sexta-feira, 16 de abril de 2021

PARA UNS A DÚVIDA, PARA OUTROS A CERTEZA...

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AC, Agonia dum laranjal
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Foram p'ra cidade, em busca do movimento e da ventura, deixando sentinelas, habituadas a bons tratos, alheadas dos habituais carinhos. A terra pouco dava, compreenda-se, para além da sobrevivência. Era o país em que vivíamos.
Nem a ventura chegou, apesar do movimento, nem as sentinelas renovaram o uniforme. E, com toda a naturalidade, as ervas instalaram-se, rindo-se da desventura humana, enquanto os antigos cuidadores desesperam por aprender a nadar no cimento. Em vão.
Reivindicam-se equilíbrios, às vezes apelando ao saudosismo, em tertúlias académicas de gente com bolsa instituída, mas na prática são ingleses e alemães que, fugindo da selva do cimento, e investindo poupanças e algumas reformas, se vão instalando por aqui, ufanos duma vida ao ar livre, em comunhão com sons, odores e sabores muito próprios, sem as grilhetas duma formação espontânea dos acordes ditatoriais dum qualquer relógio. Fazem, porque sentem que têm que fazer. Não mais. E respiram, respiram como nunca.
Os antigos donos, entretanto, vêm uma vez por ano. E, para além dos sorrisos de circunstância, como que a querer cimentar o estatuto duma nova forma de vida, deixam sempre transparecer a dúvida, ainda que de forma inconsciente, ao depararem com a serena satisfação dos novos ocupantes. E se eu, em vez de...
Mas não, não há volta a dar-lhe. Estão demasiado aprisionados às aparências para tentarem algo de radical nas suas vidas. Entretanto, e não vá a porca torcer o rabo, os ingleses e os alemães continuam a apreciar o sol, por mais labutas que a terra exija.
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21 comentários:

  1. Respostas
    1. Não é um texto poético, Rikardo. É, tão só, uma realidade muito próxima de mim.

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  2. Entre a dúvida e a certeza há uma lacuna que pode ser muito cansativa e deprimente... precisamente pelas incertezas, pelas dúvidas se as decisões são as melhores decisões...
    Felizes aqueles que não duvidam de nada e de ninguém...

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  3. Estava lendo, há pouco, em um jornal americano, sobre o número elevado de pessoas que, durante a presente pandemia, deixaram as grandes cidades em busca de mais tranquilidade e saúde em localidades menores. Por aqui está acontecendo algo semelhante. Quem está em home office procura ir para uma cidade pequena na região, sonhando em ficar de vez. A ideia parece fascinante...

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  4. Marta, por aqui o fenómeno já existia antes da pandemia. Trata-se de pessoas que procuram, de alguma forma, fugir das exigências duma vida urbana avassaladora, sempre sequiosa de mais, não dando margem para além da sobrevivência para pagar as contas ao fim do mês. Por aqui, em contacto com a Natureza, eles encontram a paz que lhes faltava, redescobrem-se, sentem-se gente.
    Tenho alguma simpatia por eles.

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  5. AC.. acrescentaste o último parágrafo, desde que li esta tua crónica e já mudaste aquilo que tencionava dizer. Só não comentei porque dispunha de pouco tempo, vim agora com mais vagar.

    Então é isto: Não acredito que as pessoas mudem para os grandes centros urbanos só para se evadirem da labuta da terra. Quase sempre são movidos pela esperança em dias melhores, em novas oportunidades que lhes possa trazer mais segurança no futuro.
    Claro que, se uns têm a sorte de se dar bem, outros esmorecem e desanimam com a luta sem quartel que se trava nas selvas de betão.
    Os que vendem as suas terrinhas de lavoura, que remédio têm se não continuar por lá. Caso as tenham arrendado poderão sempre voltar, ou não.
    Esses ingleses e alemães também não se mudam por amor ao trabalho agrícola e aos bons ares que por aí se respiram, a maioria é pessoal aposentado e com boas pensões. Isto para eles é o paraíso.

    Se tu referes, na foto, a agonia do laranjal, então que raio andam esses amantes do sol por aí a fazer? Só a apanhar sol? :)

    Beijinho, AC. :)
    (não me ralhes muito, senão desato num pranto. Ando muito sensível...)

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    1. Gosto sempre de te ouvir, podes crer.
      A agonia do laranjal é mera metáfora, aplicada, não aos novos ocupantes da paisagem, mas aos que a abandonaram. Pensei que estava explícito, mas já vi que não.
      Quanto aos verdadeiros donos da terra, notam-se por aqui, e de que maneira, novos investidores com um impacto muito grande em amendoais, e outras coisas que tais. Mas isso já é outra história, de que um dia destes falarei. Por ora, fiquemo-nos com os adoradores do sol. :)

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  6. Penso que quem deixa as terras para vir para a cidade, são pessoas que pensam ter uma vida melhor, ou que não sentem qualquer inclinação para a lavoura. Entretanto conheço casos se pessoas que viveram a sua vida útil na cidade e ao reformarem-se empregam as suas economias em casas e terras e começam uma vida nova. Conheço dois casos. Os sogros da minha sobrinha, viveram na Graça em Lisboa até à reforma. Ele era camionista ela costureira. Compraram uma casa e um terreno no Gradil, tem galinhas e coelhos vegetais e frutos e vivem felizes. E já estão a caminho dos 90. E os meus compadres. Ele sargento na Marinha ela doméstica. Viveram sempre na Amadora. Depois da reforma compraram casa com um pequeno terreno na Vila de Rei e lá vivem felizes.
    Abraço, saúde e bom fim de semana.

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    1. Elvira, é verdade o que diz, mas a situação que relato envolve muitos casais jovens, com filhos em idade escolar. Uns optam por colocar os filhos na escola pública, outros escolhem o ensino domiciliário. Seja como for, esta é uma nova camada de gente, em que as parcas poupanças, nos seu país natal, lhes dão para comprar uma quinta numa zona do nosso país que está em desertificação crescente. Eles adoram os vastos horizontes, com poucas pessoas e ainda com alguma fauna e flora, essa é que é essa.
      Obrigado pelo contributo.

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  7. Independente dos tempos aflitivos das grandes cidades, sempre a ideia do campo me acendia a esperança de dias mais calmos ,mais seguro _ não só o campo mas as pequenas cidades.
    De verdade, as dúvidas existirão, algumas vezes pela insatisfação e hábito de sempre achar que o verde do jardim do vizinho é mais verde que o nosso e por aí vai... rs
    E, quanto ao sol em todo lugar onde haja sol é pra lá que todos gostam de ir. rs
    grande abraço, AC

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  8. Essa realidade também graça por aqui e pelos menos vão colmatando a "desertificação". Pior é quando ocupam casas abandonadas por guerras judiciais causadas pelos herdeiros. Quando sabem da ocupação vêm e é o que se sabe.
    Pudera eu ter tido possibilidades de nunca ter abandonado o meu "berço" mas entre as imensas árvores de fruta e não só e uma metralhadora apontada à cabeça pensei na filha que já pertencia ao mundo e seria injusto não fazer o que fiz.

    Gostei dessa descrição tão real que ocorre há anos, uns melhores que outros.

    Beijocas e um bom fim de semana

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  9. Ingleses, alemães?
    Os chineses vão mais para as cidades.
    Abraço, boa semana

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  10. Essa é a realidade que temos. Nós não nos capacitamos dos benefícios da vida no campo. Enquanto isso, os estrangeiros vão aproveitando, alguns de forma gostosa, aquilo que é o melhor que temos no campo: o ar puro. Não é difícil de perceber. Os portugueses, tantos, olham o campo como trabalho difícil e ingrato... O seu texto, cheio de motivos de reflexão, fez-me ter saudades da quinta do meu avô...
    Uma boa semana com muita saúde.
    Um beijo.

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  11. Para uns a certeza da qualidade de vida, que aprenderam a descobrir e apreciar... para outros, a certeza... de que o que abdicaram, os levou por caminhos, onde se tornaram bem mais escravos... provavelmente em qualquer outro lugar... mais sofisticado... e presos a teias de vãos consumos... e jogos de aparências...
    Um belíssimo texto, que traçou um assertivo retrato das mentalidades do nosso Portugal, com repercussões na paisagem do interior do nosso país... e não só... aqui nos arredores de Lisboa, tenho uma quinta, perto de casa, com arvores de fruto... ao abandono... os terrenos são cuidados... pelos rebanhos de ovelhas, que vão impedindo a proliferação das ervas... ainda mais... aguarda-se que todos os donos cheguem a acordo... um dia... a um valor que achem certo que tal terreno valerá... para uma futura urbanização certamente... e para menos um pedaço de verde, neste mundo... pois as gerações mais novas... certamente não abdicarão das unhas de gel, ou sessões de ginásio, por calos de enchada... tudo passa por uma questão de mentalidades... ou preconceitos... sobre a mudança de paradigma... do campo, para a cidade. Algo que realmente requer reflexão...
    Beijinhos
    Ana

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  12. E nós de cá a apreciar o seu texto!

    Confesso que admiro os que optam por uma vida (teoricamente) mais simples e, que conseguem realizar esse desejo de ter um contato mais direto com a Natureza externa, se envolver com as coisas da Terra.

    É uma das minhas vontades, não sei se conseguirei...

    :)

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  13. Ac

    um texto realista, mas eu confesso que sou mais da cidade.
    gosto muito da aldeia, mas para viver, gosto da confusão.
    sei lá um dia, ainda vá viver para o campo entre o silêncio da natureza, mas, não me parece.

    beijinhos

    :)

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  14. AC, enquanto uns andam na luta na cidade, outros podem respirar e viver esse ar infelizmente muito poucos portugueses o podem fazer por opção....
    Beijinho

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  15. Encantada ao re-descobrir-te caro poeta. Cativaste-me mais uma vez.
    Abraços da Mari (As cores que Sou).

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