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AC, Trilho na Serra da Estrela (zona do Poço do Inferno)
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A solicitação chegara, inesperada, via correio electrónico. A resposta, perante tão apelativo desafio, só podia ser uma.
O ponto de encontro ficara marcado para Manteigas, uma espécie de presépio em pleno vale glaciar do Zêzere, onde se acertaram os últimos pormenores.
Chegados à zona do Poço do Inferno, não muito longe da vila, o primeiro impacto, já adoçado no percurso de acesso, foi de plena aceitação. A vegetação envolvia-nos de tal forma que, por momentos, nem sabia bem como chegara ali, a um vislumbre de portal que nos transportava, quase sem darmos conta, à percepção e à transcendência. Talvez fosse a determinação em me levantar cedo, talvez fosse o filtro, cada vez mais apurado, de investir nas coisas aparentemente simples, em que a arquitectura verde, de tão harmoniosa, convida, de forma irrecusável, à libertação das amarras da alma. Fosse como fosse, mal ali cheguei senti que valia a pena, que estava em casa, na casa que deveria ser de todos nós. Um privilégio esverdeado, mesclado, aqui e ali, por belas e delicadas pinceladas, obedecendo ao sortilégio das primeiras tonalidades outonais.
O percurso, adornado, maioritariamente, por castanheiros, com uma ou outra faia ou um pinheiro a intrometer-se, parecia preparado para os deuses. O chão, atapetado quanto baste pelas folhas precursoras do mergulho em espiral, abafava os passos dos caminhantes, imprimindo-lhes um som peculiar, mas aconchegante. Os sorrisos de satisfação instalavam-se naturalmente, como se cirandar por esta parte da Estrela fosse receita miraculosa.
O tempo passava, sem ninguém dar conta, com os sentidos cada vez mais ligados à arquitectura de troncos e folhas, musicados por um ou outro chilreio, só distraídos com o piscar de olho das castanhas que, numa quase ousadia, espreitavam dos ouriços que enfeitavam o caminho. Ante a promessa duma boa jeropiga no final do percurso, algumas foram mesmo parar à mochila.
Mais abaixo, já perto da zona onde a ribeira de Leandres e o rio Zêzere se abraçam, surge a primeira pausa. Das mochilas saltam acepipes, soltam-se as palavras, a apreciação da jeropiga é consensual: envolvente, matreira, convidativa a mais um trago. Vindos das proximidades, dois cachorros Serra da Estrela, de rabito a dar a dar, chegam-se por perto, despertando carícias e sorrisos. Mesmo ao lado, em discreta sinfonia ancestral, a água da ribeira faz-se ouvir. Ainda faltava fazer a Rota das Faias, a caminho do Covão da Ponte, mas o dia já estava ganho.
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O ponto de encontro ficara marcado para Manteigas, uma espécie de presépio em pleno vale glaciar do Zêzere, onde se acertaram os últimos pormenores.
Chegados à zona do Poço do Inferno, não muito longe da vila, o primeiro impacto, já adoçado no percurso de acesso, foi de plena aceitação. A vegetação envolvia-nos de tal forma que, por momentos, nem sabia bem como chegara ali, a um vislumbre de portal que nos transportava, quase sem darmos conta, à percepção e à transcendência. Talvez fosse a determinação em me levantar cedo, talvez fosse o filtro, cada vez mais apurado, de investir nas coisas aparentemente simples, em que a arquitectura verde, de tão harmoniosa, convida, de forma irrecusável, à libertação das amarras da alma. Fosse como fosse, mal ali cheguei senti que valia a pena, que estava em casa, na casa que deveria ser de todos nós. Um privilégio esverdeado, mesclado, aqui e ali, por belas e delicadas pinceladas, obedecendo ao sortilégio das primeiras tonalidades outonais.
O percurso, adornado, maioritariamente, por castanheiros, com uma ou outra faia ou um pinheiro a intrometer-se, parecia preparado para os deuses. O chão, atapetado quanto baste pelas folhas precursoras do mergulho em espiral, abafava os passos dos caminhantes, imprimindo-lhes um som peculiar, mas aconchegante. Os sorrisos de satisfação instalavam-se naturalmente, como se cirandar por esta parte da Estrela fosse receita miraculosa.
O tempo passava, sem ninguém dar conta, com os sentidos cada vez mais ligados à arquitectura de troncos e folhas, musicados por um ou outro chilreio, só distraídos com o piscar de olho das castanhas que, numa quase ousadia, espreitavam dos ouriços que enfeitavam o caminho. Ante a promessa duma boa jeropiga no final do percurso, algumas foram mesmo parar à mochila.
Mais abaixo, já perto da zona onde a ribeira de Leandres e o rio Zêzere se abraçam, surge a primeira pausa. Das mochilas saltam acepipes, soltam-se as palavras, a apreciação da jeropiga é consensual: envolvente, matreira, convidativa a mais um trago. Vindos das proximidades, dois cachorros Serra da Estrela, de rabito a dar a dar, chegam-se por perto, despertando carícias e sorrisos. Mesmo ao lado, em discreta sinfonia ancestral, a água da ribeira faz-se ouvir. Ainda faltava fazer a Rota das Faias, a caminho do Covão da Ponte, mas o dia já estava ganho.
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A natureza quando sentida em sua essência é mesmo um estar em nós profundo, tal como a arte que descreves. Um beijinho AC.
ResponderEliminarQue deleite, para alma, ler este texto e comparar toda a beleza, verdejante, desses castanheiros, que descreves, com a desolação de outras paisagens, de eucaliptais e pinheirais, que já foram igualmente belas.
ResponderEliminarObrigada A.C., por nos lavares a alma, com a pureza das tuas palavras aconchegantes.
Tive tanto medo de abrir este post e vir encontrar, também aqui, a dor da perda e da Natureza dolorosamente calcinada.
Bem-hajas.
Um beijinho imensamente grato. :)
é bom não escrever nas cinzas a dor que sentimos
ResponderEliminarAbraço
De bloco no bolso, para não perderes a preciosidade de cada detalhe. Será?
ResponderEliminarA natureza é, em si mesma, esplendorosa - principalmente no Outono, mas a forma poética como a descreves aguça-nos a vontade de ir confirmar.
Adorei revisitar Manteigas no teu olhar.
Beijinho, AC.
Andei por aí no ano passado por esta altura. São de facto mágicos esses lugares atapetados de folhas e castanheiros. Dias que além por anos inteiros. Boa noite AC
ResponderEliminarFotos e texto maravilhosos. Eu, que sempre amei as trilhas em bosques de pinheiros, quase posso, apesar da distância, sentir o aroma das árvores.
ResponderEliminar:)) estou roidinha de inveja, AC!
ResponderEliminarUm dia destes, faço uma visita por esses lados. Mas na primavera, quando a terra brota vida colorida.
Fica um beijinho com muita estima é amizade.
participei de alma desse agradável percurso...a paisagem , a natureza, o cenário , a aragem ,o aroma e o gosto da nota alegre da jeropiga sem esquecer os cachorrinhos amigos a balançar espertos os seus 'rabitos'. Um encanto!
ResponderEliminarUm abraço
Fiquei a imaginar os sons e os cheiros.
ResponderEliminarE gostei do que li e do que imaginei.
Aquele abraço, boa semana
Apeteceu-me pegar numa mochila e ir também até esse lugar mágico onde as coisas simples são tão apreciadas. O seu texto é francamente bom. Parabéns.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Tudo pelo melhor
ResponderEliminarantes que se acabe
Abraço poeta
Agostinhamigo
ResponderEliminarUm belíssimo texto. Parabéns!
Deves ter recebido um texto meu em que explico o motivo da minha ausência durante quase um ano
Pelo sim, pelo não, aqui fica
Um pesadelo horrendo
Por Antunes Ferreira
Foi dum pesadelo, a depressão bipolar, que consegui sair e quase não acredito que bastou um clique para
aparecer a recaída e outro clique para recomeçar a viver… Sejamos claros: durante quase um ano em Lisboa e Goa e de novo em Lisboa fui uma pedra de basalto sem ligar ao que se passava à minha volta, à minha família, às minhas Amigas e aos meus Amigos que sempre, mas sempre! me empurraram para um caminho ressuscitado. Nunca lhes poderei agradecer.
Mas mesmo assim faço-o do fundo do coração, sabendo que nada valho, intercalado com um muito obrigado. A vida é madrasta e não há rosas sem espinhos, nem semente semeada que dará em tempo oportuno o fruto da felicidade. Porém quase um ano não a consegui desatar de um silêncio desumano, marmóreo e tumular.
Donde quero uma vez mais sublinhar os resultados que consegui alcançar e chegar aos objectivos mais consentâneos e resumidos no que o povo diz – esta vida são dois. Contudo o ano horribilis durou pelas minhas contas 303 dias. Um tsunami bipolar é mais do que descer aos infernos sem saber que os podia deitar fora pela janela aberta da felicidade e da euforia que queria voltar a desfrutar.
Perdoem-se leitores este desabafo que é mais confissão; embora não tenham sido parte duma dor que senti na pele e na carne que não me era possível sair desse nevoeiro sem cavalo branco nem sebastião, sempre estiveram comigo nas horas mais más. Repito: a vida é madrasta e o contar dos dias desanimados e trucidados por mor de uma maleita indiscritível é uma vereda negra que nos amarga os meses ´perdidos dum calendário também perdido e lancinante.
Hoje fico-me por aqui na companhia duma Grande Mulher de nome Raquel que me acompanhou como sempre me acompanha nos dias mais ácidos duma doença que nos tira o amor à Vida. Depois no sábado virão os filhos e as filhas/noras e os netos e a neta que são para mim os melhores do Mundo. Do Mundo? Do universo sem buracos negros nem cassiopeias mas estrelas brilhantes que nos dão o alento para alcançar o objectivo mais ansiado - viver.
Espero-te com comentário na NOSSA TRAVESSA
Abç do Henrique, o Leãozão
A essência da Natureza, tão bem transposta em palavras...
ResponderEliminarSempre uma maravilha, respirar ar puro, por aqui... através das suas belíssimas inspirações, AC...
Adorei cada palavra! Beijinho! Continuação de uma boa semana!
Ana
Belas fotos das trilhas e muito belo e empolgante
ResponderEliminara tua crônica, AC!
A natureza é a grande fonte e é lamentável que
as crianças e adolescentes fiquem presos as
tecnologias, a ponto de total desconhecimento
de ficar conectado somente a natureza, nem que
fosse um dia apenas...
Uma semana feliz!
Beijo.
AC
ResponderEliminare foi um belo passeio em comunhão total com a natureza.
e que falta nos faz!
beijinhos
;)
Ora viva, AC.
ResponderEliminarCom prosa desta a gente revive, respira a essência da vida, transpira alegria pelos poros.
Eu julgo conhecer uma pitada do local. À medida que ia avançando na leitura o gozo foi aumentando, como se revisitasse o local.
Abraço.
Maravilhoso texto que a Natureza inspirou.
ResponderEliminarbeijinho