sábado, 8 de julho de 2023

PESADELOS NOS INTERVALOS DE OBSERVAÇÃO DAS FLORES

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Margarida Cepêda, Tocando para o abismo
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Eles, os mais velhos, vestiam a pele de sabedores. E discorriam, adoçando as palavras quanto baste, procurando despertar nos mais novos a apetência pela conquista. Mas, na intimidade, desconfiavam.
Eles, os mais novos, vestiam a pele de educados. E, em nome do respeito, evitavam a acidez das palavras para os confrontar com a herança dum mundo em decomposição. Mas, na intimidade, contestavam.
Não houve simbiose na argumentação, longe disso, mas houve, pelo menos, o deglutir duma bela refeição, qual pausa para o encarar dum futuro muito próximo, com a noção de tempo a esvair-se perante as ideias feitas personificadas numa flor: os mais velhos confrontados com a ida para um lar, qual flor murcha, os mais novos com a sobrevivência num mundo sobrelotado, qual flor por inventar.
Se fosse o ensaiar duma peça, o encenador teria o grande desafio, como pano de fundo, de saber retratar a angústia. Com a esperança, de forma muito dissimulada, a tentar espreitar.
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6 comentários:

  1. Não creio que eu já tenha lido alguma coisa mais lúcida quanto à tensão entre o pensar de mais velhos e mais jovens.
    Fico apenas imaginando se, em tempos remotos, quando o parecer dos mais velhos era publicamente incontestável, não estariam os jovens, intimamente, a questionar o que viam, ou se, pacientemente, esperavam a vez de impor as ideias.

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  2. Todos nós já fomos jovens e ai daquele que não respeitasse os mais velhos e não só. Uma vida dura, durrísima devido à mão da ditadura.
    Hoje como velha que sou, ao longo da carruagem da vida consegui transmitir os valores necessários para uma sociedade saudável. Mas infelizmente muitos não o conseguiram fazer e deram tudo aos meninos e meninas sem a etiqueta do bom comportamento e respeito familiar e como custa ganhar a vida. Também afirmo que em muitos casos a adoslecência é tramada e as consequências do alcool e drogas, mas partindo cabeças assumindo as mesmas.
    Hoje olho para as belas flores que tenho sem lamechices mas muito bem regadas e de cores garridas e o respeito de todos pela minha mãe que quis ir para um lar e aí de quem lhe fizer mal!
    Obrigado AC por este momento de reflexão e que subscrevo!
    Beijos e um bom dia

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  3. O estado das coisas agudizou, é fora de dúvidas. Mas nem me parece que os mais velhos pintem o quadro de forma a esconder as preocupações sobre o futuro deles, mais novos; nem os mais novos, se acaso lho disserem, acreditam. A informação, tanta vez excessiva, não autoriza, a uns e a outros, grandes devaneios. Mas o panorama do que espera os dois grupos não é pacífico. O mundo não é e nunca foi pacífico.

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  4. A velha luta cultural entre os mais velhos e os mais novos. Linda foto.
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    Votos de um domingo feliz
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    Pensamentos e devaneios poéticos
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  5. Respeito pelos mais velhos é algo que sempre incuti nas minhas filhas.
    Nem se discute.
    Podemos discordar, nunca desrespeitar.
    Abraço, boa semana

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  6. Retratar a angústia. A lucidez deste texto já o faz ainda que de forma subtil. Afinal o mundo é um lugar tão frágil...
    Uma boa semana.
    Um beijo

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