terça-feira, 8 de dezembro de 2020

CRÓNICA A PRETO E BRANCO, COM FORTE ASSOMO DE CORES

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AC, Gardunha vista do pequeno paraíso
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A manhã acordou escura e fria, reivindicando grossas roupas de lã, enquanto convidava, sem qualquer favor, ao recolhimento. Como a Natureza, sabemos nós, é avessa a salamaleques, é melhor dizer que, onde se estampa convite, se deve ler obrigação.
A reserva de lenha, no abrigo, assoma ao espírito, mas sem necessidade. Ainda por ali há combustível, com a lareira a laborar diariamente, para cerca de um mês. Há, no entanto, que providenciar para uma nova leva de lenha grossa, de sobro ou de azinho, que de lenha miúda, para iniciar a combustão, há muita por aqui.
O Whisky, um canídeo que é hóspede habitual, parece não sentir o frio. Clama por companhia, de pau na boca, para exibir a sua perícia escapatória, numa espécie de toca e foge, em que o desafiado tem que fazer o papel de cobaia, a fazer de conta que se esforça para o apanhar. É claro que, para seu deleite, o cão leva sempre a melhor, enquanto o oponente arfa, rendido, mas sorridente.
No terreno circundante, para além da área ajardinada, da horta de verão já só sobram couves e alho francês. Há, pois, que preparar a terra para a horta de inverno, que já não é cedo para iniciar o cultivo dos alhos, das favas e das ervilhas. Tal como os dias, diz o ditado que, no dia de Natal, os alhos já têm um bico de pardal.
A neve na Gardunha, mais escassa, contrasta com a abundância de branco na Estrela, mais a norte, mas com a certeza de que os cerejais agradecem a dádiva, tamanha, para eliminar as diversas pragas. Deleito-me, num epicentro de delícias várias, grato por usufruir dum horizonte tão gratificante.
Vou ao abrigo para abastecer a lareira de lenha e, por ente os paus, deparo-me com uma vespa em estado, parece-me, de hibernação. E, a propósito de tudo, ou de nada, assoma-me ao pensamento o tal bichinho omnipresente, que a todos condiciona. Oxalá a neve o aniquilasse, ou, no mínimo, adormecesse, mas parece que o frio tem efeito contrário. É por estas e por outras que ninguém quer o termómetro na mó de baixo nos contornos da sua vida. Por inerência, penso no Natal que se aproxima, em que um "bicho" maior deveria ser foco canalizador dum amor mais elevado. Mas, rendendo-me à evidência, condicionados pelas grilhetas, já quase todos se renderam às luzes ofuscantes dum amor menor, vendido em episódios, redimensionado, a todo o instante, pelos números duma qualquer caixa registadora. Adiante.
Chegam-me, entretanto, notícias do Miguel, num vídeo em que o meu neto evidencia, a cada dia que passa, uma vontade genuína de abraçar o mundo que, paulatinamente, se vai desenhando nos seus sentidos, ancorado, sempre, numa imensa ternura. Sorrio, de peito aberto, pois há coisas que não têm preço.
E a vida prossegue, bem apoiada em convicções tecidas em esperança, enquanto inicio o despertar da lareira com recurso a duas pinhas, apanhadas no final do verão num dos muitos pinhais das redondezas.
A paisagem pode arrefecer, mas a alma, em momento algum, pode deixar de se tentar aquecer. É do nosso desígnio.
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19 comentários:

  1. Ah, que texto de tirar o fôlego! Já ando com saudade do inverno. Por aqui faz uma calor enorme. Em lugar da lareira, é o ar-condicionado que entra em ação. Em comum, só o Natal que se aproxima.

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  2. Sempre um prazer imenso, respirar os poéticos e inspiradores ares das Serras... sempre apaziguadores, e convidativos a tantas reflexões...
    Como sempre um delicioso cenário poético, por aqui... muito bem complementado com uma excelente imagem...
    Recomeçar... é a permanente lição da Natureza... que nunca nos deixa desanimar... felizes, os que a entendem!...
    Votos de continuação de uma excelente semana, AC!
    Um grande abraço!
    Ana

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  3. Eis a descrição, romantizada e encantadoramente poética, de um dia frio de Inverno, retirada do quotidiano de um professor/agricultor/escrevinhador.
    Assim lido, parece tudo fácil, e nós, aqui no nosso aconchego, sem lenha a crepitar na lareira há muito vedada, para dar lugar à modernidade do aquecimento central, suspiramos por este romantismo que não nos assiste.
    Algo, porém, nos aproxima. O deslumbramento desta sublime condição de sermos Avós.
    É do nosso desígnio. :)

    Um abraço, AC.

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  4. Como não se encantar pelos seus contos?

    Aquele blog de histórias é da minha filha AC, estou motivando-a a escrever mas por enquanto cópia e cola rs. Quanto aos aprendizados sim tenho muitos nesta vida,mas talvez tenhas me interpretado mal. Só estou a brincar! Se possível bons dias! Um beijo!

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  5. Suas crônicas são de uma riqueza louvável. Não passeio por esses caminhos e me encanto om a descrição poética que deles faz. Não conheço esse inverno, mas entendo sua mensagem. Um bichinho perigoso está a circular, sem querer hibernar para sempre. E precisamos aquecer a alma com esperança. Abraço.

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  6. A imagem arrepia de tão bela. E o texto é aconchegante. Uma boa lareira na invernia permite fabulosas viagens na leitura ou na escrita.

    Beijo.

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  7. Tão bom ler-te! És rico de sensibilidade, dessa serra encantadora e de um netinho!
    Eu espero a chegada da minha :)
    Beijinho

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  8. Belíssimo texto a acompanhar uma belíssima foto.

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  9. Como bem sabes não suporto lareiras nem aquecedores, prefiro mais roupa:)
    Este teu texto, belo e grandioso como sempre, fez-me levar à noite que mais gosto que é a noite de 24 para 25 e que pelo desgramdo vírus me levou a dizer que não iria. Como a minha velhota não pode sair do lar, sem elas seriamos 9 e pela euforia de muitos natais é melhor não haver a "tradição" porque tenho esperança de que melhores dias virão e faço minhas estas tuas palavras:
    "A paisagem pode arrefecer, mas a alma, em momento algum, pode deixar de se tentar aquecer. É do nosso desígnio."

    Beijos e uma boa quarta feira e que o Miguel que continue a fazer de ti um avô babado

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  10. Aqui está o meu abraço !
    Sentia falta do calor das suas crónicas que me leva sempre a vivenciar tudo o que tão bem descreve.
    Apesar dos pesares há sentires que não têm preço, são esses que nos mantêm vivos. Que assim continue meu amigo !

    Um beijinho

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  11. A alma nunca tem frio. Ela é iluminada.
    Beijinhos

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  12. Cenas de um quotidiano que tão bem conheço. Falta-me o netinho que ainda não tenho mas um dia virá.
    Saudações

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  13. Que belo texto pleno de ternura e paz! uma vida entrosada com a natureza no que ela tem de bela em cada estação; uma consciência tranquila e ainda de prêmio uma criancinha tomando consciência do mundo em suas descobertas! Está pronto o Natal!
    Paz e Amor!
    Um abraço

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  14. "Deleito-me"... Deleitei-me também a ler este texto.

    Votos de um Santo e Feliz Natal, com saúde, paz e amor!

    Beijinhos.

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  15. A beleza da paisagem a deixar-me no olhar aquele brilho antigo, mas tão presente. O texto, uma dádiva para quem o lê. Apetece estar por aí a ver o que é descrito tão maravilhosamente. Apetece ir até à lareira para ver as chamas tão fugazes como a vida. Que bom ter notícias do seu neto...
    Continue a cuidar-se.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  16. Uma bela e pompisa descrição dos dias de inverno na serra. E digo que até é de fazer inveja, estar longe do bulício e das cauxas registadoras tão habituais desta altura do ano. Mas não vale esmorecer, terá a humanidade certamente salvação, mas preciso é que queira. Abraço AC

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  17. AC
    Mais uma bela crónica cheia de amor pela natureza e muito bem escrita.
    A foto complementa o texto, está fantástica.
    Cuide-se
    beijinhos
    :)

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  18. "A paisagem pode arrefecer, mas a alma, em momento algum, pode deixar de se tentar aquecer.!
    Adorei o texto. Brisas doces para esse lado *

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  19. bella foto, super hermoso texto y sobre todo, excelente final...hay sucesos que lo iluminan todo, saludos

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