quinta-feira, 16 de julho de 2020

REDENÇÃO

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Imagem retirada da net
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Dizia-se amarela. Depois azul. Logo a seguir, quase sem pausas, assumia-se roxa, verde ou siena, pronta para o que desse e viesse.
Procurava-se? Não, nem tanto. Era apenas uma questão de sobrevivência para um ego sem sustentação, que dependia totalmente da energia dos outros. Então, sem verdadeiramente as sentir, ia desfilando cores, como estratégia, até que alguém se dignasse olhar. Depois, caso um ratinho cheirasse o queijo, fazia o pino, pintava a manta, queimava o sutiã. Numa tela resguardada, claro, longe dos rebentos, delicadas joaninhas que, felizes, se deslumbravam com as flores do jardim. E, por entre efabulações descontínuas, sem capacidade para pintar os cenários que evocava, acabava sempre por perder a cor,  afugentando a presa, dando guarida ao despeito e ao rancor.
Lá fora, indiferentes ao secreto jogo multicolor, as joaninhas continuavam a sorrir. Talvez nelas, tecedeiras de cores alegres e vibrantes, residisse a verdadeira redenção, e não tivesse que fazer como Marcel Proust: discorrer em busca do tempo perdido.
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22 comentários:

  1. Maravilhosa imagem, adoro joaninhas...Tuas palavras sempre lindas, com a devida profundidade e alta dose de beleza. Que bom que as joaninhas sorriam, enfeitem os jardins que por vezes tão pálidos ficam...abração, tudo de bom,chica

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  2. Eu devia ter uns oito ou dez anos: achei uma joaninha no jardim e resolvi que iria para minha coleção (viva) de insetos. Era dourada! Horas depois, vi minha joaninha quase vermelha e fiquei muito triste. Só alguns anos mais tarde é que soube que, quase na conclusão da metamorfose, elas trocam mesmo de cor.
    Um abraço, tenha um ótimo dia!

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    1. Marta,
      Como dizia aquele famoso cantor dessas latitudes, "é isso aí". :)

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  3. Há quem se camufle para passar despercebido/a.

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  4. É um animalzinho lindo que não faz mal a ninguém...Mas muitas arruínam uma plantação... de batata por exemplo.
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    Abraço

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    1. Ricardo, desça alguns degraus e atente no comentário da Noname. :)

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  5. Falas da cigarra, tá visto! Essa danada que de tudo é capaz para não fazer NADA... desbragada, que até o soutien tira para se fazer ousada!

    E, já que foste buscar Proust à colação, depois do post editado, toma lá:

    "Tanto a pena como o desejo, o que querem não é analisar-se, mas satisfazer-se."

    Porque não?

    Abraço.

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    1. Fluente em cigarras, em Proust...
      Que versatilidade, Janita! :)

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  6. Ricardo, acho que está a confundir a joaninha com os escaravelho da batata. Pelo que sei, as joaninhas são amigas do agricultor, contra os pulgões, são uma máquina voraz. Parece que roedoras de folhas, só 2 es+espécies de joaninhas o fazem, e nem sei se por cá.

    Joaninha aboa aboa que teu pai foi pa lisboa ahahahah

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  7. Tudo sobre a joaninha
    é saudade minha
    pois há tanto não a vejo
    nem joaninha nem escaravelho

    **
    Joaninha, voa, voa
    Que o teu pai foi para Lisboa.
    Com um saco de farinha
    Para ti, ó Joaninha.

    **

    Joaninha, voa, voa
    Que o teu pai está em Lisboa
    A tua mãe no moinho
    A comer pão com toucinho.

    **

    Joaninha, voa, voa
    Que o teu pai foi pra Lisboa.
    Leva cartas para Lisboa
    Que eu te darei pão e broa.

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  8. Em busca do tempo perdido.
    Aquele abraço, bfds

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  9. Novidade que a joaninha se metamorfoseava rs fiquei ainda mais fã delas,depois dessa paleta de cores que você pintou.E,com o charme das pintas então pode ser o que quiser sem questionar esse famoso'compositor de destinos_ o tempo.
    Simpática prosa AC tal como são as joaninhas.

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  10. Maravilha e retratas tão bem o "umbiguismo"(não sei se existe esta palavra) de muitos que tudo fazem para serem o centro das atenções, os melhores, os mais sábios e burros os que os seguem/concordam e às tanta é a queda vertiginosa sem nunca terem apreciado o que lhes rodeia. Mas felizmente há mais Joaninhas!

    Beijos e um bom fim de semana

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  11. AC
    um texto delicioso de ler.
    e eu gosto de joaninhas.
    bom domingo
    :)

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  12. Oi, A.C....lindo texto! Quantas Joaninhas no mundo sonhando ser joaninhas coloridas num jardim.Ora, pois!
    Um abraço

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  13. Que belo texto, AC
    Basta-me (ou basta-nos?) deliciar-nos com a linguagem. Puro lirismo!
    Ao criar este prodígio, mostra-nos o que é que arte!
    Um abraço, AC

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  14. Belíssimo texto, AC!
    Quem me dera ser uma Joaninha... a salvo de todos os tormentos desta pandemia... e mantendo o foco, nas cores mais bonitas da vida... e sobretudo em não deixar esmorecer o foco de outros...
    No momento, isso é que seria a pura redenção!... Para mim, pelo menos... :-)
    Mais um texto notável, por aqui! Parabéns!
    Beijinho
    Ana

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