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Há uns anos atrás percorriam o país de lés a lés, e havia sempre um sítio qualquer onde faziam emergir a sua arte. Encantavam aqui, faziam rir ali, e no dia seguinte lá partiam com o quinhão possível, a paga de quebrarem um pouco a modorra dos dias sempre iguais dos locais por onde passavam.
Não gostavam de amarras, e pouco tempo permaneciam no mesmo lugar. Sentiam-se bem nas asas do vento e gostavam da companhia das estrelas. O amanhã não os preocupava.
Os tempos mudaram, e as maravilhas ambulantes começaram a ter a concorrência desleal das novas tecnologias. Hoje tudo se vê na televisão, na Internet. E está tudo tão à mão que as pessoas deixaram de sair, de conviver, de arejar. E quanto mais vêem as desgraças do mundo num qualquer telejornal, mais se fecham dentro de quatro paredes, como se esse gesto as preservasse das intempéries da vida. Deixaram de rir de si próprias, de dar crédito ao deslumbramento da fantasia, não reparando que, a pouco e pouco, se aproximavam mais do abismo. E os saltimbancos de outrora deixaram de maravilhar.
Mas, vá lá saber-se porquê, ainda os há por aí. Resistem ao tempo, tentando contrariar tendências irreversíveis, não sabendo viver doutra forma. Lutam por se sentir incluídos numa sociedade que os exclui, a todo o instante, por falta de calibragem num mundo formatado. No fundo consideram-nos marginais, esperando que se extingam por si próprios.
Há dias esteve numa escola um casal de resistentes. Em privado queixaram-se dos tempos, da indiferença das pessoas, falaram da luta travada para conseguirem comer. Mas quando chegou a hora do espectáculo, os lamentos desapareceram. Imbuíram-se da sua essência e maravilharam miúdos e graúdos, fazendo com que a plateia entrasse num patamar onde a gargalhada e o olhar de espanto ditavam leis.
No final, satisfeitos, agradeceram a atenção e a atitude do público. É que, para além do pão-nosso de cada dia, esta casta de gente também se alimenta de aplausos.
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Não gostavam de amarras, e pouco tempo permaneciam no mesmo lugar. Sentiam-se bem nas asas do vento e gostavam da companhia das estrelas. O amanhã não os preocupava.
Os tempos mudaram, e as maravilhas ambulantes começaram a ter a concorrência desleal das novas tecnologias. Hoje tudo se vê na televisão, na Internet. E está tudo tão à mão que as pessoas deixaram de sair, de conviver, de arejar. E quanto mais vêem as desgraças do mundo num qualquer telejornal, mais se fecham dentro de quatro paredes, como se esse gesto as preservasse das intempéries da vida. Deixaram de rir de si próprias, de dar crédito ao deslumbramento da fantasia, não reparando que, a pouco e pouco, se aproximavam mais do abismo. E os saltimbancos de outrora deixaram de maravilhar.
Mas, vá lá saber-se porquê, ainda os há por aí. Resistem ao tempo, tentando contrariar tendências irreversíveis, não sabendo viver doutra forma. Lutam por se sentir incluídos numa sociedade que os exclui, a todo o instante, por falta de calibragem num mundo formatado. No fundo consideram-nos marginais, esperando que se extingam por si próprios.
Há dias esteve numa escola um casal de resistentes. Em privado queixaram-se dos tempos, da indiferença das pessoas, falaram da luta travada para conseguirem comer. Mas quando chegou a hora do espectáculo, os lamentos desapareceram. Imbuíram-se da sua essência e maravilharam miúdos e graúdos, fazendo com que a plateia entrasse num patamar onde a gargalhada e o olhar de espanto ditavam leis.
No final, satisfeitos, agradeceram a atenção e a atitude do público. É que, para além do pão-nosso de cada dia, esta casta de gente também se alimenta de aplausos.
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Amigo, é sempre um enorme prazer ler os teus textos. O teu olhar de poeta está sempre presente, e ainda bem para nós.
ResponderEliminarAbraço
Como eu me lembrei agora dos saltimbancos da minha infância! De repente desapareceram e nunca mais pensei neles.Eram de todos os tamanhos e de todos os risos e lágrimas. Atravessavam as ruas e a pequenada acompanhava-os com risos e aplausos.Numa dessas vezes um deles pegou em mim ao colo e disse-me "rens uns olhos de esmeraldas", ollha que são valiosos, tomabem conta deles. Será que foi por isso que nunca os fechei para a atenção que a vida exige? Quem sabe!!!
ResponderEliminarDe que cor são os seus olhos, poeta da serra?
A tua crónica fez-me recuar ao tempo da minha infância!
ResponderEliminarQuando chegavam os saltimbancos, a festa ecoava por todo o bairro...
Era tempo de se viver em comunidade e partilhar a alegria de nos sentirmos em família...
Tão diferente dos tempos actuais...
Um abraço, com votos de Páscoa feliz!
Jorge,
ResponderEliminarTambém gosto de te ter como leitor.
Um abraço.
Ibel,
ResponderEliminarOs saltimbancos resistentes tentam adaptar-se aos novos tempos, e já dispõem de carrinha e aparelhagem.
O casal que esteve connosco tem uma filosofia de vida muito interessante, e foi um prazer conversar com eles.
José,
ResponderEliminarOs tempos estão diferentes, sem dúvida - e estamos a falar de valores - mas ainda há muita coisa boa por aí. E tu sabes disso.
Um abraço e uma Páscoa feliz também para ti.
É extraordinário o momento da sua actuação.
ResponderEliminarA magia que realizam vai muito além dos pequenos truques que, profissionalmente, enlaçam de cor. Magicamente, embarcam o público numa saborosa sensação de cumplicidade, cor e fantasia, criando outras magias que, vislumbradas nos olhos de crianças, deliciam os olhos de qualquer adulto (embora me pareça que, por momentos, só vi olhares de criança!:).
Naquela tarde, por mais fotografias que se tirassem, sabíamos que os risos e olhares "de boca aberta" ficariam guardados na memória de quem simplesmente acolheu e viveu tal espectáculo.
Há maravilhas que, felizmente, nem o tempo nem as novas tecnologias conseguem "deletar".
E já que ainda existem e resistem, só temos de contribuir para que sobrevivam com a dignidade que merecem!
JB,
ResponderEliminarObrigado pelo teu testemunho, pois tiveste oportunidade de assistir ao espectáculo.
Nas conversas tidas com o senhor António Moreno, o cabeça de casal, este teve oportunidade de nos contar algumas peripécias das suas andanças. Referiu-nos, por exemplo, as dificuldades sentidas sempre que abordam alguma associação recreativa: "O presidente não está", "é preciso reunir a direcção"... E a coisa dá sempre em nada. No Verão passado resolveram arriscar e foram até à Espanha, e aí a receptividade que sentiram foi totalmente diferente. E sentiram-se acarinhados. Cada sala de espectáculos tem apenas um responsável, com poder deliberatório, e as coisas acontecem num ápice. Este Verão vão para lá novamente, pois os "nuestros hermanos" continuam a gostar de festejar a vida.
Gostaria de deixar aqui o contacto destes nossos amigos, mas estou farto de dar voltas e não o encontro. Pode ser que, entretanto, ele apareça.
Nunca tive o privilégio de me cruzar com essas pessoas que, como diz, "gostam da companhia das estrelas". Ao ler o seu texto, admiração foi o que senti. A despeito de todas as dificuldades, são pessoas que não abdicam e o seu olhar é, certamente, mais puro e genuíno (e é isso que falta nos dias que correm, genuinidade...)
ResponderEliminarE.A.,
ResponderEliminarEstas pessoas estão cerzidas nos grandes espaços, fora da rotina prazenteira do comum das pessoas. Vivem por perto - pois não podem passar sem os outros - numa fronteira difusa entre a obrigação e a despreocupação. No fundo funcionam como uma espécie de espantadores de espíritos, limpando um certo "limbo" da cabeça das pessoas. O que revela a sua utilidade. Contudo, e é bom frisar isso, os que restam lutam, fundamentalmente, por pão. E quando o têm, a sua veia de saltimbanco vem sempre à tona. Ainda bem.