sábado, 8 de maio de 2010

O REI QUE GOSTAVA DE FILHÓS

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Os filhos crescem num ápice e, sem nos darmos conta, o voo da autonomia começa a insinuar-se.
Mas não foi assim há tanto tempo que eles dependiam totalmente de nós. À memória vêm-me, por exemplo, os seus três anitos, tempo em que cada refeição implicava uma história nova, um excelente exercício para a capacidade inventiva do progenitor, que tinha que ser criativo na hora. Muitas histórias surgiram da inspiração do momento, de que é exemplo esta sobre filhós. Que, creio, surgiu para atenuar a fixação dum deles em determinado alimento. Que não as filhós, iguaria de que nunca foram apreciadores.
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Era uma vez um rei que gostava muito de filhós.
Ora, na terra do rei, o Reino da Calmaria, era hábito fazer filhós apenas no Natal e no Carnaval. E o rei Ramiro, que era doido por filhós, passava o resto do ano a suspirar que chegasse o tempo delas.
Um dia, quando passava junto à varanda do palácio, um conselheiro viu o rei a suspirar.
- Que se passa, Alteza?
- Apetecia-me comer filhós, mas ainda falta muito para o Natal. Nem sei que faça!
- Alteza, mas há uma solução para o vosso problema. Não sois vós o rei? Então ordenai aos vossos pasteleiros que façam filhós, e fica o problema resolvido.
O rei gostou da ideia. E imediatamente mandou chamar os pasteleiros à sua presença, para lhes dizer que, a partir daquele momento, queria comer filhós todos os dias.
E assim foi. A partir daquele dia o rei Ramiro passou a empanturrar-se de filhós. Comia-as ao pequeno-almoço e ao lanche, e só não as comia ao almoço e ao jantar porque a rainha Margarida o conseguiu convencer de que aquela atitude era imprópria dum grande monarca.
Os dias foram passando, e o gosto do rei pelas filhós não parecia esmorecer. A família real é que não o acompanhava no gosto. E, passado pouco tempo, todos arranjaram uma desculpa para não partilhar a mesa do rei à hora do lanche e do pequeno-almoço. A rainha dizia que estava com enxaqueca; o príncipe João alegava que tinha aula de equitação; o príncipe Luís invocava o estudo dos astros, pois andava a aprender astronomia...
O rei, rodeado de filhós, encolhia os ombros e não de importava. E os dias iam passando.
Um mês depois, o rei Ramiro já não comia as filhós com a mesma vontade. E, se antes comia três ou quatro, agora só comia duas ou mesmo uma. Começava a ficar farto de filhós.
Passou mais uma semana. E, sem surpresa para ninguém, o rei já só debicava um ou outro bocadinho de filhó. Estava farto!
O rei voltou a chamar os pasteleiros. E, a partir daquele dia, só se comeriam filhós no Natal e no Carnaval.
Quando souberam das novas ordens do rei, os habitantes do palácio ficaram contentíssimos, pois já ninguém suportava o cheiro das filhós. E o rei, enquanto se deliciava com uma peça de fruta, passou a ter a alegre companhia da família a todas as refeições.
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19 comentários:

  1. Quando a minha filha era pequenina, a hora de a deitar era a da minha invenção criativa. E eu regalava-me porque a Ana abria os olhos com muita atenção e corrigia-me sempre que eu tentava encurtar ou alterar a história.E o sono nunca mais vinha...
    Gostei especialmente desta história porque contém ensinamentos: os excessos nunca dão bom resultado e a vida e os prazeres têm de ser regrados.Mesmo para os poderosos...
    Mas tenho de lhe confessar uma coisa em segredo. Eu adoro filhozes. É o meu doce preferido.Quem as fazia bem era a minha tia, irmã da minha mãe,vinda dessas alturas da serra.
    Agora é o meu cunhado que as faz e muito bem. No dia dos meus anos, foi o presente que me trouxe. Comi sete seguidinhas. Será pecado de gula?
    Abraço, Agostinho!!!
    Mande-me uma filhós...

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  2. Com os meus filhos a hora da história eram duas: ao deitar e à refeição, mas esta desapareceu à medida que se foram tornando autónomos à mesa.
    No fundo eles ajudavam a construir as histórias, pois interrompiam constantemente para fazer perguntas. E, às vezes, isso era o suficiente para que a narrativa mudasse de direcção.
    Também gosto de filhós, ou filhoses, se bem que me contente com apenas uma (filhó ou filhós).
    "Comi sete seguidinhas. Será pecado de gula?"
    Gula dos sabores ancestrais, dos afectos familiares...
    Um abraço.

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  3. É pena. É com muita pena que verificamos hoje, em dia, que muitos pais não contam histórias aos filhos. Umas vezes por falta de tempo. Outras por razões meramente inconsistentes. Quanto à história das filhós é simbólica e significativa. Ela diz-nos como é difícil exercer o Poder com moderação e equilíbrio. Mostra-nos o exagero dos homens poderosos, tão comum, ao longo dos tempos.
    Apresentei aqui dois aspectos pelos quais analisei o teu "post". Mas vejo nele mais do que isso: vejo a alteração do "modus vivendi" de toda uma civilização ancestral; vejo, também, a dificuldade de os pais deixarem que os filhos se debatam com tenacidade para se libertar do casulo que os há-de tranformar em maravilhosas borboletas. Tenho consciência que tudo isto é feito por Amor, o que dificulta, extraordinariamente, as coisas. Mas a Razão diz-nos que só deixando os queridos rebentos enfrentarem a vida e ultrapassando obstáculos é que se tornam Mulheres e Homens com maiúscula.
    Ainda interiorizei mais alguns conceitos e preconceitos mas, como o comentário vai longo, fico-me por aqui. Digo apenas que as filhós não são o cerne da questão.
    Abraço
    Caldeira

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  4. Caldeira,
    Sempre pertinente nos teus comentários.
    Educar, hoje em dia, não é tarefa fácil, principalmente para aqueles que são obrigados a cumprir horários desmedidos, privando-os do contacto com a família. A solução encontrada pelas políticas vigentes tem passado por deixar as crianças "encerradas" o dia inteiro na escola, e todos sabemos que o espaço escolar, apesar da boa vontade dos intervenientes, não pode substituir a família. Tempos difíceis!
    Um abraço.

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  5. Contar histórias é um dom, e sabê-las contar não é para todos. Sinceramente sempre gostei de ler e depois contá-las à minha maneira.As mais velhas tivéram a sorte de eu o fazer, porque para além de lermos histórias, fazíamos jogos, estudávamos juntas... Agora, falta a paciencia, o tempo, porque é tudo a correr há sempre tantas coisas e tarefas a cumprir, e a mais pequena queixa-se que estou sempre ocupada e nunca tenho tempo para ela; mas tambem, ao contrario das manas, não alinha muito em estudar comigo, começa a "gozar-me" não sei se no bom se no mau sentido e daí, o seu ultimo comentário, Professor Agostinho,e o anterior, ser bastante pertinente, e a mensagem tem muito que se lhe diga.
    Quanto às filhós, com a foto, fiquei com água na boca, porque ao contrário da maioria das pessoas, eu, gosto das coisas fora da época, têm um sabor diferente. Se calhar porque nasci num país diferente, num clima diferente, com pessoas diferentes mas que agora não passam de utopia.

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  6. Ana,
    A propósito da importância da leitura de livros aos filhos, deixo aqui um link muito interessante...
    http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1564613

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  7. Lembro-me bem do tempo das minhas histórias e, no outro dia, aventurei-me entre o bricabraque da garagem e lá consegui recuperar os velhos livros da minha infância. Era o meu pai quem me lia as histórias. Sempre as mesmas. Acabei por decorar algumas, que fingia ler perante a minha tia Fernanda, encantada com as façanhas da sobrinha...

    "Que azul tão azul tinha/Ali o azul do céu!" (Pessoa)

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  8. E.A.,
    As histórias que ouvi em pequeno tinham outra configuração, que os tempos eram outros. Mas o meu pai, quando estava com disposição, era um grande contador de histórias. Recordo com saudade as narrativas do João Pequeno, Do Arranca Pinheiros e do Arrasa Montanhas, das lendas das princesas mouras encantadas...
    Os serões tinham encanto, com toda a família disponível para o encantamento. Bons tempos!

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  9. Gostei de ler a história, principalmente pelos ensinamentos que tem.
    Também costumo ler para os meus filhos quando se deitam. É sempre um momento de muita cumplicidade. Quando se deixam dormir gosto de os observar. Dormem na paz dos anjos.
    Abraço

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  10. Palavras para quê?
    Um abraço também para ti, pai babado!

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  11. É bom ver as nossas crias crescidas buscando os seus caminhos…
    Que saudade tenho das horas das refeições nas férias em que cada em de nós tinha que dar largas à imaginação para contar histórias mirabolantes para os nossos gaiatos comerem.
    E eram uns privilegiados… Hoje era a história da tia, logo do tio, amanhã da mãe…
    Eles sabiam-nos levar … Tudo fazia parte de um jogo.
    E as festas de aniversário da menina, tão pouco convencionais, mas tão diferentes que ela nunca quis outra. Aquela é que é festa, era tudo pensado só nela.
    Agora é diferente, mas é bom sentirmos que com estas pequenas coisas os nossos meninos ( já grandes)são nossos e que ainda de vez em quando perguntam “Como era?”
    Estou muito nostálgica… Preciso de ir de férias.

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  12. Agradeço a sua indicação Sr Profesor.Já consultei. Na minha infancia curta, como já lhe disse os seis anos de Angola onde nasci e que me trazem as melhores recordações e onde eu fui tão feliz, tambem tive o previlégio da mãe contar muitas histórias e o pai sempre que possível, tambem o fazia. Na hora da refeição guardo uma lembrança pouco agradável, de quando eu dizia, "não gosto disso" o meu pai com a sua calma e voz militar dizia "pois é, Paulinha, então, é a primeira coisa que vais comer". Com as minhas filhas mais velhas, eu contei e li muitas histórias, adorávamos acrescentar algo, só que à pequena agora com os 11 anos que a separam delas, tambem conto, e leio, menos que com as manas, confesso, mas sempre que vai dormir, até porque ela o diz no poema que me dedicou no dia da mãe e ontem comentavamos eu e a educadora dela, a mesma coisa, ela precisa dos meus batimentos cardiacos para adormecer e nunca me deito sem a aconchegar e beijar e ás mais velhas quando cá estão... e elas dizem sempre, "que saudade mãe" não estares mais perto durante a semana para o fazeres. A minha avó materna com quem partilhei dos 6 aos 10 anos, não sabia ler mas contava-me histórias lindissimas e lendas... enfim, a nostalgia é grande e a lágrima escorre, mas obrigada por me fazer recordar esses tempos e de me lembrar tb da minha avó, que já não está fisicamente mas que eu sinto sempre. E quanto às histórias, vou tentar arranjar mais tempo para as contar á mais nova, e relembrar as da minha avó.

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  13. Carolina,
    Eram tempos muito intensos, em que o crescer deles era uma descoberta constante. Ainda é, mas a pouco e pouco foram-lhes crescendo as asas, e os seus voos exploratórios da vida são cada vez maiores.
    No fundo, aquela praia funciona como ponto de reencontro, num ambiente em que o passado, o presente e o futuro se conjugam harmoniosamente. Creio que também há-de ser sempre a praia deles.

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  14. Hoje em dias os pAis vão-se esquecendo de contar histórias aos filhos, também vão tendo cada vez menos tempo para estar com eles, e os filhos crescem com um vazio...linda e ternurenta história, e a foto leva-me a sonhar com as filhós que a minha mãe fazia.
    GOSTO DESTE ESPAÇO.

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  15. Amigo, ontem li a história das filhós à minha filhota. Ela gostou e disse que te quer conhecer. Vai-te preparando. :)
    Abraço

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  16. Lilá(s)
    É um prazer recebê-la neste espaço.

    Jorge,
    Aparece quando quiseres.
    Abraço.

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  17. Minha 1ª visita.

    Achei o espaço variado e interessante.


    Saudações poéticas

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  18. Vieira Calado,

    Obrigado pela visita.
    Abraço

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  19. Adorei esta história
    Por tudo o que ela me fez lembrar :)
    Gosto de filhoses..ninguem as faz tão bem como fazia a minha avó maria...guardo o sabor, e tambem a travessa que ela tanto estimava e só usava para as filhoses na noite de natal...
    De facto tudo o que abusamos...acabamos de certa forma por enjoar...será? :)...mas percebi aqui a mensagem da história...melhor que comer todos os dias filhoses ...é comer em certas alturas acompanhados por quem amamos :)
    Um dos mimos que chamo á minha filhota mais velha..é filhÓ...
    Obrigada por este pedacinho tao doce ***

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