.
.
.
AC, Chuva em modo protegido
..
Já chegou aos 90, mas a Ti Laurinda continua a gostar de gente, de corações a palpitar, de pessoas que gostam de ousar, de pousar, de (re)fazer, de rir.
Os tempos mudaram muito, tanto que até parece outro mundo, mas ela não deixa que as suas memórias se apaguem. E, para os interessados, está sempre pronta para ensinar os rituais da confecção do pão e dos enchidos, como se secavam figos, como se cantava e dançava no seu tempo. Não lhe faltam histórias do outro mundo, temperadas de crenças, e até a receita de algumas mezinhas lhe continua a sair em voz pausada, mas sem hesitações. Quando o interlocutor vem com tempo gosta de falar da sua mocidade, das cantigas nos campos - às vezes, sabe, para enganar a fome - das desfolhadas, da apanha da azeitona, da boa vizinhança.
- Veja lá que até dormíamos com a chave do lado de fora da porta!
Continua a gostar de viver, nota-se. Mas há algo que, de vez em quando, lhe turva o olhar.
- Sabe, agora há estradas por todo o lado, boas casas, muita fartura de tudo. Nisso o mundo está muito melhor. Mas as pessoas estão diferentes, andam sempre a correr de um lado para o outro, já não dão importância à palavra dada. Têm muito, e ainda bem, que no meu tempo era uma desgraça pegada, mas nós éramos mais unidos, ajudavamo-nos uns aos outros. Agora cada um puxa para seu lado, olham de lado uns para os outros, desconfiado, queixam-se por tudo e por nada, qualquer coisinha as contraria. Porque será, mê senhor?
A chuva estival, ali mesmo à mão, serve-lhe de exemplo.
- Olhe, está a chover e toda a gente se queixa, por isto ou por aquilo. Mas as pessoas estão muito enganadas, já se esqueceram que quando chove, não chove. É a vida a ser boa p´rá gente.
E a Ti Laurinda, matreira, sorri como quem pisca o olho...
..
Simples e grandioso, este texto! Fiquei deliciada, a ler e reler.
ResponderEliminarQuanta verdade há nas palavras da Ti Laurinda, essa sábia biblioteca.
Hoje, há tanta coisa...Todos têm tanto, se comparado com outros tempos, no entanto, parece-nos que o descontentamento é maior e generalizado.
Abençoada a chuvinha que alegra a terra e rega o nabal.:)
A legenda da tua foto fez-me lembrar aquela frase de quem quer tudo a seu jeito. Tipo: sol na eira e chuva no nabal! :))
Beijinho, com um piscar d'olho, A.C...! :)
Mas é, a Ti Laurinda bem sabe, a diferença do que fomos e do que somos hoje. Hoje, somos insatisfeitos, por vezes, até amargos! Portanto, temos que olhar pelas nossas crianças, e diariamente, revisitar as nossas almas.
ResponderEliminarAqui, si, se fez música!
Tanta sabedoria tem a Ti Laurinda.
ResponderEliminarActualmente não estamos satisfeitos com nada e corremos para coisa nenhuma.
Um beijinho AC e parabéns pela foto.
Um privilégio ...ler-te e conhecer a Ti Laurinda.
ResponderEliminarBjs
Ti Laurinda é a sabedoria em pessoa! O mundo está mesmo muito esquisito, concordo com ela!Adorei ler! Momentos de ternura nessas conversas...abraços, chica
ResponderEliminarBelo ver a ti Laurinda
ResponderEliminardescrita pelas tuas mãos
Abraço
A Ti Laurinda tem 90 anos, mas nós, muito mais novos, tiramos a mesmas conclusões que ela: o mundo mudou muito mas não me parece que tenha sido para melhor no que se refere aos sentimentos, à amizade, à preocupação com o bem estar do outro. Todos correm de um lado para o outro e não têm tempo de olhar para quem está ao lado que acaba, muitas vezes, por morrer sozinho. Que será melhor? Esta sociedade calculista não me parece que tenha grande futuro. Beijinhos
ResponderEliminarJá não há muitas tias Laurindas...
ResponderEliminarGentes que se demorem nas histórias antigas com a sabedoria dos anos e da vida.
Nem muita gente que se sente ao seu lado para ouvir as histórias.
Hmmm, é exatamente alguém assim que historiadores gostam de encontrar. Essas pessoas sabem de detalhes do passado que a gente não encontra em documentos escritos. Quanto encontro um "exemplar" desses, faço falar e falar...
ResponderEliminarOi, A.C. pessoas que nos alegram e nos dão o sabor de vida vivida, a abrangência dos laços com o passado e nos dão saudades do que vivemos e do que poderíamos ter vivido. o agora só importa se contemplamos nossas raízes. Em família são nosso porto seguro.
ResponderEliminarUm abraço
Essa Laurinda recordou-me das tardes que tinha com minha avó, boas lembranças! Uma bela biblioteca cheia de vida! Bjs
ResponderEliminar·.♪♫╮
ResponderEliminarUm lindo texto.
Fala de uma amizade, de uma proximidade entre as pessoas que hoje não existe mais.
Bom domingo! Boa semana!
♪♫╮✿ه° ·.
e cada vez mais essas "bibliotecas" são desprezadas, ignoradas e gozadas até pelos próprios familiares, já para não falar de quem governou e governa neste país.
ResponderEliminarPodem estar mal, muito mal, mas na minha terra a valorização dos velhos está acima de tudo, mas tudo mesmo!
Obrigado por este momento tão real!
Bom domingo
Beijos
Poeta , adorei conhecer tia Laurinda . Vou apresentá-la à minha mãe , que com 91 anos e plenamente lúcida , todos os dias tem uma lição a nos dar . Bençãos tê-las por perto , não ?
ResponderEliminarBeijos para ela e a toda família .
Tão bonito!
ResponderEliminarSempre que posso devoro estas histórias de outros mundos, mais pobres (?), mas mais humanos, sem qualquer dúvida!
Beijinhos
101 anos, dona de um dos restaurantes mais antigos de Macau (comida macaense), continua a ir ao restaurante todos os dias, a vigiar o que ali se passa e diz com candura - estou muito velha.
ResponderEliminarÉ a Dona Aida e toda a gente a conhece do Riquexó.
Aquele abraço, boa semana
A idade dá uma sabedoria diferente...
ResponderEliminar:)
E a ti Laurinda é mesmo uma biblioteca e, como ela tantas outras; o que é triste é que os livros dessa biblioteca permaneçam na prateleira, empoeirados, esquecidos completamente; ninguém hoje está interessado em lê-los. Como tem razão a tia Laurinda! Nasci e vivi muitos anos numa aldeia onde conheci algumas " tias Laurinda ", sábias, alegres e prontas sempre a ajudar os outros; naquele tempo vi muitas a enganarem a fome com as cantorias nas desfolhados e em outros trabalhos do campo; muitas delas se ofereciam para ajudar nesses trabalhos, por causa da merenda que, apesar de ser, em muitos casos um pedaço de pão de milho e um copo de água pé já aconchegava o estomago vazio. Não havia porta trancada à chave na aldeia onde vivi e também não havia tanto desprezo pelas " bibliotecas vivas " ; os mais velhos eram mantidos em casa até à hora da última despedida e a convivência entre avós e netos era uma realidade; não me lembro de ver idosos abandonados, antes pelo contrário, eles eram sempre os primeiros a serem consultados e sentiam-se úteis, pois o trabalho deles em casa era uma ajuda para os filhos que tinham de ir para os campos. Hoje, nesta vida tão agitada, creio que que os idosos seriam de grande valia para ajudar na criação dos netos, mas infelizmente, começam a ser um " estorvo" para os filhos que tratam de os afastar ou para os lares ou então os deixam, numa grande solidão nas suas próprias casas. Neste aspecto e noutros respeitantes à solidariedade e à convivência com a vizinhança a nossa sociedade está a regredir e muito e, apesar de tanta fartura os olhos das pessoas não brilham ; o exagero no ter transformou-nos em seres desumanos e desconfiados de tudo e de todos. E as crianças? Quanta diferença nos olhinhos tristes das de hoje e os olhos alegres dos de ontem, correndo felizes pelas ruas! Têm demais, as de hoje, mas estou convencida de que sorririam muito mais se tivessem a vida que nós tivemos. Texto muito interessante no qual devemos reflectir. Obrigada, amigo! Um beijinho
ResponderEliminarEmilia
Quantas memórias. Quanta sabedoria. Uma mulher que sabe ver o milagre da vida...
ResponderEliminarQue texto maravilhoso!
Uma boa semana.
Beijos.
Havíamos de ouvir em repeat as Ti Laurindas das nossas vidas e tomar os seus ensinamentos. Têm muita sabedoria elas e o que dizem é tudo verdade, pagamos todos os dias o preço da evolução. Abraço AC
ResponderEliminarAinda há algumas sábias tias Laurindas .
ResponderEliminarOs que as consideram dignas de " nota " rareiam . E assim se perdem tesouros .
Obrigada por este belo documento .
Um beijo , AC , e boa semana
Viva a ti Laurinda e "sabe coisas que não vêm nos livros". Ela é que é o livro.
ResponderEliminarBoa narrativa, AC.
Era para me pronunciar quanto às imagens que ilustram as histórias. Esqueci-me, por isso voltei. Todas criteriosamente seleccionadas, denotam bom gosto e talento.
ResponderEliminarPS - estou numa curva. darei nota quando sair dela. previsivelmente uma semana.
Grande abraço. Só mais uma confidência: gosto muito deste lugar.
A minha tia Palmira que em Outubro fará 98 anos é assim. Passei-lhe à porta no início deste mês, e estava a picar o muro do quintal, para pintar.
ResponderEliminarDisse-lhe que aquele trabalho já não era para ela e respondeu-me:
-Mas ele tem que ser feito. E não há quem o queira fazer. Fala-se muito de desemprego, mas quando se precisa de alguém para trabalhar, não se arranja ninguém.
Ela também é uma memória viva já que está completamente lúcida.
Um abraço
Tão sábia, a tia Laurinda. É verdade que a correria da vida nos divorcia dos outros, se nos descuidamos um pouco.
ResponderEliminarSe todos cultivassem um pedacinho de terra, não se queixavam tanto da chuva.
Abraço, amigo AC
Ruthia d'O Berço do Mundo
AC, deixo aqui um beijinho grato pelo seu comentário generoso no meu blogue.
ResponderEliminarFê
Estava esses dias mesmo a conversar com um caiçara (como chamamos os nativos das praias do sudeste brasileiro) e ele me dizia coisa semelhante: de que o desenvolvimento trouxe mais coisas ruins do que boas. "Antes não conhecíamos doença, porque só comíamos o que plantávamos e pescávamos", me disse ele. Isso sem contar com o sentido de amizade, solidariedade e comunhão que foi se perdendo nas grandes cidades...
ResponderEliminarSinto essa nostalgia e ainda busco um lugar em que eu possa viver "como antigamente". Será que ele existe? rs
Um beijo,
Ana Christ
Está tudo bem por aí, A.C.?
ResponderEliminarUm beijinho e boa semana...:)
Está tudo bem, Janita, obrigado. Esta semana não publiquei nada porque foi impossível alhear-me dalguns compromissos. E, para mim, palavra dada é mesmo para cumprir.
EliminarUma boa semana :)
" Olhe, está a chover e toda a gente se queixa, por isto ou por aquilo. Mas as pessoas estão muito enganadas, já se esqueceram que quando chove, não chove. É a vida a ser boa p´rá gente."
ResponderEliminarExcelente, excelente! A sabedoria de gente em extinção e a tua sabedoria narrativa, fazem um casal perfeito!
Bjo, AC :)
Caro AC,
ResponderEliminarCompreendo a Ti Laurinda no seu ensinamento (A Biblioteca
que (ainda) sorri), com alegria na expressão de celebração
do viver, eu tive uma mestra, a minha avó que dizia: "A vida
é uma criança, devemos caçoar (rir) dela!..."
Sublime partilha!
Beijo.
E a Ti Laurinda... é que percebe da vida... a vida mudou... mas nem por isso, com mais coisas... as pessoas estão mais felizes...
ResponderEliminarComo sempre um texto formidável... de leitura tão enriquecedora...
Parabéns pela inspiração e riqueza de conteúdo...
Beijinho
Ana
gente com história e estórias de vida
ResponderEliminargente sã e rija e terna
gostei tanto..
:)