sábado, 30 de setembro de 2017

O MURO

.
AC, Filtro outonal
.
.
Há um sol, ao de leve, que me aquece de mansinho, como se tentasse perpetuar aquilo que é breve, alquimia de poeta que tudo quer abraçar.
Rompe a névoa, aqui e ali, pintalgando conceitos efémeros, como se tudo fosse nada. Vão-se as andorinhas, rendidas ao capricho solar, e eu para aqui fico, tentando amarrar, na tela, o intangível, como se a simplicidade do ciclo da vida fosse quadro para emoldurar.
Sento-me na pedra de granito, altaneira, filtrando a luz que se insinua nas folhas, dando-lhes uma vida única, própria de cada instante. Sinto que, para lá da sinfonia de cores, estamos mal preparados para o que se segue, queríamos a vida sempre à mercê. É por isso que olhamos com desconfiança a velhice, quase não reparando na sabedoria acumulada. É por isso que continuamos a não saber enfrentar a morte, olhos nos olhos, quando é a única certeza que transportamos a tiracolo.
Há um sol, ao de leve, que me tenta iludir na certeza, desafiando-me para a descoberta de outras certezas. E eu, eterno crente na dignidade, como se não houvesse outro rumo, continuo a investir contra o muro, partindo pedra após pedra. Talvez, quem sabe, um dia consigamos saber aquilo que andamos cá a fazer.
.
.

22 comentários:

  1. O sol é como a maré, presente desde sempre e para sempre.
    A pele aquecida, mesmo pelo sol que começa a ser de inverno, ou o sal que permanece depois de submergir no mar, ligam-nos ao tudo e ao sempre. Num momento eterno, onde não há envelhecer nem morte. (Nem muros)
    Inquietaste-me na minha própria experiência de finitude. Particularmente hoje. É uma data especial para mim no que toca a este tema.
    Que haja sol
    Que haja mar
    Que haja pele

    ResponderEliminar
  2. Textos e reflexões sempre maravilhosos !
    Como eu gostaria de o saber fazer com esta maestria, AC ! ...
    Obrigado !
    Abraço :)

    ResponderEliminar
  3. Por aqui, logo teremos as andorinhas de volta (elas vêm do Canadá).

    Um abraço e uma ótima semana!

    ResponderEliminar
  4. ...Ou talvez nunca o saibamos, mas enquanto houver na face da terra, pessoas como tu, continuando a partir pedra e desbravando caminhos tortuosos, feitos de lonjuras, haverá sempre esperança de dias melhores e a aceitação de que o fim começa com o princípio. Saibamos nós apreciar o que de bom temos para dar e receber, no entretanto...

    Um beijinho e obrigada, A.C.

    ResponderEliminar
  5. Mais um texto formidável, que sempre nos deixa a pensar...
    O que andamos cá a fazer?... A procurar incessantemente, aquilo que nem sempre damos... mas que todos achamos, que temos direito a receber... amor e aceitação!
    Beijinho! Bom domingo!
    Ana

    ResponderEliminar
  6. Vc me fez lembrar quanto eu gosto de você lhar pelo muro do Itanhanga e admiração a visita a sempre tao bela.
    Bj

    ResponderEliminar
  7. "É por isso que olhamos com desconfiança a velhice, quase não reparando na sabedoria acumulada. É por isso que continuamos a não saber enfrentar a morte, olhos nos olhos, quando é a única certeza que transportamos a tiracolo."

    e já com imensos calos nas mãos e na alma termino com mais palavras tuas:

    " E eu, eterno crente na dignidade, como se não houvesse outro rumo, continuo a investir contra o muro, partindo pedra após pedra."

    Bonito, tocante, verdadeiro e com imensa verticalidade...tomara que muitos que te lêem consigam ver e aprender porque ninguém ficará para semente.

    Um abraço do tamanho do mundo e obrigado

    ResponderEliminar
  8. Oi, A.C.o efêmero também pode ser belo se soubermos apreciar a beleza de cada momento...melancolia é o efeito paralelo a quem se casa com a poesia.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  9. Os muros são construidos para impedir a passagem, mas quantos mais muros se constroem, mais formas procuramos de os ultrapassar, sei que não devia mas eu, luto constatemente para saltar alguns, estáme no sangue....
    Boa noite AC

    ResponderEliminar
  10. Fico sempre fascinada com os seus textos, tão poeticamente belos.
    Abraço

    ResponderEliminar
  11. Mais um texto poético e belo a convidar-nos a saborear cada palavra e a reflectir sobre elas. A vida. A vida que passa, que é breve, que nos vai sulcando o corpo e a alma...
    Uma fotografia maravilhosa!
    Uma boa semana.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  12. Bom dia Caríssimo poeta da minha alma tenha uma linda semana:)

    ResponderEliminar
  13. AC
    há muros que precisam ser derrubados.
    texto esperançoso.
    boa semana.
    beijinhos
    :)

    ResponderEliminar
  14. É a vida é composta por pequenos nadas que só os poetas da vida sabem valorizar. Gostei muito AC, poeta nosso. Abraço.

    ResponderEliminar
  15. Diz-me AC...
    A tua serra tem Eco? Devolve-te pensamentos, fruto da sabedoria secular de quem não pensa na finitude, sem moral nem julgamento? Devolve-te de alguma forma alguma coisa para pensares?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Há pensamentos que parecem pertencer a um lugar. Que só nos ocorrem num determinado contexto, face a uma paisagem. Claro que acho que não pertencem à serra, mas que na tua ligação à serra, à paisagem, às cores, aos sons, no teu percurso de vida, surgem, naquele momento preciso, como se fossem um eco de uma sabedoria que te ultrapassa.
      Eu sinto isso às vezes, quando estou só, perante um cenário belo e único.
      (Não sei se me expliquei)

      Eliminar
    2. Estas coisas, Boop, só acontecem porque sentimos a vida, que se reflecte em tudo o que nos rodeia, nos envolve... Gosto de colocar a Natureza como cenário de muitos textos, mas o mote, como muito bem deves perceber, são sempre as pessoas.

      Abraço

      Eliminar
  16. Talvez . . .
    Há momentos que temos leves levantar da cortina .

    Escrever belíssimos textos , um feito . . . [ como um um senhor que conheço através destes ].

    E se pararmos um pouco , até mesmo na investida contra o muro , vamos vislumbrando pequenos indícios .

    Beijo grande A.C , e bom feriado .

    ps : a foto é óptima .

    ResponderEliminar
  17. Belíssimo texto e como me revejo nele, a palmilhar a incerteza a cada instante.
    beijinho

    ResponderEliminar