domingo, 16 de agosto de 2020

BICHOS

 .

AC, Gravura rupestre do Poço do Caldeirão, rio Zêzere

.
Esgueirava-se, por entre as giestas, tentando ver e não ser vista. Tinham-lhe dito que, a meio da manhã, passaria por aquelas bandas a Senhora dos Santos Bichos, a fim de esconjurar a maleita, e não queria perder a ocasião de lhe dirigir uma dúzia de palavras, ou pouco mais, a fim de colocar um açaime nos seus medos.
O andor, transportado por quatro acólitos, que precediam o padre, emergiu da curva do Carvalhal Redondo, transmitindo alguma solenidade ao acto. A Russa, ciente da ocasião, ajeitou a saia, passou a mão pelo cabelo e aguardou, ansiosa. Quando o cortejo passou à sua beira, deu um salto para o caminho, prostrou-se  no chão e, baixando a cabeça, inquiriu:
- Senhora dos Santos Bichos, minha santa, é verdade que anda um bicho à solta por aí?
Ninguém respondeu, o cortejo seguiu em frente. A Russa, não se contendo, exclamou:
- Homessa! Mas eu sou algum bicho do mato, ou quê?!
.
.

11 comentários:

  1. Não sei porquê, AC, mas estes últimos escrito não me parecem escritos por si. Estranho... ou talvez não.
    Saudade daqueles olhares genuínos sobre a Natureza e a natureza das coisas e dos homens.

    Lídia Borges

    ResponderEliminar
  2. A crendice ainda é um dos maiores males dos nossos tempos.
    Aquele abraço, boa semana

    ResponderEliminar
  3. Somos todos bichos uns mais à solta do que outros e não era numa procissão que teria a resposta.

    Beijos e um bom dia

    ResponderEliminar
  4. Os bichos. Às vezes nem há quem repare neles, mas sabem esgueirar-se entre giestas e esconder-se debaixo das pedras para que a luz não lhe fira o olhar...
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

    ResponderEliminar
  5. De repente aparece uma D.Lídia que dá voz ao meu pensamento, grata a ela.

    Bom dia, sô AC

    ResponderEliminar
  6. Concordo com a Lídia AC, é preciso ser suave nesses tempos. Apesar do que eu adoro tudo que escreves. Tudo ou quase tudo. :) um beijo

    ResponderEliminar
  7. Tradições ganham força em tempos de medo. Mas dias de medo podem ser, também, ocasião para ruptura com os velhos costumes e crenças. Eu coloco tudo na conta do folclore.
    Um abraço, tenha uma ótima semana!

    ResponderEliminar
  8. É nas alturas de maior crise mundial... que florescem mais movimentos religiosos... pergunto-me se para legitimar o comportamento colectivo de tantos animais, por vezes...
    Agora, até alguns movimentos haverá, com vista a desmotivar o uso de máscaras, para resolver um problema de saúde pública, à escala global...
    Como já alguém disse... as religiões tal como as luzes, precisam de escuridão, para brilhar...
    Enfim!... Valha-nos a Senhora dos Santos Bichos... porque o mundo está literalmente entregue a eles...
    Beijinho
    Ana

    ResponderEliminar
  9. Quando a vida se precipita pelos desfiladeiros até Senhora dos Santos Bichos se cuida... Mas a linguagem é sempre irrepreensível...
    Um abraço, caro poeta!

    ResponderEliminar
  10. AC
    Um pouco diferente este trecho, mas eu gostei de ler.
    E que o bicho anda por aí, isso anda!
    Bom domingo
    Beijinhos
    :)

    ResponderEliminar