sábado, 16 de julho de 2016

POSTAL MERIDIONAL

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Sergei Aparin, Via del Pellegrino
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Galgadas as últimas curvas, a urbe desenha-se, inesperadamente, em cores delicadas, apelativas, numa pequena baía pintada num azul mediterrânico.
Durante o dia não se vê vivalma, mas ao entardecer, prenúncio de todas as coisas, o pátio das casas, antecâmara do palco de trocas e baldrocas, começa a ganhar vida. 
Nas ruas, cenário de aprendizagens geométricas, o sol faz vénia à sombra,  dando início ao desfile, enfeitado de subtilezas, em que se enaltece, mais que tudo, o gesto e o olhar, jogo de múltiplas promessas, quase todas vãs. Mas doces. Os aromas, moldados em partidas e chegadas, tendem em fixar-se em salsa e tomilho, impregnados, aqui e ali, de alecrim, mas é impossível ignorar, vinda dos lados do porto, a insinuação da canela. Os peregrinos do destino, embriagados pela envolvência do cenário, esquecem, por momentos, a delegação nos outros das suas atribuições.
Num qualquer pátio, em contra-mão, dedilhando uma guitarra, alguém teima em dissecar o caminho dos outros. Talvez, quem sabe, para reinventar-se a si próprio.
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37 comentários:

  1. Sempre gostei da forma como descreves os teus textos! É um convite a entrar em cena! Como se fosse a câmara de um filme...a conduzir a tua imaginação!

    E rematas duma forma brilhante, depois de rodopiar, eis que, existe um ponto fixo mas emotivo, um ponto com alma, um ponto solitário, um ponto por onde todos os outros passam... e que através de todos os outros, torna-se sempre um ponto obrigatório.

    Beijinho, AC !

    :-)

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  2. Gostar de música é algo que não se pode explicar, mas algo se pode dizer: ninguém toca uma música igual a outro instrumentista e nem igual ao compositor, por mais que se conheça a vida do autor da canção, todos a interpretam à sua maneira. Um abraço, Yayá.

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  3. O teu texto - tão envolvente e belo como todos os que escreves- e a tela de Sergei Aparin, fizeram-me lembrar um Pátio Sevilhano.
    Uma guitarra dedilhada em tom nostálgico e as belas sevilhanas, fazendo rodar os longos vestidos de folhos e batendo o tacão no chão, ao som ruidoso dos 'Olés'.
    Adorei este post. Tem salero, tem o perfume das ervas aromáticas e tudo o que eu gosto...

    Beijinhos e obrigada, A.C.! :)

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  4. Agostinhamigo (I)

    Bem bom! como cantavam As Doce, bem bom!!!!!

    Abç do Leãozão

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  5. Mais uma pérola...e revi-me porque por vezes, na viagem da vida ando em contra-mão, não a "dar música" mas sim para carregar as mochilas de quem tomba e assim conseguir que sigam "na sua vontade de...", marcando a diferença no "jogo de múltiplas promessas, quase todas vãs". Afinal de contas somos todos "peregrinos" a caminho de uma tabuleta com apenas três letras FIM!

    Um bom domingo

    Beijocas

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  6. uma "ambiência" mediterrânica muito bem descrita.

    (tens razão A.C. - há muitas palavras derivadas de teixo. o que reforça a ideia da importância histórica da árvore)

    abraço

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  7. Música e aromas... ambos falam muito do ser humano e e de onde estão. Nos reinventamos o tempo todo a partir do outro, mesmo de forma inconsciente. Diferente de sermos moldados. Abraços!

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  8. Um labirinto de palavras...que nos envolve como se fizessemos parte delas... perfeito...

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  9. Oi, A. C. um belo texto que nos envolve a partir de uma imagem e nos leva a outras paragens e quem sabe outros tempos, tudo muito vivo, sabores , odores e música ao longe. Lindo!
    Um abraço

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  10. Deliciosamente imagético este texto que cria o ambiente,
    os aromas e as cores intensas de uma localidade bordada
    por uma baía meridional, interior a Gibraltar...
    Gostei do contraste entre a delicada expressão poética e
    o frio surrealismo da pintura.
    Dias encantadores.
    Beijinho.
    ~~~~

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  11. Um pátio onde reina a sensibilidade das tuas profundas palavras e a liberdade das pombas! Adorei.

    Boa semana meu Amigo AC.

    Um beijinho

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  12. Estimado amigo poeta, muita habilidade para fazer com que o leitor penetre na cena. Eu me senti lá. Belissimo.

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  13. Uma das características mais marcante dos seus belos textos é puxar-nos para dentro deles .
    Este é um exemplo . Quem não gostava de se sentar, também , neste lindo pátio e adormecer ao som de uma guitarra misturado com todos os aromas que por ali passeiam ?

    AC muito obrigada por estes momentos de magia que tão bem fazem à alma .

    Beijo grande e boa semana ,
    Maria

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  14. Belo e envolvente!
    Detalhes do cotidiano com fundo musical!
    Feliz semana!

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  15. Como gostei da descrição deste ambiente! Senti-me envolvida nele e quase ouvi o dedilhar da guitarra. Muito belo!
    Um beijo.

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  16. aromas, e música, que se ouve o trinar da guitarra.
    um texto que me traduziu numa certa leveza de alma.
    gosto!
    boa semana
    beijinho
    :)

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  17. Há sempre uma guitarra
    a desbravar silêncios
    Abraço

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  18. "O sol faz vénia à sombra" :))
    O AC, sem cerimónia e com dedicação, faz vénia às palavras!
    Um texto com aroma e sabor!
    beijinho

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  19. Demais: "Os peregrinos do destino, embriagados pela envolvência do cenário, esquecem, por momentos, a delegação nos outros das suas atribuições.clique aqui."

    Belo texto, parabéns!

    bjs

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  20. O pátio, metáfora de palcos de vida.
    Mais um belo texto, com incidência descritiva mas pujante pelo léxico usado.
    Bjo, AC :)

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  21. Este cenário descrito com tanta leveza e perfeita pintura nos faz forasteiro a querer delegar nossas obrigações e embarcar neste cenário com tantos aromas ao som de uma guitarra, e ali sonhar.
    Lindo e perfeito poema, parabéns.
    Grande abraço, Léah

    PS: Muito obrigada por seu comentário lá no meu blog na postagem 'A Adolescente'.
    Abração, Léah

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  22. O que eu gostava neste momento de me reinventar...
    Beijinho AC

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  23. Uma das coisas que adoro no Verão é a vida que se reinventa quando o sol se põe, as melodias que se dedilham numa esquina, a brisa que conseguimos finalmente apreciar. As sombras acrescentam algo ao que já conhecemos...

    Grata pelo seus "acrescentos" sobre Alpedrinha e Castelo Novo. Infelizmente, esta última não me conquistou. Faltou talvez o guia certo.
    Abraço
    Ruthia d'O Berço do Mundo

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  24. Um pátio onde reina a serenidade, necessitava de um local assim para diminuir um pouco o meu stress.
    Belissimo!
    Um abraço
    Maria

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  25. Poeta , sua delicada e profunda descrição nos faz desejar fazer parte deste local . É muito bom vir ao seu espaço pois a cada semana o deslumbramento é maior . Muito obrigada . Beijos

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  26. Os labirintos da urbe... onde tantos... percorrendo caminhos comuns... ou diferentes... tentam achar o seu próprio caminho...
    Como sempre, por aqui, mais um texto formidável... leve... e, contudo, de uma profundidade e alcance incríveis!...
    Beijinho! Continuação de uma excelente semana, AC!
    Ana

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  27. Dentre os incríveis aromas da salsa, tomilho e até do alecrim, nada pode deter o exalar da insinuante canela. E a arte de reinventar-se, esta sim, pede um tanto imenso de poesia.
    Beijos AC.

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  28. Caro AC,

    Acredito que qualquer ambiente descrito pelo teu olhar
    de poeta, a se inscrever nas tuas palavras de excelência
    e inspiração, nos proporciona um momento mágico,
    mergulhando neste cenário.
    Nada como se reinventar a si próprio ao som de uma
    guitarra, um Blues, creio eu?...rss

    Uma semana inspiradora e na paz zen para ti!

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  29. Você parece ter um olhar precioso sobre o mundo.
    A tua detalhada escrita me fez entrar em cena! Que visão!

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  30. Senti todos os cheiros, palmilhei todas as ruas e sentei-me a ouvir o som profundo da guitarra.
    É assim que fico quando leio os seus esplêndidos textos, parabéns!

    um beijinho

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  31. Que descrição! Não faltou o mais ínfimo pormenor.Palavras escolhidas com uma sensibilidade poética extrema.Gostei.
    Abraço,

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  32. Bom fim-de-semana, de preferência com uma aragem fresca da serra, A.C.
    O calor põe-me apática, amorfa e doente. :(

    Um beijinho.

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  33. Bom dia!
    Dissecar a vida dos outros não leva a um bom caminho... mas o texto ficou lindo no seu todo!
    Abraço muito fraterno

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  34. Quem pinta uma tela assim há de saber da alquimia das palavras: das cores faz sons, dos aromas luz: aos "peregrinos do destino" seduz.

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