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AC, Beijo lunar
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Já lá vão muitos anos, mas é como se fosse hoje. Nas noites frias de Inverno, à lareira, os mais velhos gostavam de recordar, de contar, inundando a noite com personagens vestidas com roupagens muito próprias, como se nelas se escondesse a explicação das coisas. Eu adorava ouvi-los, hipnotizado pelas palavras e pelos gestos, e foi nessas histórias que comecei a desenhar o mundo, muito para lá da geografia que me rodeava.
Zé Rosendo é pura ficção, é claro, nascida num momento em que, no aconchego da lareira, a memória desses momentos se fez presente. E, em homenagem a eles, deixo-vos com o Zé Rosendo.
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Espreitava. Não por defeito, mas por condição. As noites bem podiam enrolar, num jogo de crescente aparece, crescente esconde, mas ela fazia-se sempre notar. Mesmo na ausência. E Zé Rosendo, bicho de pouca convivência, habituado à caça furtiva, sem nada para lá dos sentidos, sentia-se farto de tanto espreitar. Queria o mundo certinho, com tudo no lugar, como se a pequena parcela que habitava fosse o centro do mundo. Só assim as coisas, para ele, faziam sentido.
Uma noite, após dar voltas e mais voltas no toutiço, resolveu armadilhar a Lua, como se de bicho se tratasse. Comprou dois foguetes ao Estoira-Noites, fogueteiro de serviço nas aldeias circundantes, dirigiu-se para a Portela, sítio mais alto das redondezas, e preparou o foguetório. Quando a atrevida, bem redondinha, se balançou no céu, mesmo a jeito, o Zé Rosendo, soltando o caçador que lhe impregnava as entranhas, sacou do isqueiro e acendeu um cigarro. Depois, mal contendo a impaciência, ateou o primeiro foguete e orientou-o na direcção do disco amarelado.
Ainda o segundo foguete lhe beijava as mãos, prestes a partir, e já o caçador da Lua sentia que algo estava errado. Mas o objecto lá se esgueirou em direcção ao céu, enquanto a noite se enfeitava de pequenas lágrimas de luz, que caíam harmoniosamente, reabastecida aquando do estouro do segundo foguete.
Zé Rosendo, atónito com o espectáculo, sentiu-se testemunha de algo transcendente, como se de milagre se tratasse. Depois, diluída a euforia da luz, olhou de soslaio para a Lua e, lentamente, começou a ajoelhar-se.
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Caro Agostinhamigo I
ResponderEliminarBelíssimo texto que até me comoveu. Tens o milagre da escrita e eu nem sequer penso e caçar a Lua. Mas tu, qual Diana de arco bem retesado em punho, caças o veado, o búfalo, o elefante, o leão e o tigre, és capaz de caçar a Lua.
Resumindo: és um consagrado ESCRITOR Muito obrigado.
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NOUTRO REGISTO
Na sexta-feira da semana passada estava muito triste! E continuo a estar. A Raquel tinha ido acompanhar o meu irmão Braz (pois o cancro agravou-se) numa ambulância do INEM ao hospital de Santa Maria! Maldito cancro na próstata!. Estava com dores insuportáveis. O psa que devia ser 4 era 1520!!!!! Obviamente ficou internado. Hoje a Raquel esteve também lá e ouviu notícias alarmantes: o Braz já tem metáteses no fígado e ontem levou a primeira transfusão…
Estive e estou a esperar aqui em casa porque a bengala que uso não me dá a possibilidade de o acompanhar. Nem quero pensar que ele vai ficar tramado…esperando a partida para o nada.
Irei dando notícias.
Qjs do que assina desanimado e apavorado
Henrique, o Leãozão
Henrique,
EliminarLamento que estejas a passar por coisas pouco agradáveis, quando merecias uma velhice a fazer o que mais gostas.
Um abraço para ti e para a Raquel
Muito lindo e como é bom recordar coisas assim.Adorei! abraços, chica
ResponderEliminarObrigado, Chica.
EliminarRetribuo o abraço.
Pela primeira vez, na leitura de um texto teu, chego ao fim e fico a olhar para as palavras, na esperança de que elas se multipliquem dando continuação a esse misto de deslumbramento e perplexidade, de Zé Rosendo...
ResponderEliminarIntimamente, teço uma continuação. Mas essa é muito minha...muito terra-a-terra, sem qualquer efeito de feitiço lunar, muito menos milagroso.
Adoro estes teus devaneios, quer sejam inspirados, ou não, nas histórias ouvidas à lareira, nas longas noites de Inverno.
Quanto à fotografia, essa sim, deixou-me enfeitiçada, qual torito enamorado de la Luna. :)
Um beijinho, AC.
:)
EliminarJanita, desta vez o último parágrafo não indicia conclusão, essa deixei-a para o leitor. Foi intencional, se queres saber. :)
Um beijinho, Janita :)
Ah, seu maroto...bem me pareceu que aqui havia algo semi-encoberto...tipo gato escondido com rabo de fora!!:))
EliminarGrande Abraço! :)
:))
EliminarAchei um sabor especial no texto porque, há pouco, estava a observar à distância os foguetes coloridos que anunciam a inauguração das luzes natalinas em um ponto de Brasília. Outros mais virão nos próximos dias...
ResponderEliminarUm abraço, Tenha uma ótima semana!
Só por isso, Marta? :))
EliminarUm abraço e um grande obrigado pela constante presença, que tanto me agrada.
Caro poeta
ResponderEliminarpor instantes recordei o meu
Caçador de relâmpagos
Abraço
As lembranças me vieram a mente com o texto, tbm ouvia historias ao pé do fogo, e na minha imaginaçao as pessoas iam tomando forma.
ResponderEliminarZe Rosendo é como um desses personagens que me encantavam a infancia... adorei...
Beijos...
Aqui, deslumbrada com o Zé Rosendo, caçador da lua, também eu me ajoelho...
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
A lua enfeitiça. O Zé Rosendo comprova-o.
ResponderEliminarAC
ResponderEliminarRosendo enfeitiçado pela lua...não é o único.
beijinho
:)
Oi, A.C. belíssimo texto! fosse assim a vida semeada em poesia...
ResponderEliminarUm abraço
E la ficou Zé Rosendo rendido ao feitiço da lua. E nós às tuas palavras. Beijos de boa noite AC
ResponderEliminarBelos frutos rendem as histórias ouvidas na infância. Aqui se vê um belo exemplo disso.
ResponderEliminarGostei muito.
Já o disse mil vezes, vou repetir outras tantas - nunca vi uma luz natural como a de Portugal.
ResponderEliminarAquele abraço, boa semana
Sempre gostei de histórias.
ResponderEliminarTeria tanto para dizer das histórias da minha infancia.
Digo apenas que ainda me encanto a ouvir um bom contador de histórias. Acho que preciso da inocência, da magia, do maravilhamento.
(E assim se tornou quente uma noite fria de Dezembro)
Como sempre, eis mais uma partilha muito bonita.
ResponderEliminarO aconchego em volta da lareira nos dias de frio rigoroso, convida o encantar das histórias. A lua é uma diva feiticeira, no melhor dos sentidos.
Beijinho, AC.
A eterna magia das luas cheias. Um abraço AC.
ResponderEliminarO que a leitura tem de mais interessante, isto na minha opinião, é que nos obriga a construir os personagens, ou seja, mentalmente temos que imaginar como seria o 'nosso' Zé Rosendo - o rosto, a forma como sorri, como se veste, cada bocadinho do Zé tem que sair da nossa imaginação ao interpretar o texto. Dessa parte gosto muito, aliás, essa é a parte mais fascinante disto de gostar de ler, desenferrujar a imaginação.
ResponderEliminar(agora vou tentar imaginar como raio se armadilha uma lua, só a expressão já é deliciosa)
Boa semana, AC, aceite um beijinho :)
ps: a lua, ontem, por aqui, iluminava até a alma mais escura, nunca tinha visto tal coisa, a natureza em todo o seu esplendor)
Meu Amigo, cada texto teu é uma delícia para os nossos espíritos e faz-nos sonhar com o imaginário !
ResponderEliminarLindo, lindo e, afinal, a lua é qualquer coisa de transcendente e imortal, qual Deusa, lá no alto, que resiste a tudo, até a foguetes a ela apontados !
Sabes que este texto me trouxe de facto belas recordações de um familiar bastante idoso que, no tempo das idas à lua, dizia que isso era tudo treta e justificava : como seria isso possível, se ao tentar pousar lá um pé, ela, a lua rolaria e a pessoa cairia no espaço ! Não era o Zé Rosendo, mas talvez fosse muito parecido ! :)
Abraço e parabéns pelo maravilhoso texto !
Zé Rosendo sendo ficção, mas bem presente nas memórias que dão vida a belíssimos textos.
ResponderEliminarBeijinho AC com muito carinho.
Adélia
Um delicioso serão. Até lhe sinto as brasas. Muito bem escrito.
ResponderEliminarPrá próxima vez o espreitador, esperto como um alho, vai pôr visgo na corcunda da Gardunha e fica a espreitar, de longe, a Gorda a ficar de pés presos.
Abraço.
Sendo eu de um país tropical nas noites quentes deliciava-me por ouvir o meu avô, o meu pai e um vizinho com histórias do antigamente como diziam:)
ResponderEliminarO meu pai todas as noites (menos quando andava em viagem) contava-nos uma história inventada por ele..."O veado Billy" e como se fazia silêncio.
Recordo bem o luar de ou em Luanda, coisa que nunca vi por cá...mas essa de armadilhar a Lua está excelente e abençoados os "Zés Rosendos" que andam por aí!
Beijos
A lua sempre proporcionando uma aura de encanto e sonho... só sendo plenamente compreendida... por quem tem alma de poeta... como é o caso...
ResponderEliminarMais um texto belíssimo, da primeira à última palavra, AC!...
Parabéns! Beijinho! Boa semana!
Ana
Parabéns Bom Amigo!
ResponderEliminarMais uma belíssima história que só o Agostinho nos sabe encantar.
Queremos mais a pedido de muitas famílias!
Grande abraço!
És um caçador da lua, caro amigo! É que se vêem os seus raios nos tua mágica prosa poética.
ResponderEliminarBeijinho.
Como é bom , ainda sermos capazes de nos ajoelharmos perante a natureza .
ResponderEliminarUm beijo AC ,
Maria