam-se.
    Ela faz-me lembrar alguém que conheço bem :)
    Muito bonito este momento poético, e a tela que visualizei também é muito bela.
    Fica um beijinho para si, AC.

    ResponderEliminar
  10. Cotidiano retratando a doçura poética das sutilezas!
    Belo!
    Beijo carinhoso!

    ResponderEliminar
  11. Ler seu escrito me fez pensar em que há momentos que a alma precisa somente de quietude e aconchego, e de alguém que nos compreenda. :) Abraços!

    ResponderEliminar
  12. Um texto muito belo. A melancolia, o desassossego, a poesia, a indiferença, tudo reunido num pequeno mas intenso texto.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  13. Letras de pura sensibilidade...
    Boa semana.
    Beijo.

    ResponderEliminar
  14. O tempo de recolhimento, das luzes outonais da Terra aos outonais da vida...que sejam suaves e belos como o seu belo e verdadeiro texto poético.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  15. Talvez um aviso. Um fio de desassossego. Talvez a subtileza de um raio de sol... Obrigada, AC. Boa semana :)

    ResponderEliminar
  16. Que bonito este conto, AC! Um translúcido fio de desassossego não é nada, quando ainda se pode ler à vidraça e apreciar um raio de sol quentinho :)
    Beijinhos, boa semana!
    (O meu microondas trabalha que se farta ;))

    ResponderEliminar
  17. Ao fim de algumas linhas no entanto, fechou o livro e perguntou: "Queres comer um pouco de queijo com maçã aqui comigo junto à janela?"
    Apesar de tudo, o outono sempre nos trás alguma esperança :)
    Beijinho AC

    ResponderEliminar
  18. Desenha -se aqui um Outono , será o da vida ? Talvez seja ,apenas , o de um certo cansaço .
    Costumo gostar do desta estação ., mas este ano doem-me os olhos , também, e o prazer de apanhar , do chão , as belas folhas , tornou -se como que num gesto mecânico ..

    Mas amanhã , bem cedinho , farei um esforço para homenagear a " minha estação " e fazer jus a este belo texto, assim como à linda imagem que o acompanha .

    Um beijo AC ,
    Maria

    ResponderEliminar
  19. O outono pode ser mágico e aconchegante.
    Magnífico texto, gostei imenso.
    Um abraço caro AC.

    ResponderEliminar
  20. A ler a "rever" a cena e a pensar, e o gato? e eis que ele aparece a aninhar-se nos pés, também podia ser no colo, e nos pés o cão...

    gostei muito!

    boa semana..

    beijo

    :)

    ResponderEliminar
  21. Cada tempo com os seus cheiros, a sua magia e a descoberta de que tudo, afinal, poderá resumir-se a um raio de luz e a um aconchego.
    Abraço
    Olinda

    ResponderEliminar
  22. Pintou um quadro tão terno e tão quentinho; AC. Como só as tardes de Outono podem ser, quando um raio de sol as enfeita e o cheiro das castanhas assadas invade as ruas.
    Preparar para o Inverno é tarefa que me entristece um pouco. Faz-me sempre falta o sol mas, por outro lado, abre-se a época do chá cá em casa (o que compensa um pouco).
    Beijinhos, uma linda semana
    Ruthia d'O Berço do Mundo

    P.S. De Hong Kong a Ponte de Lima é apenas um salto. Este planeta é um bairro ;)

    ResponderEliminar
  23. O Outono exterior, e o Outono interior, no qual uma vida, no pressentimento do seu próprio Inverno gera um desassossego existencial. Mas até a esse desassossego,um simples raio de sol consegue criar verdadeiro aconchego.
    Belo texto, AC.
    xx

    ResponderEliminar
  24. AC,
    Uma tela magnífica para ilustrar o seu texto outonal; melancólico mas que, apesar de tudo, tem a calma dos dias: com o vislumbre do sol e o afecto do gato.
    Beijinho e agradeço esta partilha.:))

    ResponderEliminar
  25. Se quisesse pintar um ameno quadro de outono , inspirar - me-ia nestes pormenores que falam da alma de quem sente . E a tonalidade do sol seria a cor da paz para o meu refúgio .
    Belo!
    Beijinho AC

    ResponderEliminar
  26. Uma cena de outono, tão lindamente "pintada" em palavras!
    Obrigada, AC, beijo!

    ResponderEliminar
  27. Um texto maravilhoso. No outono a liturgia dos gestos repete-se, intacta, definitiva, aparentemente alheia da vida...
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  28. Esta tela viva preencheu-me inteiramente.
    Um momento mágico, tal como o outono.

    Beijinho


    ResponderEliminar
  29. Nós somos seres da natureza e como ela, temos as nossas estações. Como sabes, estou no Brasil, acompanhando a minha mãe que, apesar da linda Primavera brasileira foi acometida de um frio g[elido que a vida, sem aviso lhe enviou. Ela, forte, resistiu e, creio, vai desafiar a vida aproveitando o perfume das flores e o chilrear dos pássaros: sentada na varanda da sua casinha vai conseguir falar com as orquideas e rosas de que tanto gosta..
    Vi que visitou o Começar de Novo . Espero que tenha gostado e que volte mais vezes. Não sei quando farei nova publicação, mas será um gosto contar sempre com a sua visita. Fique bem e obrigada. Beijinho
    Emília

    ResponderEliminar
  30. Mais um daqueles seus textos que passam tranquilidade para o lado de cá. Neste primeiro dia de Novembro onde o desassossego se faz sentir um pouco, é bom que existam pessoas que nos atiram letras e não farpas. Digo eu , mas que sei eu...

    Boa semana, AC (não tarda está aí) :)

    ResponderEliminar
  31. ... a fazer-se de desentendido. E, por dentro, um sorriso a alumiar-lhe a alma.
    Muito belo, isto. Obrigado.

    ResponderEliminar
  32. Vemos os ciclos da natureza como normais e até os exultamos (ainda há pouco tempo escrevi sobre isto); mas os outonos que vão passando pelos anos das pessoas, vão deixando as suas marcas. E o brilho vai-se perdendo...
    Belo e emotivo texto, AC.
    Meu bjo :)

    ResponderEliminar
  33. "Doem-me os olhos de tanto já ver, argumentas, a consciência da mortalidade retira encanto à tonalidade das folhas. E, depois, perante o inevitável, para quê inventar novas formas de comunicar?"______ Tão real .... aos poucos o que era deixa de ser .... o ciclo da vida.... uns conseguem novas formas de comunicar, outros nem tanto....
    _____Lindo quadro, de um rústico poético e sensível!

    Beijinho, AC

    ResponderEliminar